Seminário ‘Percursos Criativos para Culturas de Equidade’ Traz Soluções para a Violência Periférica

Click Here for English

No dia 8 de maio, o seminário “Violências de Estado: Resistência e Potência das Periferias” foi realizado na PUC-Rio como parte de uma série de três dias chamada “Percursos Criativos para Culturas de Equidade”. O evento foi organizado pelo Global Gender and Cultures of Equity (Global GRACE) em parceria com as organizações Promundo Brasil, Instituto Maria e João Aleixo (IMJA),  Observatório de Favelas e Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio; bem como a organização mexicana Voces Mesoamericanas e a Universidade Autônoma de Chiapas. Mediada pela coordenadora de comunicação do Promundo, Mohara Valle, a sessão incluiu apresentações de pesquisadores, professores, líderes de ONGs e artistas locais de toda a América Latina, que buscam maneiras de reduzir a violência entre os jovens por meio de alternativas artísticas e criativas.

A sessão começou com uma apresentação em vídeo de José Manuel Valenzuela, pesquisador e professor do Departamento de Estudos Culturais do El Colegio de la Frontera Norte (COLEF), no México. José Manuel enfocou a violência contra jovens e mulheres em países da América Latina, do México à Colômbia e no Brasil. Segundo José Manuel, estamos testemunhando “o crescimento da necropolítica em nossos países—uma política de morte em que certos grupos têm a capacidade de decidir quem merece viver e quem deve morrer”. Ele elaborou os paralelos entre as políticas atuais promulgadas no Brasil, onde um jovem negro é morto a cada 23 minutos e no México: “Estes são [essencialmente] os mesmos jovens que estão sendo sistematicamente assassinados no México como parte de uma guerra irresponsável contra supostas organizações criminosas”, afirmou José Manuel. “O que estamos observando é a criminalização da pobreza“.

O discurso de José Manuel foi seguido por uma apresentação de Luciano Ramos, coordenador de projetos do Promundo—uma organização global inicialmente nascida no Rio de Janeiro, que visa melhorar a igualdade de gênero em todo o mundo como forma de reduzir a violência. A apresentação enfocou a influência da masculinidade na juventude em comunidades de baixa renda e como essa masculinidade contribui para a violência no Brasil. Luciano explicou a missão de sua organização, que trabalha com homens e mulheres jovens para transformar o conceito de masculinidade e assim reduzir a violência na periferia: “A gente tem buscado fazer dentro do Promundo um trabalho com meninos, crianças, adolescentes, jovens e também com homens adultos dentro das comunidades, na perspectiva da mudança, da desconstrução de normas de gênero e do conhecimento de novas masculinidades”. Luciano afirmou que normas de gênero profundamente arraigadas e fortes identidades masculinas estão entre as principais causas de violência e controle procuradas por homens jovens em periferias urbanas, contribuindo também para a violência contra as mulheres em comunidades de baixa renda.

Também participou do painel Raquel Willadino, coordenadora de direitos humanos do Observatório de Favelas—uma organização de pesquisa, consultoria e ação pública sediada nas favelas do Complexo da Maré, que visa contribuir para a formulação de políticas públicas eficazes para as favelas do Rio de Janeiro. Raquel afirmou que o objetivo de sua organização é reduzir as desigualdades sociais, fortalecer a democracia e proteger os direitos nessas comunidades.

Um destaque do seminário foi a perspicaz apresentação perspectiva em primeira mão de Shyrlei Rosendo, que é membro do “Basta de Violência! Outra Maré é Possível!”—um fórum que conecta diversas associações, organizações e moradores da Maré para promover ações coletivas, reduzir a violência e encontrar novas formas de garantir a segurança pública. Como moradora da Maré, Shyrlei passou minuciosamente pela história do bairro de quase 80 anos, enfatizando o fato de que nove das dezesseis favelas da Maré foram criadas como resultado de intervenção estatal, em grande parte como complexos habitacionais destinados a acomodar moradores deslocados pela remoção de palafitas na área. Ela explicou que a construção da favela da Maré está intrinsecamente ligada à construção financiada pelo governo da Avenida Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e a Cidade Universitária da UFRJ, uma vez que esses desenvolvimentos estimularam os assentamentos nas regiões ao redor. Shyrlei apresentou uma história da favela que muitos moradores do Rio de Janeiro desconhecem e enfatizou a importância dessa história para a criação de soluções atuais. Esse entendimento comum é essencial para o desenvolvimento da favela e para a garantia dos direitos legais dos moradores.

A segunda parte da apresentação de Shyrlei enfocou na questão da segurança pública dentro da comunidade da Maré. Ela levantou questões sobre a presença de operações policiais e policiais na favela e como moradores de favelas são vistos pela sociedade mais ampla do Rio. “Ontem, eu fiquei me perguntando se seria possível uma operação policial como aquela no Leblon, se usariam helicópteros no meio da praça que tem aqui”, afirmou, questionando a garantia seletiva de segurança pública para um determinado segmento da sociedade em detrimento de outro.

As operações policiais nas favelas, ao longo da história, impediram a vida de cidadãos comuns e causaram a morte desnecessária de pessoas inocentes. Shyrlei apresentou estatísticas chocantes sobre os efeitos das operações policiais nas favelas da Maré. Em 2017, a Maré testemunhou 41 operações policiais e 42 mortes resultantes de intervenção do governo. No entanto, os efeitos negativos dessas intervenções vão muito além das mortes. As operações causaram dias e até meses de fechamentos de escolas e centros de saúde, afetando o dia a dia dos moradores da Maré—especialmente os jovens.

Shyrlei concluiu sua apresentação concentrando-se na longa história de organização e resistência da Maré e em como a comunidade hoje pode se organizar para garantir melhor a segurança de seus moradores. “Acho que vale a pena dizer que a favela não é só um lugar de dor, é um lugar de vida”, afirmou. Ela passou a descrever a necessidade de espaços comuns e movimentos na Maré para garantir a segurança pública, enfatizando a importância da resistência coletiva e da organização. A dedicação de Shyrlei à organização comunitária dentro da favela, juntamente com apresentações feitas por outros professores, organizadores de ONGs e pesquisadores, mostraram o potencial da ação coletiva na produção de soluções para questões de violência na periferia.