No dia 8 de junho foi realizada a 6a Roda de Conversa Universitárixs Faveladxs – Quais caminhos levam a universidade para a favela e a favela para a universidade? no Centro de Recepção do Museu da Vida da Fiocruz. O encontro é fruto de uma iniciativa que reuniu a UFRJ e organizações, lideranças e estudantes dos territórios da Maré e de Manguinhos com o objetivo de ampliar o debate sobre a ciência como instrumento de redução das desigualdades—que foi a temática principal da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2018. As primeiras duas rodas aconteceram no Museu da Maré, a terceira no Espaço Casa Viva, a quarta na UFRJ e as últimas duas no Museu da Vida, gerando rotatividade entre os espaços.
A 6a Roda reuniu mais de 20 pessoas, entre elas representantes do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), Coordenação de Cooperação Social de Fiocruz, Casa de Oswaldo Cruz, REDECCAP, Museu da Vida, Museu da Maré, Espaço Casa Viva, Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), projeto Educação, Saúde e Cultura em Territórios da Periferia Urbana, e alunos da UFF, UFRJ e UERJ, além de colaboradores e professores de favelas.
Repensar a Relação Entre as Universidades e as Favelas
Nas edições precedentes, foram diagnosticadas três frentes importantes: o acesso a programas de formação e ao estudo de políticas públicas que foram criadas nos últimos anos para favorecer o acesso à universidade; as disputas comunicacionais frente a uma conjuntura que não favorece o diálogo; e a questão da geração de renda e de condições dignas de vida por meio da educação. A partir destes eixos, foram discutidas questões sobre a identificação e a quantificação dos rumos dos estudantes egressos de favelas, as trajetórias e os obstáculos que eles atravessam, e houve a apresentação do Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Como resultado desses relevantes questionamentos surgiu a proposta da criação de grupos de trabalho (GTs) a fim de, segundo o coordenador da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, José Leonidio Madureira de Sousa Santos: “aprofundar a pesquisa para pensar aonde estão esses estudantes egressos da Maré e de Manguinhos…. [sobre] o impacto da inserção desses estudantes nas universidades e o que isso reflete no seu entorno… e [sobre] a produção científica” na favela, sobre a favela e para a favela. Desta forma, foram criados os seguintes GTs: GT de Pesquisa, para entender mais a fundo as trajetórias dos egressos favelados; GT de Saúde Mental, que se esforça em levantar os efeitos psicossociais desses processos educacionais mencionados; GT de Comunicação, para pensar nos modelos de diálogo atuais e rever novos planos de comunicação; e finalmente o GT de Participação Social, com foco no fortalecimento da questão de memória, localidade e identidade.
Entre os próximos projetos foi estabelecida uma jornada científica para valorizar a produção de conhecimento nos territórios de Manguinhos e da Maré. O objetivo destas jornadas é continuar se posicionando em campo, contra a discriminação, o preconceito, o racismo e a criminalização que as favelas são sujeitas. Alessandro lembrou a “necessidade da gente reafirmar esses territórios como lugares de saber, de vida, em oposição a todo estereótipo de que se pode fazer”.
Reconfiguração da Roda para Atender Novas Missões e Demandas
Nesta 6a Roda, um dos principais temas debatidos foi a reconfiguração da roda de conversa para o formato de fórum permanente. Essa questão nasceu do amadurecimento da roda e do estabelecimento de uma certa coesão e adesão dos participantes, permitindo ao mesmo tempo a flutuação do público. O fórum continuará tendo o apoio da Fiocruz e da UFRJ, que se comprometeram a reforçar as iniciativas que forem propostas e dar estruturas básicas para que o fórum possa continuar rodando de forma independente e como uma organização mais consistente. Alessandro lembrou aos participantes que é preciso manter a “perspectiva progressista, de emancipação das pessoas e sua autonomia”.
Além disso, antes de estabelecer o fórum, o objetivo é produzir um documento que faça um resumo das temáticas que já foram tratadas nas rodas passadas para poder manter um registro das atividades e facilitar a divulgação oficial do que ocorreu nos eventos. No final, os participantes chegaram ao consenso de que o fórum dá um caráter mais formal e orgânico aos eventos. Eles pretendem que o fórum seja reconhecido e respeitado pelas instituições públicas, privadas e da sociedade civil, apesar de não ter personalidade jurídica.
Paralelamente, foram expostos os desafios da reconfiguração para formato de fórum. Duas questões importantes foram ressaltadas: as parcerias que deveriam ser constituídas com outros atores direta e indiretamente ligados com o âmbito da educação superior—outras universidades como a UERJ, instituições privadas e pré-vestibulares—entidades que são fontes preciosas de arquivos, e de informações sobre os egressos e os que estão tentando se tornarem egressos; e a possível abertura do fórum a outras frentes com respeito à territorialidade. O professor da Fiocruz, Enrique, destacou a importância de abranger outras realidades e entender questões profundas sobre a razão pela qual a universidade consegue chegar a certas favelas e a outras não. Ele colocou a questão da Cidade de Deus, onde, segundo ele, os projetos educacionais têm tendência a serem abandonados por causa de dificuldade de aplicação. Por outro lado, Jefferson Luciano G. Mesquita, estudante da UERJ, assegura que o foco nas favelas de Manguinhos e Maré deve ser mantido, pois elas compartilham cotidianos comuns e olhares muito parecidos. O ideal, para ele, seria que houvesse articulação com outras favelas, mas sempre desde o eixo Manguinhos-Maré.
Apresentação da Proposta de Levantamento do GT de Pesquisa
O GT de Pesquisa apresentou a proposta da realização do levantamento da produção acadêmica existente sobre os territórios Maré e Manguinhos e da pesquisa sobre a trajetória dos universitários desses locais. Natália Helou Fazzioni, bolsista da Cooperação Social da Fiocruz que participa ativamente do GT, explica que a primeira proposta é fazer “uma bibliografia comentada do que já foi produzido em termos de pesquisa, na Maré e Manguinhos, pelos universitários ou os já formados das favelas”. Para esta proposta, os membros estão analisando diferentes metodologias, e eles têm a intenção de se inspirarem nas estratégias utilizadas pelo Instituto Raízes em Movimento, que conseguiu produzir um levantamento bibliográfico sobre o Complexo do Alemão. A segunda proposta, com respeito ao projeto de pesquisa sobre as trajetórias dos estudantes egressos de favelas, ela assegurou que eles têm uma visão de “nós por nós mesmos” pois a ideia é que a pesquisa seja feita com os mesmos egressos que participaram nas diferentes rodas. No entanto, essa proposta deverá ser desenvolvida pelo GT de Comunicação e teria um formato audiovisual.
Análise e Diagnóstico da Conjuntura
Ao final, abriu-se um espaço para falar em torno da conturbada conjuntura política sob a qual o Brasil se encontra. Foram citadas algumas ações que segundo os participantes, fazem parte do programa do desmonte das políticas sociais como a Emenda 95 de 2016, que congelou os gastos da União com despesas primárias por vinte anos, a Reforma da Previdência, e os cortes nas verbas das universidades federais pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), gerando o bloqueio de uma parte do orçamento das 63 universidades e dos 38 institutos federais de ensino.
As falas continuaram com intuito de gerar organização para obter respostas para os novos desafios a partir da perspectiva das favelas, das demandas da sociedade civil e, especialmente, dos universitárixs faveladxs.