Centenas de manifestantes se reuniram em frente ao palácio do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, no dia 31 de maio, para protestar contra a morte de jovens negros e favelados pelas mãos da polícia. Segurando cartazes com a inscrição “Vidas Negras Importam” em português e inglês, os manifestantes exigiram o fim das violentas operações policiais nas favelas.
“Nós, mulheres pretas, nós povo preto da favela, que temos o enraizamento da construção desse país nas nossos mãos, nós sabemos que o sangue que manchou o Estado brasileiro, é o nosso sangue”, disse à multidão, do lado de fora do Palácio Guanabara, a assessora parlamentar e ativista trans Benny Briolly.
“A vida do meu povo importa”, clamou Mônica Cunha, cujo filho foi morto pela polícia em 2006. Mônica, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, disse que a onda de violência policial era inaceitável. “Meu povo tem que continuar a viver. Nós estamos aqui para isso. O objetivo é esse: povo negro vivo.”
Inspirado, em parte, por protestos em resposta à morte de George Floyd, o ato também aconteceu após uma série de assassinatos por policiais nas últimas semanas, incluindo o de João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, morto em 18 de maio. O adolescente negro estava dentro da casa de um parente em São Gonçalo quando foi baleado nas costas pela polícia. Em 30 de maio, um dia antes da marcha, a polícia matou Matheus Oliveira, 23 anos. Segundo testemunhas, Matheus levou um tiro na cabeça nos arredores do Borel, na Zona Norte.
A violência policial no Rio, que atingiu o nível máximo de todos os tempos em 2019, subiu ainda mais durante a quarentena. De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio, a polícia matou 177 civis em abril de 2020, um aumento de 43% em relação a abril de 2019. As operações policiais militarizadas nas favelas, muitas vezes acompanhadas por caveirões e helicópteros, aumentaram em frequência e letalidade no mesmo período, com um aumento de 27,9% no número de operações em abril de 2020 em comparação a abril de 2019, e um aumento de 57,9% no número de civis mortos durante essas operações, de acordo com a Rede de Observatórios da Segurança (ROS).
As vítimas dessa violência são esmagadoramente negras. Dos 885 civis mortos pela polícia do Rio no primeiro semestre de 2019, 80% eram negros ou pardos.
“Viver no Brasil hoje, sendo jovem negro, é como se fosse um milagre”, disse Pablo Fontes, um estudante do Santa Marta, na Zona Sul. “Não é possível que a gente esteja vivendo uma pandemia global, e as pessoas não têm o que comer, as pessoas precisando do básico para higiene, e ele [Witzel] continua mandando a polícia para dentro das favelas, enquanto as organizações estão dentro das favelas atuando para garantir o mínimo para as pessoas”.
De acordo com a plataforma de monitoramento de tiroteios Fogo Cruzado, oito campanhas de distribuição de alimentos foram interrompidas por tiroteios entre 13 de março e 22 de maio. Todas as oito envolveram a presença da polícia.
Manifestantes clamavam “não consigo respirar” (“I can’t breathe”, as três palavras proferidas por George Floyd e Eric Garner antes de suas mortes) e “vidas negras importam” enquanto marchavam pacificamente, já longe do gabinete do governador e caminhando na Rua Paissandu. Enquanto a multidão se reunia na esquina da Rua Marquês de Abrantes, mobilizadores pediram silêncio.
O mobilizador e colunista da PerifaConnection, Wesley Teixeira, sentado nos ombros de um amigo, anunciou o encerramento do ato prometendo que esse seria o primeiro de muitos. “Mais importante é nós estarmos vivos. Nós precisamos defender a vida do nosso povo”, disse Wesley. “O jovem negro aqui falando, não é só um jovem negro aqui falando, é toda uma nação, é todo um povo. São milhares de ativistas: do Alemão, da Cidade de Deus, da Maré, da Baixada Fluminense”. Ele então disse à multidão para se dispersar.
Manifestantes restantes—muitos aguardando carona para suas casas nas periferias da cidade—logo se viram frente a frente com a violência policial que haviam denunciado. O batalhão de choque, diante de um grupo de manifestantes, disparou balas de borracha e bombas de efeito moral contra a multidão. “Eles se colocaram em linha e nós continuamos com o nossa ‘forçada’ ideia de liberdade para protestar”, disse a manifestante, Andressa Oliveira, ao RioOnWatch pelo WhatsApp, mais tarde naquela noite. “Quando eles decidiram que não mais iriam tolerar, começaram a atirar bombas. É preciso frisar mais de uma vez, os manifestantes não portavam armas e não apresentavam qualquer ameaça.”
Mobilizadores agendaram protestos em nível nacional para domingo, 7 de junho, às 15h.