Iniciativa: Associação Cultural Quilombo do Camorim (ACUQCA)
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Ano de Fundação: 2003
Comunidade: Quilombo do Camorim, Jacarepaguá (Zona Oeste)
Missão: Reviver, preservar e promover a cultura quilombola
Eventos Públicos: Oficinas de dança e capoeira, feijoadas, eventos culturais (como a festa de Dandara e Zumbi a acontecer este domingo 25 de novembro), eventos de reflorestamento e limpeza da mata, caminhadas históricas, passeios escolares e visitas ao sítio arqueológico do Engenho do Camorim.
Como Contribuir: Participando dos eventos públicos, incluindo reuniões anuais que comemoram dias importantes na história afro-brasileira nos meses de abril, maio, agosto e novembro; e conectando-se aos moradores e líderes do Quilombo para apoiar suas atividades (atualmente o Quilombo precisa de apoio para a construção de um banheiro seco, para projetar um centro cultural e desenvolver um museu a céu aberto).
Na fronteira do Parque Estadual da Pedra Branca, uma das maiores florestas urbanas do mundo e um importante local de conservação da biodiversidade, está o Quilombo do Camorim—uma comunidade de vinte famílias que autodefinem-se como descendentes de escravos africanos fugidos. Para os membros da comunidade, conexões com seus ancestrais fornecem força e inspiração. “O que me traz felicidade é resgatar, realmente, a história dos nossos antepassados, a minha história e a história da nova geração que está chegando”, diz Adilson Almeida, fundador e presidente da Associação Cultural Quilombo do Camorim (ACUQCA). Fundada em 2003, ACUQCA busca proteger o patrimônio histórico, cultural e ambiental do Quilombo do Camorim através da arte, cultura, gastronomia e ecoturismo.
A história do Camorim começa com os índios Tupi-Guaranis que habitaram a área antes mesmo da colonização portuguesa. O nome Camorim tem origem na palavra tupi que nomeava um tipo de peixe capturado pelos habitantes locais. No fim do século XVI, Salvador Correia de Sá, governador-geral do Rio de Janeiro, reivindicou a área para sua plantação e engenho de cana-de-açúcar e dividiu o território entre seus dois filhos. Em 1622, seu filho Gonçalo de Sá construiu o engenho e manteve o nome indígena, chamando-o de Engenho do Camorim.
Adilson tem documentos mostrando que seus antepassados chegaram escravizados de Angola nos anos 1600. Em 1712, um deles foi raptado do Quilombo do Camorim e vendido para uma fazendo em Minas, de onde fugiu e voltou. “Eles não conseguiram se adaptar ao trabalho escravo. Então eles fugiram pra dentro da floresta e foi criado aqui o quilombo”, Adilson explica. Ainda hoje, em partes do parque estadual, existem rastros que retratam os passos destes africanos que resistiram à escravidão. Há também pequenas cavernas, que foram usadas pelos escravos fugitivos como esconderijo, localizadas no meio da floresta no caminho para a Pedra do Quilombo—um pico que serviu como um importante ponto de observação para os quilombolas.
Recentemente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) certificou o Sítio Arqueológico do Engenho do Camorim como um lugar de importância cultural e histórica. Desde 2016 a doutoranda Sílvia Peixoto tem ajudado a encontrar milhares de fragmentos de vasos de cerâmica usados para a produção de açúcar, assim como louças, ferramentas e cachimbos usados por escravos e cerâmicas indígenas.
Orgulho da Herança
Adilson, 50, começou a praticar capoeira aos 12 anos e continua desde então. A capoeira era originalmente praticada pelos africanos escravizados no Brasil como uma forma de proteção contra a violência e repressão de seus senhores. Enquanto eram proibidos de participar de qualquer tipo de luta, eles disfarçavam a arte marcial como dança, usando ritmos e movimentos tradicionais. O interesse de Adilson pela capoeira e suas experiências com sua avó, filha de escravos, o motivou a aprender mais sobre a história e cultura do quilombo.
Determinado a fazer algo por sua comunidade, em 1998, Adilson perguntou a si mesmo: “De onde eu vim, quem eu sou, e para onde eu quero ir?” Para responder a essas questões ele começou a buscar conhecimento e compartilhar a história de sua comunidade com outras pessoas.
Como explicado por Adilson, o Quilombo do Camorim busca conectar o passado ao futuro, a fim de quebrar estereótipos e iniciar o diálogo. Apesar da contínua marginalização e discriminação, Adilson continua orgulhoso de ser um quilombola: “É aqui onde [meus ancestrais] chegaram, sofreram, morreram”.
ACUQCA tem uma diretoria de dez membros ativamente engajada e dezenas de voluntários e colaboradores que juntos realizam uma variedade de eventos e oficinas que compartilham as tradições culturais do quilombo bem como fortalecem a identidade negra e quilombola. Nos eventos, como a feijoada anual em homenagem à Dandara e Zumbi dos Palmares, que acontecerá neste domingo dia 25 de novembro, líderes da resistência afro-brasileira ajudam a desconstruir a imagem negativa dos quilombos, o racismo e o preconceito que resultam dessas percepções estigmatizadas. Eles também organizam eventos e oficinas de capoeira e danças africanas como o jongo, uma dança comunal trazida por bantus escravizados e cujas letras comunicavam em segredo notícias da resistência.
Conhecimento Ambiental como Resistência
Parte da força do Quilombo do Camorim decorre da forte conexão com a natureza. A comunidade já plantou milhares de árvores ao longo dos anos, incluindo árvores indígenas como o guapuruvu, historicamente usada pelos povos indígenas para fazer canoas. Adilson é inspirado pela conexão do povo indígena com a terra e as práticas de preservação ambiental. “O melhor templo que eu tenho é o ar livre”, diz ele. “Então hoje em dia eu digo que minha religião é Deus e a natureza.”
Entre muitos projetos, a iniciativa treina jovens no quilombo para serem guias turísticos, guiando caminhadas que incorporam lugares históricos significantes e marcos naturais ao longo da rota. Os visitantes terminam o passeio com conhecimento de uma parte, não comumente contada, da história do Brasil. Até então, aproximadamente 60 jovens já foram treinados em ecoturismo.
Como administradores da terra de seus antepassados, ACUQCA regularmente organiza eventos de reflorestamento e limpeza do parque. “Quando você começa a cuidar, você também é cuidado. Quem ama cuida e quem cuida é amado”, Afirma Adilson. ACUQCA também está trabalhando em uma horta orgânica para fornecer à comunidade produtos frescos e resgatar os modos antigos que seus ancestrais se conectavam com a terra, colhendo alimentos frescos enquanto respeitam a natureza e o meio ambiente.
Resiliência Social e Solidariedade
Recentemente, o Quilombo do Camorim tem enfrentado dificuldades, incluindo oposição ao seu reconhecimento como quilombo e a construção em terras reivindicadas pelo quilombo—inclusive no local de um cemitério ancestral—para dar espaço a Vila de Mídia Olímpica, usada por jornalistas internacionais (hoje um condomínio privado). A construção do condomínio levou a derrubada de centenas de árvores centenárias e causou um desvio no curso do Rio Camorim, impactando o abastecimento de água dos moradores.
Para Adilson faltam palavras capazes de expressar plenamente como se sentiu ao ver a destruição da terra de seus ancestrais: “Na verdade, eu só chorava—na rua, só chorava. De ver aquelas árvores, ali, como se fossem um pedaço de mim que estava sendo destruído. Foi uma sensação muito ruim de perder parte de você, uma parte da minha história, uma parte de meus ancestrais que estava ali”.
Ainda assim, Adilson convida moradores do condomínio para participar de eventos no quilombo e os encoraja a aprender sobre a história do lugar onde moram.
Com o apoio de amigos e aliados, o Quilombo do Camorim se mantém firme—apesar dos desafios contínuos para manter suas tradições e cultura viva. ACUQCA conduz melhorias na comunidade com pouco apoio financeiro externo, incluindo a conquista do reconhecimento oficial necessário para a preservação da comunidade.
Mesmo que a constituição garanta o direito de preservação da terra e cultura quilombola—complementado por um decreto presidencial de 2003 que estabelece procedimentos para identificar, demarcar e titular esses territórios—poucos têm recebido esse título (menos de 7% territórios reconhecidos no Brasil). Em 2014, a Fundação Cultural Palmares (FCP) certificou o Quilombo do Camorim, reconhecendo a auto-identificação da comunidade como um quilombo. Contudo, a certificação da FCP é apenas o primeiro passo para ganhar títulos de propriedade coletiva. O segundo passo do processo envolve o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Embora membros da comunidade iniciaram o processo junto ao INCRA em 2004, o Quilombo do Camorim ainda não foi titulado pela instituição.
Usando o Passado Para Olhar Para o Futuro
Adilson tem uma tatuagem com o símbolo do Quilombo do Camorim, uma sankofa—um símbolo adinkra de um pássaro olhando para trás enquanto segura um ovo que simboliza a vida. “Sempre olhando para trás, ele jamais vai esquecer as origens dele. É voltar ao passado, buscar suas origens, aprender coisas boas, trazer para o presente, construir um mundo melhor”, disse Adilson.
Adilson sente que o seu papel é deixar um legado de resistência histórica e cultural afro-brasileira para jovens no Quilombo do Camorim e no Brasil: “Desde do momento que a criança cresce com sua própria identidade, sabendo quem ela é, tendo um passado, tendo um presente e tendo um futuro, ela pode ser quem ela quer ser”.
Um dos sonhos em andamento de Adilson para o futuro, é a criação de um centro cultural que ajudará a preservar as tradições e memórias históricas, culturais e ambientais do Quilombo do Camorim. “Não é uma história só do quilombo”, disse Adilson. “É uma história do país.”
*A Associação Cultural Quilombo do Camorim é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)—a organização que publica o RioOnWatch—como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook. Leia outros perfis dos projetos da Rede Favela Sustentável aqui.