Esta é a segunda matéria de uma série de duas partes, de uma entrevista produzida pela mídia comunitária Fala Manguinhos! sobre as eleições. Leia a primeira parte aqui.
Diante das eleições que se aproximam, eu, Edilano Cavalcante, coordenador do Fala Manguinhos!, conversei com André Lima, morador de Manguinhos, ativista e doutor em história das ciências e saúde pela Fiocruz e funcionário da mesma instituição, a fim de ouvir suas contribuições sobre o assunto. A primeira parte da entrevista tratou de temas mais amplos da política democrática, incluindo as mudanças que ocorreram no voto e seus impactos sobre o nível de participação popular efetiva no momento das eleições. Nessa segunda parte, André fala sobre os impactos das gestões políticas sobre territórios de favela e sobre a participação política de moradores e sua relação com os candidatos que entram nas comunidades somente em período eleitoral.
Edilano Cavalcante: Nesse ano eleitoral mais uma vez os candidatos precisam disputar voto a voto. Gostaria de ouvir sua análise sobre esse formato de campanha, especialmente a campanha feita nas favelas. Podemos reconhecer as ações dos candidatos como parte legítima do processo democrático?
André Lima: Olha, existe um sentimento generalizado entre os cidadãos de repulsa à política e a suas velhas organizações, como associações e partidos. Isso não começou ontem. Já assistíamos essa descrença em crescimento pelo menos desde os anos 1990. Acho que isso é fruto do que falei anteriormente, da formação escolar deficitária, de eleições marcadas por campanhas milionárias cujos financiadores mandam (e não o eleitorado), da manutenção das desigualdades sociais, do nosso judiciário abusivo e do controle das informações nas mãos de poucos grupos de mídia. Com isso se dissemina a ideia de que todos os políticos são iguais e nenhum presta. Dessa forma, tanto faz em quem você votar. “E daí se eu votar em quem está me dando uma cesta básica ou reformando minha igreja? Pelo menos terei um ganho imediato”, imagina o analfabeto político.
Na favela, por exemplo, de dois em dois anos temos milhares de pessoas que ganham dinheiro para trabalhar para certas candidaturas. Esses líderes se organizam como numa pré-temporada de futebol na qual o técnico tem de montar seu time. São presidentes de associação de moradores, pastores, a galera que organiza o futebol e a festa junina, entre outros que se oferecem para ajudar um determinado candidato. Daí montam equipes de panfleteiros e colocadores de galhardetes. Organizam reuniões em cultos ou finais de campeonatos de futebol, nas quais seus candidatos prometem compromisso com a comunidade! Esse mesmo político, quando se elege, vota em sua maioria no interesse dos seus patrocinadores e não do povo que ali o recebera.
Além disso, a religião tem ganho um espaço que seria dos partidos políticos e movimentos sociais no que diz respeito a formação e organização política. Acho que seria algo como eu com dor de dente me dirigir ao oftalmologista. A descrença é maior na favela, pois os direitos civis, políticos e sociais são constantemente violados, como que em territórios de exceção, o que torna os moradores mais vulneráveis a esse discurso político-religioso. Então vejo com muito receio o avanço dos neopentecostais na política. Esses ganham adesão aos seus candidatos, com pautas nem sempre favoráveis aos trabalhadores. Um exemplo disso foi a reforma trabalhista do Temer e o congelamento dos gastos com saúde e educação por vinte anos. A bancada evangélica votou em peso junto com esse presidente ilegítimo!
EC: Temos também um quadro complicado na política nacional atual. A incerteza, o medo e a indignação têm sido os principais sintomas sentidos pela população, e isso irá interferir diretamente na escolha de novos governantes. Como a história pode ajudar a população nessa escolha difícil?
André: Olha, os tempos são difíceis. O impeachment da Dilma foi na minha opinião um golpe à democracia, visto que Michel Temer iniciou um programa de governo que não foi o vencedor nas eleições. O plano deste senhor não é apenas de cortar investimentos em saúde, educação, programas sociais, ciência e tecnologia e meio ambiente, mas aprovar leis que retiram direitos dos trabalhadores e diminuem programas importantes que combatem a pobreza. Aliás, o Brasil em alguns meses aproximou-se perigosamente dos níveis que o colocariam de volta no mapa da fome mundial, numa clara demonstração de incapacidade política do atual governo em atender minimamente os mais necessitados!
Temos ainda uma parcela do judiciário que condena alguns à cadeia e mantém outros soltos. Tanto em relação às denúncias de corrupção estampadas pela mídia, quanto na punição de crimes que condenam maciçamente apenas jovens negros e pobres. E no caso do Estado do Rio, para o qual elegeremos esse ano governador e deputados estaduais, temos uma quadrilha que esvaziou os cofres públicos. Daí temos o grupo que estava no poder se filiando a outros partidos, como se não tivessem responsabilidade nesse processo! É preciso que a população esteja vigilante.
Nesse sentido, acho que todo cidadão tem o direito de simpatizar pelo candidato A ou B. Mas acho importante pesquisar sobre seu passado, os partidos pela qual passou, quais as bandeiras que ele defendeu, entre outras questões. Acho que essa pesquisa deve incluir sites e mídias que considero importantes, tais como: RioOnWatch, The Intercept Brasil, Mídia Ninja, Agência Pública, e outros. Para a galera de favela, temos aí uma série de mídias comunitárias, na qual vou me limitar a citar o Fala Manguinhos!.
EC: Quais foram as mudanças mais drásticas que o território de Manguinhos e as favelas como um todo sofreram por conta dos roubos dos cofres públicos do estado do Rio? Como isso afetou o desenvolvimento social local?
André: As favelas existem porque nosso modelo de desenvolvimento é excludente! Foi a saída para a provisão de habitação de milhões de trabalhadores diante de um Estado que os deixou à própria sorte. Especulação imobiliária, estigmas, preconceitos, ações paternalistas e eleitoreiras pelo Estado marcam a história das favelas. Quanto à violência, os favelados são vítimas de grupos armados e do Estado ao mesmo tempo. Execuções, prisões arbitrárias, mortes por balas perdidas se juntam a outras violências físicas e simbólicas nessas localidades. Eu mesmo, há menos de um mês, fui avisado pela minha enteada em desespero que policiais invadiram nossa casa e jogaram a porta do meu quarto abaixo! Naquele dia soubemos de outras arbitrariedades nas casas dos vizinhos. Se nos aprofundarmos então nos dados dessas violências, veremos, além do território, que os jovens negros são as maiores vítimas da violência armada de nossa sociedade.
Politicamente, sua população é constantemente alvo de ações eleitoreiras, paternalistas, numa relação de troca de favores. Nos últimos anos, por conta dos megaeventos, bilhões foram direcionados para as favelas. Entretanto, esses projetos (especialmente o Morar Carioca e PAC Favelas) ficaram marcados pela baixa participação dos moradores impactados, pela ausência de transparência do poder público em relação aos projetos e gastos, e pela corrupção, hoje aí estampada nos jornais. Além disso, nos projetos em que as favelas foram contempladas, as remoções, infelizmente, voltaram a ser um problema.
Apesar de sabermos que muitos líderes comunitários foram comprados com mesadas, reformas de casas, empregos nas obras e outros, no processo dessas obras podemos citar alguns movimentos importantes que tiveram ações visando ampliar o debate quanto aos projetos, reduzir as remoções e gerar transparência para a execução dos mesmos. Em Manguinhos, o Fórum do Movimento Social teve um protagonismo importante desde sua fundação, em 2007, até talvez o ano de 2010, e depois de 2011 o Conselho Comunitário de Manguinhos e o Conselho Gestor Intersetorial tiveram importante papel. Podemos citar a luta dos moradores do Alemão, do Borel, da Providência, do Pavão-Pavãozinho, da Rocinha, dentre tantos outros, mas com certo destaque a luta emblemática dos moradores da Vila Autódromo, na Zona Oeste da cidade.
Diante até de uma ameaça às eleições, eu encerro aqui clamando às pessoas que analisem as candidaturas! Votem em sangue novo, mas observem também a legenda do partido. Não dá para votar no amigo militante da favela, que é boa praça, mas vem por um partido que vota tradicionalmente contra os trabalhadores. E não caiam em ladainhas do tipo que se a maioria não votar teremos novas eleições, ou que se tivermos uma intervenção dos militares a coisa melhora. Quando você não vota, você diminui o coeficiente eleitoral e favorece os candidatos aventureiros. E com relação aos militares, eles são necessários, mas não enquanto chefia do Poder Executivo. Tivemos algumas experiências traumáticas, com supressão do direito de expressão, com morte e tortura dos opositores organizadas pelo próprio Estado, com corrupção em casos de grandes obras superfaturadas (como a Transamazônica, a Usina Nuclear de Angra, a Ponte Rio Niterói).
O papel dos movimentos sociais é denunciar o que está errado e junto com os partidos progressistas apontar novos rumos, sempre incluindo as pessoas nos debates e propostas. Cabe também aos movimentos criar estratégias de formação política para os trabalhadores, agregando valor a conceitos como democracia, direitos, cidadania, direitos humanos, alteridade e justiça social.
Por fim, encerro com a frase de Winston Churchill, que, apesar de ter sido proclamada por um conservador, tem muito a dizer sobre o nosso tempo: “a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras formas que foram experimentadas”.
Matéria escrita por Edilano Cavalcante e produzida por parceria entre RioOnWatch e Fala Manguinhos!. Edilano é coordenador da agência de comunicação comunitária Fala Manguinhos!. Como prática de comunicação comunitária produzida por e para Manguinhos, o Fala Manguinhos! tem em sua origem a defesa dos direitos humanos e ambientais, promoção de cidadania e saúde com a participação direta dos moradores e moradoras nas decisões que envolvem a Agência de Comunicação Comunitária de Manguinhos, a partir dos encontros do grupo de comunicação do Conselho Comunitário. Siga o Fala Manguinhos pelo Facebook aqui.