Seis Realidades do Coronavírus e as Favelas: Da Falta de Informação à Falta de Água #OQueDizemAsRedes

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Esta matéria é da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela, sobre eventos e temas que surgem na sociedade. Ela também é a primeira matéria sobre o assunto que estará em destaque no RioOnWatch no futuro próximo: o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas

Moradores de favelas do Rio de Janeiro e de todo o Brasil estão se comunicando de forma espontânea e com grande velocidade, e também se organizando nas redes sob a hashtag #COVID19NasFavelas para disseminar informações importantes sobre o coronavírus e seu impacto nas favelas.

Já com poucas semanas de atenção ao vírus no Brasil, surgiram seis temas claros nos debates sobre a realidade específica do vírus em relação às favelas cariocas e brasileiras:

https://www.facebook.com/ReneSilvaSantos/posts/2919254774805331

 

1. Coronavírus Não é Doença da Elite

Contrariando a percepção inicial de que esse vírus afetava mais a elite, por ter sido disseminado para brasileiros a partir do contato com europeus, a partir do momento que se tem a disseminação local do vírus, os mais vulnerabilizados são aqueles que têm menos acesso a medidas preventivas e a tratamentos:

https://twitter.com/blockeadah/status/1239210821462433792

2. Falta de Informação Factual e Acessível

Essa falta de informação que os tuítes anteriores mencionam foi registrada pelo Coletivo Papo Reto, que atua no Complexo do Alemão. Nesse vídeo o Coletivo traz a fala de três moradoras:

Uma usuária respondeu ao tuíte que as pessoas têm que ver TV para acessar as informações dada por médicos nos telejornais. Além de ser uma fonte de informação única e possivelmente parcial, Raull Santiago responde com honestidade: “Tem que ter TV, para então poder assistir a globo e ouvir os médicos!”.

As informações que estão sendo veiculadas por moradores nas redes para suprir essa lacuna vão desde estratégias para se protegerem até denúncias de descaso do poder público e da ignorância da realidade das favelas daqueles que insistem no álcool gel, nas máscaras e no confinamento como soluções máximas para a crise.

3. A Desigualdade Afeta a Prevenção

Os tuítes de Raull, ativista e comunicador do Complexo do Alemão, levantam um importante debate acerca da desigualdade. Como se higienizar se o governo não garante um suprimento constante de água e se o álcool gel está caro e em falta por ter sido comprado desenfreadamente? Como se isolar se as casas dos moradores de favelas frequentemente abrigam muitas pessoas em espaços pequenos e às vezes com pouca circulação de ar e se a maioria dos trabalhadores não tem a possibilidade de ficar em casa sem ser demitido ou com a garantia da manutenção da renda? Como estocar comida se os salários são baixos e dificilmente se faz poupança?

“Da forma como estão sendo divulgadas essas estratégias e cuidados, nós das favelas, da periferia e juventude negra, estamos mais uma vez sendo excluídas, com pandemia e tudo”, continuou ele no tuíte seguinte. “Então, como se isolar sem renda? Sem garantia de alimentação para sua família?”. Uma outra usuária concordou: “Até evitar a proliferação é um privilégio”.

A água tem sido uma das principais bandeiras levantadas por ativistas de favela:

4. Quarentena como Solução?

Além da dificuldade de realizar a higiene demandada para a não proliferação do vírus, outro grande obstáculo que está sendo enfrentado pelos moradores de favelas e questionado frequentemente nas redes sociais é a quarentena. É um privilégio se ter um trabalho realizável de forma remota, que demanda uma boa conexão com a internet, além do fato de que em muitos empregos, não comparecer fisicamente significa não realizar o trabalho ou receber pagamento (como é o caso dos trabalhadores informais e autônomos, a maioria nas favelas e periferias) e até mesmo demissão, como coloca Raull e Fransérgio Goulart, do Fórum Grita Baixada:

https://www.facebook.com/fransergiogoulart/posts/10157972250629801

Além disso, a suspensão das aulas nas escolas significa que as famílias precisam cuidar dos filhos em casa e muitas vezes deixar de trabalhar, por não poder levá-los consigo, além de significar um peso maior sobre a renda familiar, pois é preciso garantir as refeições que de outra forma seriam realizadas na escola.

Também significa mais pessoas dentro das casas, como já mencionado frequentemente com poucos cômodos e espaço, e significa um ócio que crianças e jovens querem preencher indo para a rua, como demonstram Edu Carvalho, comunicador da Rocinha, e Camila Santos, ativista pelo direito à moradia e vítima de remoções no Alemão:

Diante desse cenário, muitos vêm cobrando ações individuais daqueles que possuem a segurança de manter os seus salários mesmo não indo ao trabalho, principalmente na forma de dispensa remunerada para diaristas e domésticas:

https://www.facebook.com/euempregadadomestica/posts/2836455423067848

Outros argumentam que isso não abarca todos os trabalhadores e não resolve o problema. Dizem que é responsabilidade do Estado subsidiar o salário desses trabalhadores vulnerabilizados (o que já está acontecendo no Peru):

https://twitter.com/ErikakHilton/status/1239571859278045186

5. A Crise Aprofunda a Necropolítica Direcionada às Favelas

Além de todo o descaso e falta de informação, da precariedade dos serviços de saneamento, abastecimento de água e de saúde—ações necropolíticas, onde o Estado decide, todos os dias, de fato quem vive e quem morre na nossa sociedade—os moradores de favela ainda estão sujeitos a índices mais altos de tuberculose e pneumonia que o resto da cidade e às recorrentes operações policiais e de remoções do Estado. Tudo isso só aprofunda ainda mais a crise em torno do coronavírus.

https://twitter.com/natashhafirmino/status/1239971340590833664

Está inclusive circulando nas redes uma nota do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, do Instituto de Arquitetos do Brasil e da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas sobre a urgência da suspensão das remoções, situação que deixa os moradores de favelas mais expostos ao vírus, como já está sendo feito em outros países.

A violência policial, que já é costumeira, ainda pode ganhar novas justificativas, como alerta esse tuíte sobre a fuga em massa durante uma rebelião em reação à suspensão das saídas temporárias por razão do coronavírus, que pode ser utilizada para justificar o extermínio já em vigor da juventude negra:

6. Comunicação Alternativa É Essencial

Para além de denúncias, esses ativistas e comunicadores estão utilizando o espaço das redes sociais para organizar informações confiáveis e divulgar estratégias de mobilização e prevenção. A rapidez da disseminação do vírus demanda articulações dinâmicas, que são favorecidas pelo uso estratégico das redes.

Um exemplo de disseminação de estratégias de prevenção são a linha de tuítes feita pelo coletivo de comunicação independente da Maré, AMaréVê e o trabalho no Morro dos Macacos descrito pela Beatriz Antunes:

https://twitter.com/Bia77Antunes/status/1239726975029252102

No esforço de combate à falta de informação e mesmo à desinformação, o Coletivo Papo Reto fez um ótimo trabalho verificando a veracidade dos boatos que estão circulando sobre o vírus e a ONG Redes da Maré criou um espaço para responder a dúvidas dos moradores sobre o assunto:

https://www.facebook.com/redesdamare/photos/a.463530200383858/3600899083313605/?type=3&theater

Para continuar acompanhando #OQueDizemAsRedes sobre o coronavírus, através de comunicadores populares, segue a nova lista publicada pelo RioOnWatch no Twitter.

https://twitter.com/BuubaAguiar/status/1239665007467606016


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