Na tarde do dia 8 de agosto, a Luta pela Paz realizou um seminário intitulado “A Favela Grita: Mulheres Negras Construindo Narrativas”. O seminário atraiu uma multidão tão grande que os membros da plateia saíam pelas portas da academia de artes marciais, onde o evento foi realizado no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio. “A Favela Grita” foi uma continuação de um seminário sobre representatividade e resistência (realizado pela Luta pela Paz duas semanas antes), pois também discutiu a atitude de força no contexto da identidade feminina negra e refletiu sobre o legado de Marielle. O objetivo por trás do evento pode ser melhor resumido pela pergunta feita por Rafael, um membro da plateia e morador da Maré: “As pessoas tendem a focar no número de mortes quando falam do povo negro. O que vocês pretendem fazer para reconhecer a nossa história de forma positiva?”
Renata Souza–que cresceu na Maré e é candidata a deputada estadual–falou sobre o desenvolvimento de sistemas alternativos de transporte nas favelas após cortes nas rotas municipais de ônibus. Ela disse: “A gente tinha muitos pontos finais de ônibus, e a gente conseguia ter circulação para diversos lugares. Hoje, a gente não tem mais. Tem alguns pontos de ônibus em lugares específicos, mas hoje a circulação para a gente que mora na favela é ruim”. De fato, nos últimos anos–especialmente após a decisão de 2015, da Secretaria Municipal de Transportes (SMTR), de cortar 35% de sua frota antes dos Jogos Olímpicos–os moradores da Zona Norte do Rio sofreram com a diminuição dos serviços de transporte público. No entanto, esse obstáculo não interrompeu o movimento de entrada e saída de favelas afetadas, como a Maré. Os moradores da favela reagiram com a proliferação de moto-táxis e depois com a expansão dos serviços informais de transporte. Renata disse que os mototáxis são a forma mais importante de transporte dentro das favelas. Ela estimulou a plateia a “dar uma olhada na legalização dos mototáxis” e “fiscalizar” as empresas informais que desempenham papéis essenciais na cultura das favelas.
Além de apoiar os negócios de favelas, outras participantes do evento enfatizaram a necessidade de apoiar os autores das favelas. Viviane Santos–assistente social e coordenadora do programa Suporte Social da Luta pela Paz–iniciou sua resposta à pergunta de Rafael, segurando dois livros para que a platéia pudesse ver: Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis de Jarid Arraes e Olhos de Azeviche, uma compilação de poemas e histórias escritas por mulheres negras. Viviane disse: “Infelizmente, a gente não sabe da história dessas mulheres pretas… Quando a gente fala que a gente precisa contar de outra forma essas narrativas, é isso: a gente precisa ocupar esses espaços acadêmicos, as letras, as universidades, a política, para falar de outras narrativas”. Viviane e outras palestrantes criticaram a relativa ausência da história afro-brasileira nos currículos de educação pública–apesar da legislação federal ordenar sua instrução. Ela encorajou o público a ler–para aprender mais sobre a história dos afro-brasileiros–e para escrever de modo que sua história continue a ser documentada e contada.
O seminário terminou com vários discursos acalorados sobre as muitas formas de discriminação que as mulheres negras sofreram em toda a história do Brasil. As palestrantes enfatizaram que a solução para reconciliar essa história de injustiça não é coibi-las, mas sim abraçá-la. Mônica Francisco–que é da favela do Borel e também candidata a deputada estadual–incorporou esse sentimento em sua declaração final, dizendo à plateia para não ter medo de desafiar políticas discriminatórias. Essas políticas “elas não são malfeitas, elas são feitas para serem más”, afirmou ela.
A resposta à pergunta “Por que a favela deve gritar?” É simples: quando a favela não grita, sua voz não é ouvida.