Essa matéria oriunda da Favela do Aço, é a terceira de uma série sobre o impacto da pandemia do coronavírus no dia a dia das favelas, em parceria com o Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego.
A Falta de Políticas Públicas e o Abandono do Estado
Quando se fala em Zona Oeste do Rio de Janeiro é necessário saber que existem duas realidades, separadas somente por um túnel que as liga. A Zona Oeste da Barra e do Recreio, bairros próximos da Zona Sul, vivenciam uma realidade nunca experimentada na Zona Oeste de bairros como o de Santa Cruz, um dos últimos bairros do município, rodeado de favelas que há anos não recebem políticas públicas, como é direito de todo cidadão.
Em meio à crise atual, causada pela chegada do Covid-19, mais do que nunca os 6000 habitantes da Favela do Aço, uma das favelas de Santa Cruz, experimentam o abandono estatal. O esgoto a céu aberto na porta de casa é realidade diária dos moradores, juntamente com a coleta de lixo precária, resultando em amontoados de lixo em diversos pontos da comunidade onde crianças brincam e idosos passam.
Além de tudo a informação parece não chegar na comunidade. Muitos moradores, apesar de acreditarem na gravidade da situação, não estão seguindo as recomendações indicadas de como se prevenir. Por um lado, por não terem como se resguardar da própria realidade; por outro, simplesmente por não saberem como segui-las.
O saneamento básico é previsto na Constituição brasileira como direito de todo cidadão. Contudo, esse direito mostra-se praticamente inexistente na Favela do Aço. Vemos o quanto são negadas à população condições dignas de se viver. Como evitar ficar doente convivendo com focos de doença? Além do saneamento impróprio, a falta de água é constante. Dura dias a fio e impede que as pessoas realizem as suas atividades cotidianas. Como manter a casa e se manter higienizado dessa forma? Levando em consideração que as principais recomendações para evitar a propagação do vírus esbarram em questões que são há anos negligenciadas, mais do que nunca nossa atenção precisa se voltar para as favelas como um todo.
Campanhas de Arrecadação e Suporte por Coletivos e Voluntários
Projetos que funcionam na comunidade estão à frente da mobilização que visa garantir que a comunidade enfrente esse desafio com um mínimo de dignidade. As pessoas estão arriscando sua saúde para ajudar como podem—o sentimento de pertencimento ao lugar e do dever de proteger os seus falam mais alto, especialmente quando sabem que possivelmente nada será feito pelo poder público para proteger essa população em situação de vulnerabilidade.
A mobilização coletiva da Favela do Aço/Vila Paciência (como também é conhecida a comunidade) surgiu há duas semanas por iniciativa de três projetos atuantes no local, Projeto Esperança Para Uma Criança (PEPUC), Coletivo CASA e Levante Aço, com o intuito de amenizar o impacto do coronavírus na favela. A campanha foi posta em prática a partir do entendimento que a fome e o racismo ambiental, dentre tantas outras questões, fazem parte da realidade dos moradores, e se agravarão com a contaminação comunitária, a falta de justiça ambiental e de recursos locais para suprir o básico.
A mobilização tem tentado combater a fome que se agravou nesse período, visto que muitos moradores são trabalhadores informais, como camelôs e outros que obtém seu sustento de “bicos”, que ficaram sem renda. A maioria das casas tem seis ou mais pessoas. A renda extra do Bolsa Família é o que salva centenas de famílias, mas o benefício não supre de forma adequada a subsistência de ninguém.
Para fazer um mapeamento e alcançar as pessoas que mais precisariam de auxílio para se manterem em casa durante a quarentena, a equipe de mobilizadores focou em idosos, mães solas e famílias com um número alto de crianças por casa (em sua maioria, as casas são compostas por mais de quatro crianças). A entrega foi feita diretamente nas casas dos moradores, evitando aglomerações. Houve a entrega de produtos de higiene, priorizando o uso do sabão e enfatizando a importância da higienização frequente. Juntamente com a distribuição, é feito um trabalho de disseminação da informação.
Todo material que está sendo entregue na doação é proveniente de doações, seja em forma de comida, produtos de higiene ou dinheiro. A meta é que hajam suprimentos suficientes para até o mês de maio. Para isso, é importante que as doações continuem para que a favela respire e resista sempre.
Clique para fazer uma doação e apoiar os moradores da Favela do Aço.
Moanan Costa do Couto, 20 anos, é moradora do Cesarão, favela localizada na Zona Oeste. Participa da equipe do Pré-Vestibular Social Santa Cruz Universitário e atualmente cursa Direito na UERJ. Começou a trabalhar como voluntária na Favela do Aço há um ano. Há quatro meses co-fundou o Levante Aço, projeto voltado para adolescentes da comunidade, somando há oito jovens na equipe.
Rayane Marques da Silva Gomes, 19 anos, é moradora da Favela do Aço, Zona Oeste do Rio. Atualmente, cursa História na PUC-Rio e realiza o trabalho de mediadora com crianças autistas em escolas públicas. Há um ano começou auxiliar em projetos sociais na comunidade e há quatro meses co-fundou o Levante Aço, projeto educacional/cultural voltado para adolescentes da comunidade.