Coronavírus no Dia a Dia das Favelas, Parte 2: Três Semanas de Quarentena no Jardim Edda, São Paulo [IMAGENS]

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Essa fotorreportagem advinda do Jardim Edda, na Zona Sul de São Paulo, é a segunda matéria de uma série sobre o impacto da pandemia do coronavírus no dia a dia das favelas, em parceria com o Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego

O coronavírus pousou no Brasil e já tem casos em favelas e periferias do país. A pandemia provocada pelo novo coronavírus fez presidentes de vários países tomarem medidas de suporte financeiro, como suspender pagamentos de água e luz, e determinar o confinamento para mitigar a propagação do vírus. Na contramão desses esforços, o presidente do Brasil alega que não há necessidade de alarde e é necessário voltar ao normal para o bem da economia.

Usando o bom senso, muitos governadores e prefeitos não escutaram o presidente e aderiram à quarentena, deixando apenas serviços de uso essencial operantes para evitar aglomerações. Assim está sendo no estado de São Paulo.

No Jardim Edda, um bairro periférico do distrito do Grajaú, Zona Sul de São Paulo, os moradores já viveram três semanas de quarentena.

À Margem das Represas

O Jardim Edda enfrenta a combinação de grandes níveis populacionais e falta de estrutura. O Grajaú tem 92km2 e uma população de 360.000. Em 2016, ficou em sétimo lugar na lista dos vinte distritos de pior Índice de Desenvolvimento Humano de São Paulo.

O Grajaú cresceu sem infraestrutura e políticas públicas, à margem das represas Billings e Guarapiranga, que recebem esgoto não tratado do entorno. Muitos de seus bairros não possuem Unidades Básica de Saúde (UBS), sobrecarregando assim as UBS Jardim Icaraí e Castro Alves. Além disso, há grande evasão escolar no ensino fundamental de crianças entre 7 e 14 anos.

Bairros do Distrito do Grajaú, como o Jardim Edda, foram construídos à margem da Represa Billings e Guarapiranga com esgoto escorrendo direto para elas.

Comércio Fechado

No Jardim Edda, durante a primeira semana da quarentena (à partir do dia 16 de março), a maioria das lojas de produtos não essenciais estavam fechadas e ambulantes eram retirados pela Guarda Civil Metropolitana.

Mesmo com o comércio fechado havia um grande movimento de carros nas ruas. Algumas lojas fechadas deixaram recados orientando o consumidor a adquirir os produtos pelo WhatsApp, uma forma do comércio de bairro não morrer. Outros estavam atendendo seus clientes com as grades fechadas.

Comércio fechado deixa informação sobre o coronavírus e dados do WhatsApp para continuar vendendo mesmo com as portas fechadas.
Comércio fechado deixa informação sobre o coronavírus e dados do WhatsApp para continuar vendendo mesmo com as portas fechadas.

Carro de Som Orienta

Na segunda semana de quarentena (dias 23-29), um carro de som anunciou pelo bairro os riscos da doença, orientando as pessoas a não saírem de casa e evitarem aglomerações, além de fazer recomendações para a higienização das mãos.

Morador se protege usando luvas.
Morador se protege usando luvas.
Porém, alguns continuam com vida na rua.

Fila para Gás

Na revenda de gás havia uma extensa fila de pessoas, já que na tarde anterior o produto havia acabado. O gás estava sendo vendido a R$70.

Como Se Isolar Sem Espaço?

Outra questão enfrentada no bairro é a proximidade das casas gerando falta de espaço, o que dificulta o isolamento recomendado para evitar a contaminação.

Sem quintal, mulher estende roupa na frente de casa no Jardim Edda.

Campanha de Vacinação

Na segunda semana começou a campanha de vacinação contra a gripe H1N1 para pessoas com mais de 60 anos e profissionais da saúde. Seu Emanuel, morador da Favela da Mina, no Jardim Edda, brinca que irá perto do fim da campanha, porque caso os primeiros vacinados morram ele irá morrer por último.

Dona Socorro, que se encontra no grupo de risco por ter uma doença cardíaca, foi orientada por sua filha a não se vacinar. Segundo a filha, a vacinação é uma tática do governo para matar idosos. Além de falta de infraestrutura e espaço, a periferia vive a falta de informações confiáveis: é importante ressaltar que a vacina contra a gripe do H1N1 não protege do coronavírus. Porém, a vacina protege a pessoa de ter a Covid-19 potencializada pela gripe. É notório o problema de falta de informação confiável nas periferias, o que deixa as pessoas à mercê de fake news e estimula-as a continuar com a sua rotina, sem atentar para o perigo.

Moradores nas ruas com máscaras.

População em Situação de Rua

Chegando à Estação Grajaú, que é um terminal de ônibus integrado com a linha 9 da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), vemos logo na entrada uma pessoa em situação de rua sentada em um banco. O homem usa luvas de plástico para se proteger do vírus e diz que mantém a higiene com água do banheiro do terminal.

Pessoa em situação de rua que vive próximo ao Terminal Grajaú mostra as mãos com as luvas e relata que usa água do local para evitar o Covid-19.

Higienização

Na plataforma de desembarque, vemos profissionais da limpeza vestidos com roupas de proteção e máscaras munidas de pano e um líquido subindo nos ônibus para higienizá-los.

Descrença

Diferente da primeira semana, quando não havia nenhum ambulante, dessa vez vemos algumas barracas improvisadas com caixas de papelão nas plataformas. A dona de uma das barracas diz que não acredita na doença, pois segundo ela o “boato começou depois do carnaval”. Mas ela não soube responder qual seria o objetivo por detrás do boato. Ela disse que a única renda que possuía vinha das vendas de sua barraquinha e que está mantendo nela um álcool em gel para higienização por via das dúvidas.

Mesmo sem acreditar na pandemia dona da barraca mantém álcool em gel para limpeza das mãos contra o coronavírus.

Comércios Reabrem

Após a intensificação das falas do presidente que não há necessidade de alarde e é necessário voltar ao normal, na terceira semana de quarentena (à partir do dia 30 de março), o cenário já está bem diferente, com muitos mais comércios abertos, aumento de carros nas ruas e pessoas transitando normalmente. Este registro foi feito na avenida principal do Grajaú, em São Paulo.

Pessoas transitando normalmente, comércios abertos, ônibus cheios e aumento de carros nas ruas.

Sem Renda Básica, Não Haverá Prevenção

Como vimos acima nessa fotorreportagem, é necessário que haja um esforço para garantir uma renda básica nesse período de calamidade pública. Também é necessária uma força-tarefa em prol da disseminação de informações corretas e sérias para que possamos o mais cedo possível retornar às nossas vidas normais, como andar de bicicleta na rua sem medo.

Antonia Sousa, 32 anos, é cearense e moradora de Jardim Edda no Distrito do Grajaú, Zona Sul de São Paulo, há 18 anos. Trabalha como fotógrafa freelancer e é técnica em processos fotográficos pelo Senac. Em 2019, ganhou menção honrosa no VII Salão de Fotografia de Ribeirão Preto pela fotografia intitulada “Trabalhadores”. Seu trabalho está disponível online em seu portfólio e no seu perfil do Instagram.