Instituições de cinco estados brasileiros se uniram para lançar a Rede de Observatórios da Segurança, uma iniciativa colaborativa para rastrear uma ampla gama de indicadores de violência e direitos humanos. A partir de 1º de junho, a Rede começou a monitorar 16 indicadores que variam de crimes raciais, de gênero e de intolerância religiosa à violência policial e massacres no sistema carcerário brasileiro.
Inspirada pelo sucesso do Observatório da Intervenção, órgão de monitoramento criado em resposta à intervenção militar federal de 2018 na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, a Rede reúne instituições de pesquisa dos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Os pesquisadores coletarão dados de fontes de notícias impressas e on-line, mídias sociais, parceiros de monitoramento como o Fogo Cruzado e bancos de dados oficiais existentes.
Silvia Ramos, coordenadora do programa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), explicou que além de abordar os indicadores existentes com rigor e transparência, a Rede de Observatórios da Segurança se empenha para dar maior contexto às estatísticas comumente citadas. “A gente fica o tempo todo contando homicídios”, disse Silvia. “O homicídio é a ponta do iceberg. Em cada lugar que tem homicídios pela polícia, quantas ameaças têm? Quantos meninos com medo têm?”
Para Julita Lemgruber, socióloga e coordenadora do CESeC, a Rede preencherá lacunas cruciais. Referindo-se às dezenas de mortos na prisão de Manaus poucos dias antes do lançamento da Rede, Julita declarou que era essencial para o país começar a rastrear as mortes nas prisões brasileiras. “Isso só pode acontecer num país em que realmente algumas vidas valem menos que as outras”, lamentou Julita. “Essas pessoas que morreram, nesse presídio em Manaus, eram membros desses grupos que infelizmente são vistos como descartáveis.” A Rede, disse Julita, forneceria os dados necessários para responsabilizar autoridades em penitenciárias públicas e privadas por suas ações e por sua negligência.
Ao incluir indicadores como abuso racial, violência contra populações LGBTQ + e violência relacionada a protestos, a Rede espera se aprofundar nas narrativas que estão por trás dos números oficiais. O evento de lançamento contou com a participação de uma ampla gama de membros da sociedade civil e atores estatais, incluindo alguns dos mais conhecidos ativistas de favela do Rio de Janeiro.
Edu Carvalho, da Rocinha, na Zona Sul, lembrou os aniversários das mortes de Eduardo Felipe Santos Victor e Douglas Rodrigues, ambos mortos nas mãos da polícia: “A diferença entre o Douglas e Eduardo, de esse Eduardo que fala, é que eu estou vivo e eles não”. Edu, que trabalhou como assessor do Observatório de Intervenção em 2018, chamou a Rede de “importante e absolutamente necessária” para o esclarecimento de casos de violência policial. Nos casos de Eduardo e de Douglas, os juízes absolveram os policiais militares responsáveis.
O lançamento da Rede de Observatórios da Segurança acontece em um momento de níveis, sem precedentes, de violência policial no Rio, e os parceiros de favelas esperam desempenhar um papel fundamental nos esforços de monitoramento. De acordo com estatísticas oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP), a polícia do Rio matou 558 pessoas nos primeiros quatro meses de 2019, mais do que em qualquer primeiro trimestre registrado. No entanto, casos como o de Felipe—em que um vídeo amador flagrou a polícia adulterando a cena do crime, proporcionando atenção o que sem o vídeo seria mínima—demonstram que os dados oficiais têm pouco peso na ausência da observação de moradores.
Silvia enfatizou que cada etapa da formação da Rede foi realizada consultando ativistas e moradores de favelas. A colaboração de líderes de favelas e organizações comunitárias é a fonte da legitimidade da Rede, ao mesmo tempo em que fornece dados através das suas tecnologias de monitoramento existentes.
Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, um coletivo de mídia que aborda segurança pública e direitos humanos no Complexo do Alemão, na Zona Norte, disse que ativistas de favelas são “observadores naturais”. Raull, colaborador antigo do CESeC, lamentou que os moradores das periferias do Brasil sejam frequentemente excluídos das discussões sobre políticas de segurança pública e elogiou a Rede por envolver as pessoas mais afetadas pela violência policial.
Eliana Sousa Silva, fundadora da Redes de Maré—localizada no Complexo da Maré, também na Zona Norte—concordou com Raull, dizendo que vê a Rede de Observatórios de Segurança como uma oportunidade para trazer dados diretamente para as pessoas. A situação de violência nas favelas do Rio só pode ser alterada, disse Eliana, “se a gente vê esse envolvimento real [no monitoramento] de quem está diretamente envolvido nessas violências. A Rede é parte disso, e está fazendo certo”.
Itamar Silva, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (iBase), apontou a presença das deputadas Renata Souza e Mônica Francisco—duas mulheres negras de favelas eleitas para cargos públicos—como sinal de progresso. No entanto, como Itamar disse, um público amplo deve ser trazido a bordo para alcançar uma mudança real. “Foi permitindo que hoje se mate [esses jovens] cotidianamente e a gente não consegue mobilizar a sociedade”, disse Itamar. “Precisamos de mais gente neste barco.”