Há seis anos, os 51 lugares disponíveis na Câmara Municipal do Rio eram todos disputados nas eleições de 2012 e 1.741 candidatos concorriam aos votos. Cada eleitor podia escolher apenas um único candidato entre os 1.741, não havendo um sistema de votação baseado em distritos, para limitar as suas opções. Há dois anos, 11 candidatos disputavam o cargo para prefeito. Em disputas tão concorridas, os candidatos usam todos os meios disponíveis para ganhar. Nestas e basicamente em todas as eleições no Brasil, o eleitoralismo—a prática de obter favores ou fazer promessas apenas para atrair votos (sem o compromisso de cumprir as promessas)–é desenfreado. E este processo serve para azedar os eleitores quanto ao processo democrático.
Por interesse próprio no melhor dos casos, e por intenções malévolas no pior dos casos, o eleitoralismo é sempre prejudicial. Engana os eleitores para que pensem que estão obtendo “o único benefício que vem das eleições”, na forma de um favor no período que antecede as eleições (como camisetas para uma equipe de futebol comunitária, ou um parquinho), ou, em casos piores, que o seu voto está indo para melhorias ou políticas na comunidade que em último caso não serão realizadas.
As promessas feitas por estes políticos quanto às mudanças que beneficiarão os constituintes são frequentemente abandonadas depois que o candidato é eleito. Além disso, muitas dessas promessas são superficiais e irrealizáveis, como as que não se alinham com aquilo que as comunidades identificam como as necessidades reais e urgentes, ou quando simplesmente não há financiamento disponível para a sua implementação. Com as eleições de 2018 acontecendo apenas daqui a seis meses, lembrar a história recente de eleitoralismo no Rio pode ajudar os eleitores a resistir à tentação de promessas desonestas (ou mal planejadas) e usar os seus votos–e um engajamento democrático mais abrangente–mais produtivamente.
Eleitoralismo: Exemplos Recentes
Apesar do entusiasmo causado tanto entre moradores de favelas quanto entre urbanistas e arquitetos, o Morar Carioca é um dos exemplos recentes mais óbvios de eleitoralismo no Rio de Janeiro. O compromisso com o projeto de urbanização das favelas, que inicialmente prometeu urbanizar todas as favelas do Rio até 2020, decorreu em sintonia com o ciclo das eleições. Depois que o programa foi lançado em 2010, as avaliações das necessidades nas comunidades prioritárias começaram somente no ano das eleições para prefeito em 2012, no mesmo ano em que o Prefeito Eduardo Paes pronunciou o aclamado discurso TED apresentando a iniciativa. Enquanto que o programa causou entusiasmo entre moradores de favelas que viam a necessidade urgente das urbanizações prometidas, outros estavam céticos com razão. O financiamento foi cortado abruptamente em janeiro de 2013 após a reeleição de Paes e nos meses subsequentes tornou-se óbvio que as comunidades que receberam promessas e até avaliações iniciais foram abandonadas. Os poucos projetos que foram implementados sob o rótulo Morar Carioca não se alinharam com aquilo que os moradores identificavam como as necessidades mais urgentes, assim como foi deixado de lado o processo de planejamento participativo que havia sido um elemento tão elogiado do programa.
Em seguida, o programa finalmente parecia que começara a progredir novamente em 2016—outro ano de eleição para prefeito. Desta vez o candidato foi Pedro Paulo Carvalho Teixeira, apoiado pelo Eduardo Paes, que participou ativamente do relançamento. Mas após uma demora de três anos, moradores de favelas como Pica-Pau, onde até o evento do relançamento foi cancelado e adiado, estavam compreensivelmente céticos. Mais uma vez, pouco foi entregue.
Mas o Morar Carioca não é o único exemplo a ser dado. Altair Guimarães, presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo lembrou um exemplo de eleitoralismo sob a forma de um parque infantil, um projeto fácil e visível construído por um candidato durante o ano de eleições. O parque foi então deixado para deteriorar sem manutenção ou equipamentos e a comunidade enfrentou a remoção ao invés de receber mais investimento.
Comunidades territoriais não são as únicas populações visadas pelos eleitoralismo dos políticos; os pescadores são um exemplo de um grupo social diferente que tem sido visado por estas campanhas. Várias iniciativas prometeram beneficiá-los e falharam assim como aquelas das favelas. Vejamos, por exemplo, a inauguração de um centro de tratamento de esgoto no valor de R$37 milhões que prometeu melhorar a qualidade da água da Baía da Guanabara mas que nunca entrou em funcionamento. Um advogado representando os pescadores de Sarapuí na Baixada Fluminense refletiu: “Os políticos usam os pescadores quando querem vencer a eleição. Muitos fazem falsas promessas e depois desaparecem”.
As evidências apontam que as eleições de 2018 seguirão pelo mesmo caminho. O Plano Nacional de Segurança Pública proposto em julho de 2017, para ser implementado no início deste ano, requereu um esforço entre departamentos para combater a violência, em parte através de um pacote de programas sociais nas favelas do Rio, mas os sinais evidentes de eleitoralismo estavam visíveis aos líderes de favelas: os programas pareciam ser reinvenções dos anteriores sem planos claros para solucionar os erros cometidos anteriormente, e as fontes de financiamento não estavam claras. Como Favela em Pauta informou, o presidente da Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) disse: “Sempre que na época de eleição, eles vêm com esse programa fraco que não resolve [os problemas], é paliativo para as comunidades. E a gente não quer paliativo. A gente quer coisas concretas“. No Rio, a implementação do Plano Nacional de Segurança Pública foi adiado e depois deixado de lado pela intervenção militar federal declarada em fevereiro.
Muitos Eleitores Não São Enganados
Na verdade, enquanto os políticos acham que estão tirando proveito dos eleitores, com a experiência crescendo a cada dois anos desde a redemocratização do Brasil há trinta anos, hoje os cariocas reconhecem estas políticas eleitoreiras à distância. Em 2012, diversas favelas em Curicica, em Jacarepaguá na Zona Oeste, estavam aguardando os investimentos do Morar Carioca. Ivan da Associação de Moradores da Vila Calmete categoricamente previu que “os investimentos devem acabar assim que as próximas eleições estiverem decididas”. Outra moradora, da Vila União de Curicica, explicou como os políticos regularmente propunham projetos com pouco compromisso, pouco impacto e em curto prazo para obter uma boa imagem e ter apoio. Para ela já era esperado que os políticos não teriam o mesmo interesse em manter esses investimentos, visto as passarelas de madeira de má qualidade instaladas na Vila União, refletindo: “Nós temos que consertar a bagunça deles”.
Este ano, a moradora Daiana de Oliveira de Manguinhos ganhou atenção e apreciação nas mídias sociais com um vídeo mostrando o seu discurso na frente do Governador Luiz Fernando Pezão, avisando-o que os moradores não seriam enganados para votar de certa maneira apenas por que ele estava reabrindo a biblioteca estadual em Manguinhos num ano de eleições. Ela depois escreveu no Facebook: “A reabertura [da biblioteca] é política, sabemos disso, afinal é ano eleitoral. Mas nós temos direito à cultura, leitura e a educação. Não vamos trocar essa biblioteca reaberta por votos. Eles, o governo do Estado, não esta fazendo mais do que a sua obrigação”.
Um refrão que surge das reflexões sobre o eleitoralismo no Rio é a falta de participação, que deveria conduzir projetos que tratam das necessidades mais urgentes das comunidades. A participação é legalmente necessária no planejamento e desenvolvimento dos projetos, mas é raramente atrelada eficazmente às políticas e intervenções pelas autoridades do governo.
André Constantine é presidente da Associação de Moradores da Babilônia, uma favela na Zona Sul do Rio que recebeu uma pequena porcentagem dos projetos prometidos pelo programa Morar Carioca antes que o programa fosse abandonado. Mas o nível de participação da comunidade ficou muito aquém do que a política prometia no papel. Ele refletiu: “[Morar Carioca] é uma vergonha. E esse projeto ganhar esses prêmios é mais vergonhoso ainda. A realidade é que não há diálogo algum. Eles mudaram o projeto várias vezes. Quando você vai fazer qualquer tipo de mudança num projeto, você tem que perguntar novamente aos moradores. Nada disso foi feito. Nada disso foi realizado. Como tudo do Estado que chega aqui, vem de cima para baixo”.
Isto pode ser revoltante quando os moradores locais têm conhecimento que pode criar soluções simples. No caso dos pescadores de Sarapuí que foram bloqueados sem poder chegar aos seus locais de pesca por barreiras ecológicas instaladas para as Olimpíadas, os próprios pescadores encontraram uma solução: Mover a barreira ecológica rio acima onde não bloquearia o seu caminho. “Ninguém consultou os pescadores”, um deles disse após compartilhar a solução.
Outros moradores de favelas estão cansados das táticas eleitoreiras: Elis, uma moradora de 46 anos do Vidigal, optou por não prestar atenção aos debates para prefeito em 2016: “É falta de tempo e falta de interesse também. Eles sempre prometem as mesmas coisas e não cumprem nada. Até fazem política aqui, mas só para enganar o povo”.
Um Círculo Vicioso
A insidiosidade das políticas eleitoreiras pode estar no círculo vicioso que esta prática cria: os potenciais eleitores sentem que os políticos estão perdendo o seu tempo e energia com promessas vãs, motivando-os a se afastarem do sistema político, resultando num eleitorado menos envolvido e menos educado politicamente, o que na realidade é mais suscetível ao clientelismo quando vão votar, conforme exigido pela lei brasileira. Tanto os candidatos, quanto os eleitores, são incentivados a aceitar estas táticas e o ciclo se repete. Especialmente num cenário onde ninguém é responsável pelas promessas feitas durante a campanha, votar não é o suficiente para uma democracia significativa.
O Que Fazer
Esta falta de responsabilidade permitiu a proliferação do eleitoralismo, deixando os eleitores exaustos e decepcionados, confusos sobre em que acreditar, e tentados a se afastar. Na melhor das hipóteses, a prática pode ser vista como “apenas” uma tática de interesse próprio para obter votos; na pior das hipóteses, é uma estratégia desleal para de fato privar os eleitores criando um ambiente no qual os votos parecem sem sentido e assim o reconhecimento de nomes ou favores importa mais do que as plataformas ou políticas.
Em qualquer um dos casos, os eleitores do Rio engajados em exprimir os seus direitos através do voto podem resistir aos impactos do eleitoralismo ponderando as seguintes perguntas quando considerarem em quem votar, com base nos exemplos de eleitoralismo que documentamos no RioOnWatch nos últimos anos:
- O político tem um histórico de cumprir as promessas para projetos que ajudam as favelas?
- O político manteve um diálogo contínuo com as associações, coletivos e organizações comunitárias, especialmente em fórum público?
- O projeto está alinhado com as necessidades urgentes e fundamentais da comunidade, identificadas por um processo de planejamento participativo?
- O financiamento para o projeto é viável?
- Se o projeto se baseia em algo que já existe ou existiu, há um plano público para aprender com e tratar das falhas anteriores?
A desconfiança neste contexto é saudável. Mas desistir não é. Os eleitores devem estar vigilantes, ser céticos, e votar com inteligência. E exigir medidas de responsabilidade e reformas para conter o fluxo futuro de promessas eleitoreiras.