Sem Água Regular, Moradores de Favelas Lutam Pelo Direito de Lavar as Mãos em Meio à Pandemia

CEDAE se Atropela para Fornecer Serviços e Consertar Bombas Quebradas

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Esta é a quarta matéria sobre o assunto que está em destaque no RioOnWatch: o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas

Em meio à pandemia mundial da Covid-19, moradores de favelas do Rio sofrem com acesso inconsistente à água corrente, de acordo com uma pesquisa recente da Defensoria Pública do Estado. O órgão governamental recebeu 475 respostas em 5 dias, de 18 a 23 de março, com queixas de fornecimento inadequado de água em 140 bairros diferentes em 14 municípios do Rio de Janeiro. A grande maioria desses relatórios veio de favelas na Região Metropolitana do Rio.

Os problemas hídricos vêm de longa data nas favelas, diz Renata Trajano, do Coletivo Papo Reto, um coletivo de direitos humanos e comunicações sediado nas favelas do Complexo do Alemão, na Zona Norte. “A maioria no Alemão está com problemas de água, não é de agora. É um problema crônico, constante”. Das 100 maiores cidades do Brasil, a segunda maior cidade, o Rio de Janeiro, ocupa a 52ª posição no tratamento de água e esgoto, de acordo com um estudo de 2020 do Instituto Trata Brasil, um grupo de interesse público da sociedade civil.

Com a chegada do novo coronavírus, os problemas hídricos do Rio ganharam nova urgência. “A preocupação que nós temos, principalmente, é estarmos de olho para a situação sanitária”, disse ao RioOnWatch o Ouvidor Geral da Defensoria Pública, Guilherme Pimentel. “É importante que todo mundo lave as mãos e que todo mundo tenha acesso a água para seguir as recomendações oficiais das autoridades sanitárias. Se certas pessoas não têm como fazer isso a gente não vai conseguir controlar a pandemia, e isso vai atingir todo mundo”.

Os ativistas de favelas soaram o alarme semanas atrás com a campanha nas mídias sociais #COVID19NasFavelas, alertando o mundo que, sem água, a lavagem frequente das mãos estaria fora de questão. René Silva, fundador do site de notícias Voz das Comunidades e morador do Complexo do Alemão, tuitou em 16 de março que havia recebido vários relatos de falta de água em seu bairro.

Dentre as 475 respostas, a defensoria recebeu 397 denúncias de paralisação parcial ou total de água, com 14 reclamações somente do Alemão. Alguns moradores notaram que passaram entre uma semana e um mês inteiro sem água. O bairro ficou em terceiro lugar na pesquisa, atrás das favelas da Zona Sul, Tabajaras (93 respostas) e Rocinha (27).

Desde que apelaram à Defensoria Pública e organizaram suas comunidades—incluindo, no caso do Alemão, uma reunião pessoal entre associações de moradores e Guilherme Campos, assessor técnico responsável pelo suporte comunitário da CEDAE—todos os três bairros relataram atenções renovadas, incluindo reabastecimentos de água e reparos de bombas. Em um e-mail para o RioOnWatch em 30 de março, a CEDAE observou que havia atendido a 682 reclamações na Região Metropolitana do Rio entre os dias 16 e 27 de março e manteve em circulação 40 caminhões pipa, dedicados especificamente ao tratamento de problemas em favelas.

Enquanto alguns moradores de favelas confirmaram reparos e atenção imediata, outros disseram ao RioOnWatch que o serviço da CEDAE era aleatório e insuficiente. No Santa Marta, favela próxima ao Tabajaras, o mobilizador comunitário Thiago Firmino disse que após os reparos das bombas da CEDAE, os mesmos problemas retornaram. “[Como podemos fazer a prevenção] se um dia tem água [só lá] para baixo, [e outro] dia tem água [só lá] para cima, em um momento de crise?” questionou Thiago, que apontou que muitos moradores também não conseguem economizar água. “Tem gente que não tem caixa d’água em casa… tem gente que não tem dinheiro para comprar galão de água como eles nos pediram”. Dias depois, Thiago acrescentou que o Santa Marta passou 48 horas sem água, com o serviço regular retornando em 31 de março.

Alguns moradores tomaram o assunto em suas próprias mãos, apelando à imprensa após tentativas fracassadas de resolver a situação com o CEDAE. Foi o caso da Pedra Lisa, uma área cronicamente mal atendida do Morro da Providência, onde o comunicador e guia comunitário Cosme Felippsen produziu uma série de entrevistas com moradores postadas no Twitter pelo The Intercept Brasil:

“Os homens da CEDAE vêm aqui olha, olha e nada”, diz a moradora Ana Cláudia no vídeo acima. “Como é que a gente vai toda hora lavar a mão, se não tem água na Pedra Lisa?” Na espera por reparos, moradores dependiam de apoio dos vizinhos, para receberem galões de água, às vezes, transportados morro acima. Os técnicos da CEDAE chegaram em 28 de março e Cosme relata que o fornecimento de água voltou ao normal. “A gente não quer água só agora”, disse Cosme em um vídeo seguinte, acrescentando que a comunidade vem sofrendo problemas de água de longa data. “A gente quer água para depois também, e que todos esses problemas sejam resolvidos.”

Outros nas Zonas Oeste e Norte da cidade ainda não receberam reparos (o feed do Twitter da CEDAE permanece entupido de reclamações) e permanecem incapazes de cumprir as recomendações de assistência médica para a prevenção do Covid-19. “Se todas as famílias não têm acesso a água, nenhuma família está segura”, alertou Guilherme. “Ou é cidadania para todos, ou ninguém vai estar seguro… é um problema para toda a sociedade.”


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