Esta matéria faz parte da série de matérias do projeto antirracista do RioOnWatch. Conheça o nosso projeto que traz conteúdos midiáticos semanais ao longo de 2021: Enraizando o Antirracismo nas Favelas. Para contribuir com essa pauta, clique aqui.
A arte é uma das ferramentas mais poderosas para ressignificar símbolos e criar novas narrativas, o que a torna fundamental para população preta. Além de ser uma ferramenta de afirmação da negritude, também é um meio pelo qual muitas outras pessoas conhecem e se conectam com suas raízes, ancestralidade e com as histórias que a História “oficial” não conta, como lembra o novo clássico samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira de 2019, História Para Ninar Gente Grande.
Existe todo um ecossistema em torno de produções artísticas pretas, envolvendo diversos profissionais que também são pretos, e que tiram destes trabalhos seu sustento, ou boa parte dele. Quando não há a parte financeira atrelada diretamente, há um compromisso de que, a partir das apresentações, seja construído um espaço ou promovidas atividades que gerem encontros, que abram diálogos, reflexões e sorrisos negros.
Com a pandemia do novo coronavírus, todas essas iniciativas tiveram que parar de realizar eventos de maneira presencial, entender o momento e como poderiam seguir acontecendo. “O ano de 2020 foi extremamente desafiador, sobretudo para os artistas e profissionais da cultura. Diante de tantas perdas e mudanças inimagináveis na sociedade, permanecer ativo e criativo é uma grande vitória”, afirma Ana Paula Gualberto, coordenadora e uma das idealizadoras do LH2 – Leopoldina Hip Hop, projeto que nasceu na Arena Carioca Dicró, na Penha, a partir da necessidade de incluir programações da Cultura Hip Hop e do Rap em espaços culturais comunitários públicos e, em geral, gratuitos.
Ana relembra que a quarentena obrigou todos a interromperem os eventos presenciais mas que, por outro lado, possibilitou pensar em outros formatos. Foi o que aconteceu com o LH2 – Leopoldina Hip Hop Edição de 3 Anos. Nesta edição, a equipe compareceu fisicamente na Arena Carioca Dicró e de lá o festival foi transmitido ao vivo para o público: o que acontecia como um evento presencial se transformou em conteúdo audiovisual, com apresentações artísticas, discotecagem e entrevistas. Apresentado através do YouTube, interações com o público pelo chat, incluindo a inscrição para sorteio de brindes e serviços fornecidos pelos apoiadores, foram estimuladas no evento. Agora em 2021, Ana afirma que o LH2 manterá o mesmo formato remoto, porém o festival poderá ser realizado a partir de outros espaços culturais de favelas e periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiro: “Estamos estimulados para os novos desafios”.
Lives e Formatos Híbridos: Possibilidades para os Tempos de Agora
O formato virtual com transmissão de vídeo ao vivo pela internet, mais conhecida como live, foi a realidade a qual diversos artistas e produtores culturais tiveram que se adaptar. Segundo a pesquisa TIC Domicílios, três de cada quatro brasileiros acessam a internet, o que equivale a 130 milhões de pessoas. Porém, segundo dados da Folha de São Paulo, 70 milhões têm acesso precário ou inexistente à internet. Isso deixa o desafio de se comunicar, realizar e propagar manifestações artísticas mais desafiadoras muito mais difícil, sobretudo quando o público-alvo são as camadas mais populares (as classes C e D), preponderantemente formadas por pessoas pretas. Logo, entre 70 e 90 milhões de brasileiros têm acesso inexistente ou insuficiente à internet e a essas novas formas de manifestação cultural online.
“Trabalhamos com mobilização e encontro presencial de pessoas pretas. Seja a partir do Grupo de Estudos Tornar Ser Negra e Negro, como os nossos saraus ou manifestações artísticas… Difícil alguma coisa substituir o olho no olho, ver como a outra pessoa está. Pra gente que é preto, ter que ficar nessa distância, principalmente em meio à luta diária contra o racismo, foi bastante difícil…”, relata o poeta e escritor Cizinho Afreeka, um dos integrantes do Coletivo Denegrir. O coletivo realiza ações como o Griotagem – Encontro Poético entre Pretos e Pretas e o Grupo de Estudos Tornar Ser Negra e Negro que, em 2020, se adaptou ao formato online a partir de transmissões ao vivo pelo YouTube e encontros em salas virtuais, respectivamente.
Cizinho reforça os desafios do processo de adaptação, mas destaca o quanto isso foi importante para auxiliar a manutenção da saúde mental das pessoas envolvidas e do público: “Ouvimos muitos relatos de pessoas que ficavam aguardando o dia do encontro para conversar com outras pessoas e recitar suas poesias” Apesar das dificuldades, Cizinho diz que também tem sido enriquecedor. “Tivemos pessoas do Brasil e de outros países como México, Cabo Verde e Angola presentes no nosso sarau e no nosso grupo de estudos. Isso foi algo extraordinário pra gente.”
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O formato híbrido, com público reduzido presencialmente e transmitido pela internet, também tem se mostrado uma possibilidade interessante. O Grão Conecta foi uma série de lives que aconteceu durante os meses de setembro e novembro de 2020 e que reuniu bandas, DJs e MCs no Grão Coworking, em Irajá. O objetivo era de movimentar a cena artística local e consequentemente o espaço onde foi realizado, que funciona como coworking e dispõem de estrutura para eventos. Mônica Vieira, produtora executiva do espaço, destaca que o formato gera uma demanda maior de equipe para realizar. “Foi a primeira vez de todo mundo realizando esse tipo de evento. Esse formato era uma tendência e vai se tornando uma herança da pandemia” afirma Mônica. A casa reduziu em até 75% a capacidade de público presente, que assistia as apresentações através de projeção na área externa.
Murilo Borges, integrante da banda Praça e um dos realizadores do Grão Conecta, destaca os frutos dessa empreitada: “Tiveram pessoas envolvidas que deram consultoria sobre a produção de lives e conseguiram outros trabalhos na mesma área. Houve repercussão como portfólio [dando visibilidade aos envolvidos] e integrou muito mais o coletivo” finaliza.
Sobre a autor: Nyl de Sousa é MC, Comunicador, Produtor Cultural e Arte Educador. Entusiasta da cultura urbana e popular, pesquisa as conexões entre as diásporas africanas a partir da música urbana. É um dos coordenadores do LH2 – Leopoldina Hip Hop e integra a equipe de comunicação do Observatório de Favelas.
Sobre a artista: Yara Santos é ilustradora, estudante de design generalista pela USP, nascida e criada na periferia da capital paulista. Busca representar em suas artes elementos da cultura negra e periférica na qual ela está inserida. A maior parte de sua produção se concentra em técnicas digitais.
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