Matéria da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela sobre eventos e temas que surgem na sociedade.
Tiroteios ecoaram em todo o Complexo da Maré na terça-feira, 6 de fevereiro, enquanto a polícia realizava operações massivas em oito das favelas de Maré. As operações deixaram pelo menos dois mortos.
Jeremias Moraes da Silva, de 13 anos, foi baleado no regresso de um jogo de futebol na favela Nova Holanda. Ele foi declarado morto ao chegar no Hospital Souza Aguiar.
“Toda vez que volta às aulas na comunidade é isso”, a mãe de Jeremias disse à TV Globo. “Volta às aulas, começa operação. Parece que eles combinam. Meu filho de 13 anos, servo do Senhor, um menino de ouro, estava aprendendo a tocar violão. Eu tinha cinco filhos, Senhor, agora só tenho quatro.”
O Batalhão de Operações Especiais (Bope), a Tropa de Choque e o Batalhão de Ação com Cães (BAC) entraram na Maré por volta das 6h, supostamente em uma resposta de vingança a uma falsa denúncia de sequestro de policiais. As operações do dia–realizadas na semana em que as crianças retornam à escola das férias de verão–resultaram no fechamento de 20 escolas, 13 creches e sete espaços de desenvolvimento infantil, de acordo com o Globo.
Organizações da sociedade civil, ativistas e jornalistas comunitários do Rio imediatamente postaram nas redes sociais denúncias sobre os ataques do dia e a forma como os principais meios de comunicação os cobriram inicialmente os acontecimentos.
Em uma postagem relativamente cedo no dia, o Maré Vive apontou para a falta de cobertura até aquele momento e a disparidade entre o tratamento dado à Maré e aos bairros da classe média da cidade: “Já estamos indo para dez horas de operação policial aqui na Maré. Os tiros não cessam, confrontos de grosso calibre em praticamente todo o Complexo. Estamos encurralados por esse estado assassino, que diz não ter dinheiro pras coisas básicas dos cidadãos, mas investe pesado na guerra aos pobres. Já temos mais de 3 pessoas baleadas. E uma delas corre sério risco de falecer (edit: 2 pessoas morreram na operação). Sem comoção pública, sem nota nos jornais online ou impressos. Sem chamada ao vivo pra ver a situação de quem sofre com esse absurdo. Enquanto a burguesia do privilégio continua se programando pro carnaval a gente tá aqui, invisível, lutando pra ficar vivo”.
Quando o jornalista Michel Silva da Rocinha apontou para as múltiplas mortes associadas às operações, um comentarista perguntou: “Saiu na mídia? Vai sair? Quero ver tudo isso aparecendo nos jornais, como aparece quando um turista é morto ou baleado!”
A campanha Caveirão Não: Favelas Pela Vida e Contra as Operações detalhou os efeitos mais amplos deste tipo de incursão policial, escrevendo: “Hoje, desde às 6h, umas 8 favelas da Maré estão sofrendo com os tiroteios produzidos pela incursão da polícia, especialmente o Bope e a Core. São 50 mil pessoas afetadas pela violência de Estado. Hoje, início das aulas, centenas de crianças mareenses que iriam para as aulas, tiveram seu cotidiano interrompido. Postos de saúde também se encontram fechados. Outras centenas de pessoas não puderam ir ás suas consultas médicas. Em pleno momento de desemprego alto, recebemos vários relatos de pessoas dizendo que teriam entrevistas de emprego e outras informando que já estavam arrumadas para sair de casa e ir trabalhar, mas ninguém pôde ou não estava podendo sair de casa, já que a operação ainda não acabou. A polícia segue aterrorizando, matando, invadindo, deixando os nossos corpos controlados”.
Outros chamaram a atenção para o foco desproporcional no fechamento de rodovias nas manchetes iniciais e nas reportagens da grande mídia, como O Globo e R7, e a aparente preocupação com o transtorno no trânsito sobre a vida humana, até mesmo em notícias internacionais. Thainã de Medeiros do Coletivo Papo Reto escreveu sarcasticamente: “A cidade está com sorte, engarrafamento foi a única coisa que aconteceu até agora!” Ele e vários outros ativistas compartilhavam a imagem à direita, que diz: “F***-SE que a Linha Vermelha e Amarela estão fechadas. E as crianças que foram mortas?”
Uma menina de três anos também foi assassinada em uma tentativa de assalto no início do dia no bairro de Anchieta, na Zona Norte. Na manhã de quarta-feira, 7 de fevereiro, as duas crianças mortas apareceram nas primeiras páginas dos principais jornais brasileiros. A manchete do Extra anunciava o Rio como “a cidade das crianças sem futuro”, enquanto O Dia questionou o que aconteceu com o plano de segurança federal para o Rio, que estava programado para ser implementado na segunda-feira.