Assista ao Vídeo que Resume a Série ‘Justiça Energética’, Aqui:
Esta matéria e o vídeo acima oferece um resumo e encerramento da série ‘Justiça Energética’, disponível por inteira na primeira página de seção do RioOnWatch, disponível aqui, uma novidade no site onde reuniremos conteúdos inéditos sobre temas intensamente cobertos por nós.
Você sabe o que é justiça energética? E sobre eficiência energética, já ouviu falar? Os termos que à primeira vista podem soar desconhecidos, dizem respeito ao acesso e consumo de energia, do dia a dia, por toda população do país. Para trazer à luz essa temática, ao longo do primeiro semestre deste ano, o RioOnWatch publicou a Série: Justiça Energética, com pesquisas, relatos, ilustrações e vídeos inéditos que tratam do tema a partir do ponto de vista dos moradores das favelas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Os problemas crônicos e históricos do serviço de energia prestado nas favelas, especialmente a energia elétrica, motivaram relatos a partir de diferentes territórios da cidade. No Morro do Sereno, no Complexo da Penha, Zona Norte, o valor da conta pesa no orçamento das famílias, que acessam um serviço bastante deficitário. Essa realidade, e mais vários dados relevantes, foi revelada em números na pesquisa ‘Luz em Dados: Um Mergulho Profundo no Acesso, Iluminação e Segurança no Morro do Sereno’, produzida por Karina Figueiredo, moradora da comunidade. Ainda na Zona Norte, outra pesquisa revelou a sensação de (in)segurança experimentada pelos moradores do Complexo da Maré com a rede elétrica que atende às casas. O estudo, produzido por Lourenço Cézar, investigou a percepção de quem vive na comunidade sobre o serviço de energia e a eficiência energética na Maré.
Ao todo, foram publicados 18 conteúdos inéditos sobre a justiça e eficiência energética nas favelas, abarcando narrativas sobre 23 comunidades da região metropolitana do Rio de Janeiro. As pesquisas elucidaram em dados, qualitativos e quantitativos, as condições do acesso à energia nesses territórios. Um cenário, frequentemente invisível, do ponto de vista dos dados públicos. O estudo ‘Como Anda a Luz no Jacarezinho?’, produzido pelos integrantes do LabJaca Bruno Sousa e Thiago Nascimento, revelou que a falta de luz é comum na comunidade e afeta, de diversas formas, a vida dos moradores.
Da favela César Maia, em Vargem Pequena, Zona Oeste, partiu a reflexão sobre como o serviço deficitário de energia pode afetar o funcionamento das unidades de saúde e prejudicar a vacinação contra a Covid-19 nas favelas do Rio. Nesse período de pandemia, o alto valor das contas pesa ainda mais sobre o orçamento das famílias mais pobres, como demonstraram as vozes da favela Palmeira, em Niterói, ouvidas na matéria escrita por Mayara Pereira, moradora da comunidade.
Outra fonte de energia que pesa sobre o orçamento das famílias periféricas é o gás de cozinha. Em algumas capitais o botijão chega a custar R$100. Sem ter como pagar, as pessoas têm recorrido a alternativas bastante arriscadas, como uso de lenha e querosene, como descrito na matéria sobre como mobilizadores estão tentando atenuar a situação, por Beatriz Carvalho.
Os relatos sobre desigualdade e insegurança energética partiram, também, da comunidade Nova Divineia, onde o morador e autor Rodrigo Silva observa um abismo entre o serviço prestado na favela e no bairro vizinho, o Grajaú. No Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, além de sofrer com a qualidade e o valor do serviço, as famílias, por vezes, precisam recorrer às ligações clandestinas para conseguir acesso à energia elétrica, já que não são atendidas pela companhia, como descreve o jovem autor Gabriel dos Santos Pereira Lima.
As ligações clandestinas, conhecidas como “gatos”, podem ser entendidas como furto ou justiça distributiva? Provocar esse debate era a intenção do autor da matéria, Douglas Heliodoro, de Rio das Pedras: “O objetivo foi gerar uma reflexão sobre esse processo de criminalização das pessoas que recorrem ao gato como uma forma de acessar a energia elétrica”, explica ele. Ainda que seja considerado um serviço essencial, no Brasil a energia não é um direito social e seu acesso universal não está previsto na Constituição Federal, como reportou Michel Silva da Rocinha.
No Maciço da Pedra Branca, na Zona Oeste, os relatos mostram que as injustiças energéticas são um problema histórico. As famílias que residem na região viveram durante muitos anos apartados das redes de distribuição de energia apesar delas mesmas terem provido a energia que construiu a cidade, como relatado por moradores da região, Iamni Torres Jager e Antonio Alonso, e, em alguns casos, a ausência do serviço perdura até hoje.
O apagão de memória, por vezes, funciona como cúmplice para a manutenção das injustiças energéticas no Brasil. A segunda matéria da série escrita por Beatriz Carvalho relembra a crise energética de 2001, que impactou severamente às famílias periféricas, com apagões frequentes e altas taxas adicionais nas contas de energia.
Eficiência Energética e Soluções
“Eficiência energética nada mais é do que fazer o uso racional da energia. Um produto eficiente energeticamente é aquele que realiza sua função, enquanto consome a menor quantidade de energia possível”, explica Aline Marieta, moradora da Maré, arquiteta e autora da pesquisa “Eficiência Energética: Nunca Vi, Nem Comi e Muito Menos Ouvi Falar!”. A intenção do estudo era entender as diferenças energéticas entre moradias auto-construídas na favela e moradias construídas pelo poder público, e o quanto as pessoas estavam sabendo sobre eficiência energética, aproveitando para explicar como aplicá-la no dia a dia.
A proposição de soluções para um uso mais eficiente da energia também foi tema da matéria escrita por Marcyllene Santos, que conta sobre a realização de oficinas e campanhas educativas no Jardim Catarina, em São Gonçalo. A ação é fruto de parcerias entre organizações comunitárias e a concessionária de energia.
Para além do uso racional da energia convencional—que no Brasil tem como matriz principal as hidrelétricas—a energia solar mostra-se uma solução cada vez mais potente nas favelas do Rio, como mostra Jaqueline Suarez, jornalista e moradora do Fallet. Algumas comunidades da Zona Sul—principalmente Babilônia e Santa Marta—já usufruem os benefícios do consumo de uma energia limpa e sustentável, provando o potencial das favelas em gerar energia e soluções.
Da Zona Norte, vem o telhado verde do Parque Arará, projeto inspirador que consegue amenizar as temperaturas nas residências em até 15 graus e, por consequência, gerar um ambiente muito mais confortável no verão enquanto reduz a energia gasta com ar-condicionado e ventiladores. A vídeoreportagem realizada pelo próprio protagonista, Luis Cassiano Silva, junta anos de imagens, pesquisas e materiais mostrando como Luis e seus colaboradores conseguiram usar a vegetação para reduzir a temperatura no interior de casa:
A busca por mais eficiência energética passa, ainda, pela transformação de resíduos e efluentes em energia. Muitas vezes entendido apenas como um problema, o que chamamos de lixo é oportunidade de geração de renda e energia, como descreve Cleber Araújo, do Complexo do Alemão, em sua matéria “Lixo é Ouro: Recuperação Energética e Geração de Renda Como Soluções Para as Favelas”.
Os resíduos orgânicos e até o esgoto, encarados como grandes dilemas socioambientais nas grandes cidades, poderiam ser revertidos em energia, como mostra novamente Jaqueline Suarez em sua vídeoreportagem. Essa possibilidade já é realidade na comunidade do Vale Encantado, no Alto da Boa Vista. No local funciona um biodigestor, que recebe restos de alimentos e gera biogás para a cozinha do restaurante da cooperativa que recebe visitas na comunidade ecológica, e um biossistema, formado por um biodigestor e uma zona de raízes de plantas, que trata o esgoto de casas da comunidade e produz biogás para moradores:
Juntos, os relatos e as pesquisas constroem uma visão plural e diversa sobre o acesso à energia nas favelas, considerando suas mazelas crônicas, as históricas desigualdades no acesso aos serviços públicos e a potência de seu povo na proposição de soluções.
Esta vídeoreportagem, por Luiza de Andrade, finaliza e resume nossa série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio.