Esta é nossa matéria mais recente sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
No dia 9 de setembro, um projeto realizado em conjunto pela Universidade da Cidadania da UFRJ, o WikiFavelas – Dicionário de Favelas Marielle Franco e o Urbano – Laboratório de Estudos da Cidade fechou um ciclo de lives sobre favelas, pandemias e cidadanias. A último live, intitulada “Favelas, Pandemias e Cidadanias: Painéis Covid-19 nas Favelas”, contou com a presença de Camila Barros, da Redes da Maré, Theresa Williamson, da Comunidades Catalisadoras* e Anna Paula Sales, do Coletivo A.M.I.G.A.S., de Itaguaí, e foi mediado por Dulce Pandolfi, da Universidade da Cidadania e por Alexandre Magalhães, do Dicionário de Favelas.
“É uma política intencional de negligência”, pontuou Theresa Williamson, na live, acerca da subnotificação em relação à pandemia e, de forma geral, da história do Rio de Janeiro perante as favelas por parte do Estado. “Os dados públicos não fazem referência às favelas apesar de saberem que são as áreas mais vulneráveis à pandemia, e não estavam testando”.
Theresa relembrou episódios relatados por moradores das favelas: “Há relatos de pessoas que estão com sintomas, vão à clínica e eles dizem para voltarem dali a duas semanas se ainda tiver sintomas, [ou seja] se a pessoa voltar e ainda estiver viva”. Ela também pontuou que há casos que “na certidão de óbito não diz que morreu de Covid, e também já ouvimos relatos de pessoas que o médico fala para a família: ‘Se a gente declarar Covid, não vai ter o enterro que vocês querem’, e então as famílias estão optando por não declarar para ter contato com o morto no final”.
Ela explicou também que os dados públicos não contam casos suspeitos, e que com a falta de testagem, os números oficiais ficam aquém da realidade. “A Organização Mundial da Saúde diz para contar os casos suspeitos como confirmados quando a testagem é limitada, mas os painéis públicos brasileiros não contam isso, nem dão visibilidade às favelas, por isso é importante as iniciativas das comunidades”.
Na falta de um plano de contingência do Estado, as lideranças têm-se unido para atender às necessidades dos moradores de favelas, através de distribuição de cestas básicas, produtos de higiene e da contagem informal dos casos de Covid-19. Esta contagem é posteriormente incluída no Painel Unificador Covid-19 nas Favelas que até então conseguiu monitorar os casos de Covid-19 em 159 favelas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O Painel Unificador está constantemente em busca de novas fontes, sejam relatores locais ou fontes públicas de dados.
Anna Paula Sales disse que esta atuação é uma aula de amor ao próximo. “Na A.M.I.G.A.S., começamos a fazer contagem… A partir das lideranças [caminhando pelas comunidades] e grupos de WhatsApp, conseguimos identificar os casos positivos e os suspeitos”. Anna Paula confessa que as forças políticas tentam desabonar o esforço do coletivo. Ela relatou que “tentam denegrir a nossa imagem, dizem [que] mulheres não sabem contar, mas nós não acreditamos e mapeamos as comunidades”.
Segundo Camila Barros, na Maré a situação é semelhante. “Na Redes da Maré, nós temos uma metodologia de coleta: primeiro com casos de violência, agora com a Covid-19”. Através de várias frentes de atuação, que vão desde segurança alimentar a processamento de dados—publicados em um boletim semanal—a Redes da Maré conseguiu também, com o apoio de várias associações, um centro de testagem na Maré e está, junto à Fiocruz, realizando telemedicina.
“Hoje nós temos a hipótese de encaminhar casos suspeitos para um centro de testagem da Maré e acompanhar os casos positivos. Outra questão é a do isolamento. Nem todos conseguem manter o isolamento, por isso nós oferecemos um acompanhamento social para que essas pessoas consigam fazê-lo”, explicou Camila.
É graças ao trabalho meticuloso destas lideranças que a realidade das favelas vem a público, demonstrando que o vírus está longe do fim. Anna Paula Sales diz: “Eu estou preocupada com a segunda onda porque eu ainda estou na primeira. Não é só uma gripezinha!”
Todas as oradoras da live ressaltaram que os cuidados devem continuar a ser respeitados, embora o poder público não se comunique de forma eficaz à população. Camila elucidou que “as pessoas estão relativizando a questão da doença, já há baile funk… Mas isso tem muito a ver com o discurso do poder público”, e ela concluiu: “O nosso papel principal é pautar o poder público. A Redes da Maré está aqui para fortalecer e cobrar deles. Estamos questionando os dados oficiais que não expressam a realidade que vivemos no território”.
Assista à Live aqui:
*Comunidades Catalisadoras é a organização sem fins lucrativos que publica o RioOnWatch.