E-Voices: O Uso de Redes Digitais para Promover Conectividade em Favelas do Sul Global

Imagem: Página do Facebook do Dissemina

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No dia 18 de junho, o seminário entitulado “Experiências Ativistas do Brasil e do Sul Global” foi realizado na UFF em Niterói. O evento, com duração de um dia inteiro, enfocou em formas pelas quais os países do Sul Global podem conectar-se através de plataformas digitais para promover o ativismo por direitos humanos numa escala global. Os palestrantes apresentaram ideias sobre o uso das tecnologias e mídias sociais para promover direitos políticos em favelas.

O seminário começou com uma série de atividades sobre o tema “Redes e Pontes entre Brasil e África“, seguido por um painel de discussão sobre “Artivismo e Ações Criativas para Combater a Marginalização” com os comunicadores comunitários Thainã de Medeiros do Coletivo Papo Reto, Anderson Caboi da Maré 0800, Andressa Núbia do coletivo GatoMÍDIA e Tatiana Lima do Núcleo Piratininga de Comunicação.

Apresentando o último painel do dia, sobre o tópico “Tecnologias, Raça, Gênero e Direitos Humanos no Sul Global”, a professora da UFF Andrea Medrado falou sobre o Guia e-Voices para Praticantes sobre “Ativismo, Art-ivismo e Mídia Digital para Reduzir a Marginalização” organizado pelo projeto de extensão Dissemina da UFF, em parceria com e-Voices Redressing Marginality (e-Voices Rediscutindo a Marginalização), uma rede que investiga como grupos marginalizados no Brasil, Quênia, e Síria usam as mídias sociais para promover a cidadania ativa e direitos políticos. O guia detalha formas pelas quais uma rede internacional de acadêmicos e ativistas que focaram, primeiramente, no Sul Global podem explorar o tema da marginalização e também como a mídia social pode ser usada como ferramenta por grupos marginalizados para que suas vozes sejam ouvidas.

Como Andrea explicou, o Guia e-Voices para Praticantes baseia-se nas experiências de ativistas, moradores de favelas e profissionais que usam a mídia para combater a marginalização. O guia discute tanto as vantagens quanto os desafios que as mídias sociais trazem aos ativistas de favelas, focando em dois grupos proeminentes baseados em favelas do Rio: o Maré Vive, no Complexo da Maré e o Coletivo Papo Reto, no Complexo do Alemão.

Maré Vive foi criado em 2014 para cobrir a ocupação militar da Maré antes da Copa do Mundo através da perspectiva dos moradores, usando a mídia social—principalmente a página do grupo no Facebook—como uma plataforma para compartilhar informações e atualizações ao vivo sobre as operações policiais na comunidade, para manter os moradores seguros. Nos anos que se seguiram, Maré Vive tornou-se uma plataforma onde os moradores também podem postar oportunidades de emprego, realizações, eventos, e cursos disponíveis aos moradores da Maré. Da mesma forma, o Coletivo Papo Reto foi criado no Complexo do Alemão como uma rede para moradores durante tempos de crise, servindo para informar uns aos outros sobre a situação das famílias afetadas pelas fortes chuvas, particularmente devastadoras, de 2013, e para mobilizar a comunidade para reunir-se e distribuir alimentos, roupas e outros produtos básicos para os afetados. Ao longo dos anos, o grupo tornou-se uma ampla rede de jornalistas cidadãos e ativistas trabalhando para disputar narrativas com a grande mídia, documentar abusos policiais, e compartilhar notícias da comunidade através do uso estratégico das mídias sociais.

Estas plataformas de mídia online têm dado aos ativistas, ONGs, e moradores a oportunidade não apenas de melhorar a conectividade dentro das favelas numa escala sem precedentes, como também de conectar diferentes favelas por toda a cidade. Fora do Rio, as plataformas têm atraído atenção internacional e formado redes bem-sucedidas com organizações especializadas em tecnologia de mídia e segurança de dados em todo o mundo, como a organização de direitos humanos baseada em Nova Iorque, Witness, que é parceira do Coletivo Papo Reto. Estas redes solidárias permitem que os moradores continuem o seu ativismo num nível local com plataformas criadas e administradas por eles mesmos—guiadas pelo princípio de “nós por nós”—ao passo que também ganham o conhecimento e recursos dos profissionais de mídia e tecnologia que podem ajudar a proteger a segurança pessoal dos ativistas.

Refletindo sobre as experiências do Coletivo Papo Reto e da Maré Vive, o Guia e-Voices enumera uma lista de lições e estratégias que contribuíram para a eficácia destes grupos como plataformas comunitárias com alcance global:

  1. Iniciativas que vêm debaixo para cima
  2. Conhecimento local e relevância
  3. Expertise em mídia comunitária
  4. Redes entre favelas
  5. Redes internacionais
  6. Segurança de dados
  7. Proteção online no dia a dia
  8. Orgulho da favela
  9. Entrar na política institucionalizada

Da mesma forma, o guia detalha os muitos desafios enfrentados por estes grupos ativistas, incluindo “sustentabilidade financeira, desconfiança generalizada a cerca das ONGs, desconfiança generalizada acerca da mídia comercial convencional, profissionalismo versus autenticidade, [necessidade de] mais conexão entre as iniciativas, regulamentação e concorrência da mídia, descrédito do judiciário, e vigilância”.

Para abordar este desafio de conectividade entre iniciativas, uma das metas da Rede e-Voices é conectar favelas e outras comunidades informais em todo o Sul Global por meio das mídias sociais. Embora haja muito ativismo com a finalidade de promover conexões digitais e presenciais entre os moradores de favelas no Brasil, levar estas conexões ao nível global traz o seu próprio conjunto de desafios. “Estas trocas entre países do Sul Global na verdade são raras. Nós não trocamos, não conversamos diretamente”, afirmou Andrea. Para promover a conectividade internacional, a Rede e-Voices busca “reunir acadêmicos, pesquisadores, ativistas, profissionais e ONGs para realizar a troca uns com os outros”.

Outra palestrante destacada no seminário foi a Deputada Estadual Renata Souza, que também é membro da Rede e-Voices. Renata falou sobre a importância das mídias sociais para os moradores de favelas, não somente para conectar com ativistas, pesquisadores e promover os seus direitos políticos e sociais, mas também para afirmar o seu direito à visibilidade. Para os moradores das comunidades sistematicamente negligenciadas, as mídias sociais podem servir como uma plataforma indispensável para torná-los visíveis e fazer com que sejam ouvidos.

Renata também ressaltou a importância das mídias sociais e da conectividade como ferramentas para os moradores de favelas criarem as suas próprias histórias e se retratarem de formas que lhes sejam benéficas e que os ajudem na sua luta por direitos. “Quando as pessoas querem criar as suas próprias histórias, elas precisam ser reconhecidas—elas precisam ser vistas”, ela afirmou.