Ativistas e Comunicadores Discutem ‘Operações Policiais em Tempos de Pandemia’ [VÍDEO]

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Esta é a nossa mais recente matéria sobre o novo coronavírus e seus impactos nas favelas.

No dia 28 de maio, um programa da Fiocruz, através de sua nova plataforma Cidades em Movimento: Construindo Territórios Saudáveis, organizou um debate ao vivo no YouTube sobre o tema: “Operações Policiais em Tempos de Pandemia”. Três palestrantes discorreram sobre as tendências atuais. Ao mesmo tempo em que a pandemia do coronavírus se alastra pelas favelas do Rio, um crescimento simultâneo da violência policial deflagrava a estrutura política que assegura que moradores de favelas, em sua maioria negros e de baixa renda, sejam sistematicamente excluídos e eliminados pelo governo.

Fábio Araújo, sociólogo e pesquisador da Coordenação de Cooperação Social da Fiocruz, mediou o debate, que contou com as palestrantes Cecília Oliveira, editora do The Intercept Brasil e criadora da plataforma de monitoramento de tiroteios Fogo Cruzado; Irene Maestro Guimarães, uma advogada e ativista ligada ao grupo de defesa do direito à moradia Luta Popular, em São Paulo; e Raull Santiago, cofundador do Coletivo Papo Reto, uma rede de direitos humanos e intercâmbio de informações das favelas do Complexo do Alemão e Penha, na Zona Norte.

O debate focou em como a violência patrocinada pelo Estado agravou a situação das favelas durante a pandemia da Covid-19, trazendo tanto discussões sobre a violência das operações policiais a nível estadual (69 pessoas foram mortas em operações policiais no Rio entre 15 de março e 19 de maio) e seus efeitos no acesso à assistência médica, quanto a questão da política a nível federal e seus efeitos para a política de segurança. Os participantes também ressaltaram o papel crucial da comunicação nas favelas.

Coronavírus nas Favelas

Comentando sobre os efeitos da pandemia nas favelas, Cecília Oliveira conduziu a conversa, observando que a crise “atinge muito mais as pessoas de sempre, vamos dizer assim, as pessoas que têm uma classe social, as pessoas que têm uma raça definida, que moram em determinados locais, que estão sempre longe do Centro por serem periféricos ou de favelas. Estamos falando sempre sobre as mortes dos mesmos”.

Irene Maestro concordou que em última instância o coronavírus não trouxe nada de novo às favelas, a parte da população que sempre conviveu com a violência e a negação dos direitos básicos. Ela apontou o fracasso do governo em tomar responsabilidade e providenciar assistência médica adequada nas áreas vulneráveis, chamando isso de genocídio. Em resposta à recomendação dos órgãos de saúde pública de que ficar em casa é a melhor maneira de combater a proliferação do vírus, Irene argumentou que essa ideia impõe aos moradores de favelas um dilema fatal. “As pessoas são forçadas a saírem de suas casas para não morrer de fome”, diz ela. “Morrer de fome em casa ou morrer de coronavírus na rua. Na verdade, não é uma escolha. É empurrar as pessoas para a morte.”

No topo destes desafios de saúde, operações policiais violentas nas favelas continuaram. Para Raull Santiago, isso equivale a uma forma excludente de política de segurança. “É uma segurança privilegiada, uma segurança branca, que, muitas vezes, a prática mostra que de pública não tem nada”. A respeito da histórica falta de amparo estatal nas favelas, que torna-se ainda mais aparente durante a pandemia, o ativista acrescentou: “Quando [o Estado] é presente, sua presença é extremamente violenta”.

Um Novo Estado Policial

Irene falou de duas operações policiais recentes e particularmente violentas em São Paulo, ambas das quais faltaram evidências contra os supostos criminosos, e acrescentou que a pandemia mudou certos procedimentos públicos, o que pode agravar as violações de direitos humanos. “Autorizam, aqui em São Paulo, enterrar corpos sem ter certidão de óbito, então isso também é uma flexibilização que os caras criam para justamente perpetuar o genocídio sem ter complicações.”

Para Cecília, um fator chave é que, com a imprensa estando ocupada cobrindo a pandemia, o governo e a polícia ganharam mais margem de manobra. Expressando preocupação com o fato de que as eleições de 2018 resultaram em um aumento drástico no número de militares eleitos para cargos públicos, Cecília notou que muitos desafios que as favelas enfrentam agora são o resultado de uma forte presença militar no governo. “Não está dando tempo para piscar”, lamenta ela.

Covid-19: Um Vírus Democrático?

Quando Fábio Araújo questionou a suposta natureza “democrática” da Covid-19, Raull respondeu apontando para as desigualdades estruturais na sociedade brasileira. Ele explicou como as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), como lavar as mãos, nem sempre podem ser seguidas nas favelas, onde o acesso a água corrente e outros serviços básicos frequentemente é insuficiente. “Estamos no mesmo mar, mas não no mesmo barco”, diz o ativista.

Raull explicou os desafios que o sistema de saúde está enfrentando, incluindo a estigmatização e a falta de suporte do Estado. “Com pandemia ou não, a gente já estava doente”, nota ele. “Saúde mínima já não é uma garantia.” Essa situação é agravada pela violência policial que dificulta o acesso das pessoas à assistência médica.

Cecília abordou algumas das maiores deficiências na resposta do governo para a pandemia, examinando a subnotificação dos casos e a recusa em publicar as estatísticas baseadas em raça. Ainda assim, disse ela, o efeito desproporcional do vírus em negros e moradores de favela pode ser facilmente verificado. Fazendo o link entre raça e níveis de educação formal no Brasil, Cecília citou um estudo recente conduzido pela PUC-Rio, mostrando que brasileiros negros e pardos sem escolaridade têm quase quatro vezes mais chance de morrer de Covid-19 do que brancos com ensino superior completo. Dados públicos, no entanto, obscurecem este fenômeno. “Enquanto puder dificultar, ele vai”, explica Cecília.

A Importância de Redes de Comunicação

Raull, que atua com comunicação e jornalismo através do Coletivo Papo Reto, ressaltou a importância dessas ferramentas. Fazendo referência aos altos níveis de desigualdade que existem no Brasil e as doações que sua organização recebeu de todo o país, Raull concluiu que “a gente precisa incentivar a solidariedade descentralizada”. Ele também enfatizou a necessidade de cuidado na comunicação: “Nossa fala tem que ter empatia, ela tem que ter cuidado, ela tem que ter precisão e ela tem que ser pensada.”

Cecília concordou, sublinhando a importância de uma cobertura precisa e responsável destes tópicos tão importantes, citando a matéria do RioOnWatch “7 Erros Cometidos Pela Imprensa ao Cobrir o Coronavírus nas Favelas” para demonstrar erros comuns no retrato feito pela mídia tradicional das favelas durante a pandemia. O total destes erros citados na matéria, disse Cecília, “reafirma que a comunicação local é extremamente importante”.

Irene acrescentou observando que as declarações do governo sobre o vírus demonstram uma falta de entendimento da realidade das favelas. Pelo que ela tem visto em São Paulo, os moradores sempre acabam providenciando os serviços que deveriam ser responsabilidade do governo.

Em suas considerações finais, Raull fez uma chamada para a ação: “Se você está com condição, você tem comida, você quer tentar ajudar alguém, procure algo perto de você, que com certeza tem um grupo, tem um projeto, têm pessoas fazendo trabalhos incríveis que às vezes não tem uma visibilidade grande naquela região”.

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