VI Julho Negro Realiza Debate sobre a Luta Contra a Fome e a Valorização da Vida na Pandemia

Click Here for English

Esta é a nossa mais recente matéria sobre o coronavírus e seus impactos sobre as favelas, e parte da nossa cobertura contínua dos eventos do Julho Negro.

No dia 30 de julho, na 6ª edição do Julho Negro—evento com base no Rio de Janeiro que se tornou um marco na organização internacionalista contra o racismo e as violências de Estado ao redor do mundo—foi realizada a live “A Pandemia Não Acabou: Movimento de Familiares na Luta contra a Fome e a Favor da Vida”. O evento tinha como objetivo trocar experiências entre as organizações participantes e contar sobre quais foram suas ações no combate à fome e outros auxílios a moradores neste momento tão delicado da pandemia da Covid-19.

A live contou com a presença da moderadora Patrícia de Oliveira, integrante da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, e quatro palestrantes: Nívia Raposo, que faz parte da Rede de Mães e Familiares da Baixada Vítimas de Violência do Estado, da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial e do Movimento Parem de nos Matar; Luciano Noberto, também conhecido como Cuca, integrante da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência; Fernanda Oliveira, da Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais; e Priscila Flores, do Coletivo Familiares e Amigos de Presos e Presas do Amazonas. Os participantes se apresentaram a cerca de 75 pessoas via YouTube.

Após as apresentações iniciais, Nívia iniciou as falas contando sobre como a pandemia impactou no aumento do desemprego na Baixada Fluminense. “Começou um desespero, porque não era só o vírus. A fome também estava batendo na porta”, disse ela. Ela afirma que foi difícil conseguir doações no início, mas que a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência a ajudou e, assim, pôde começar a distribuir cestas básicas para as mães. Com o tempo, também conseguiram doações de cartões alimentação para as mães. Na avaliação de Nívea, as cestas não carregam apenas alimentos: “Quando você chega com aquela cesta, não é só a comida, é levar dignidade para aquela família. Ajudamos também com agasalhos, absorventes… Vemos a necessidade de cada um. Não atendemos todos, mas atendemos a maioria”.

Em seguida, Fernanda Oliveira, que atua na Frente Estadual pelo Desencarceramento em Minas Gerais, trouxe à conversa o desafio de precisar escolher para quem doar os auxílios. “Quanto mais famílias vamos acessando, mais famílias aparecem e isso faz com que tenhamos que estabelecer critérios, o que é muito cruel e perverso. A gente fica estabelecendo critérios de quem está ‘com mais fome’, quem está passando mais fome dentre todos os que estão nos procurando”, disse.

Além das cestas básicas, a demanda por produtos de higiene pessoal para as pessoas em privação de liberdade também cresceu bastante com a chegada da pandemia, como explica Fernanda: “Historicamente, a gente sempre fez uma arrecadação destinada às mulheres, mas a pandemia nos colocou a necessidade de arrecadar produtos de higiene pessoal também para os homens, porque as famílias, empobrecidas com a pandemia, não tinham mais condições de enviar esses kits”. Durante o período pandêmico a organização tem atendido, ainda, pessoas em situação de rua com doações de quentinhas, itens de higiene e agasalhos.

Para as organizações e movimentos que atuam no apoio à pessoas em privação de liberdade e seus familiares, o preconceito é mais um entrave na arrecadação de doações, como explica Priscila Flores, do Coletivo Familiares e Amigos de Presos e Presas do Amazonas: “Uma coisa muito triste é ver como esses familiares são tratados. É como se a punição ultrapassasse os muros [dos presídios]. Nosso movimento ter sido excluído das ações [de doação de alimentos] mostra isso, e ainda está sendo [excluído]. Quando a gente lança uma campanha, conseguimos muito pouca ajuda”. O número reduzido de doações exige que o coletivo também precise selecionar aqueles que receberão a pouca ajuda que podem ofertar. Para Priscila, a pandemia agravou e, sobretudo, expôs as dificuldades enfrentadas cotidianamente pelas pessoas mais pobres: “A pandemia jogou na cara de todas as pessoas uma realidade que a gente já sabia que existia, mas que as pessoas insistiam em baixar os olhos: o povo passa fome e precisa de ajuda. Infelizmente, a gente só tem a gente para contar”.

Na sequência, foi a vez de Cuca contar como a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência tem atuado durante a pandemia no Rio de Janeiro. O movimento foi um dos primeiros a distribuir cestas básicas, mas enfrentou dificuldades que extrapolam os desafios da mobilização. “Na Cidade Deus, estávamos entregando as cestas e entrou o caveirão dando tiro para todo lado. Então, além de não ajudarem com alimento, produtos, ou remédio, ainda entram com caveirão, botando a vida da gente em risco também”, disse ele. O episódio mencionado por Cuca aconteceu em maio do ano passado. O tiroteio que interrompeu a entrega de cestas básicas e deixou os voluntários no meio do fogo cruzado terminou com a morte de João Victor, um jovem negro de 18 anos. Cuca lembra, ainda, que para a população mais pobre não é fácil permanecer em casa durante a pandemia: “É muito difícil porque dizemos: fique em casa, mas a pessoa abre a geladeira e não tem nada para comer”.

A importância de lembrar as vidas perdidas para a Covid-19 e a indiferença de governantes frente ao crescimento de casos e óbitos também foi tema da conversa. “Todos fazíamos a campanha do fique em casa, enquanto o governo não ligava. O governador fez festa, aglomerou, o prefeito [do Rio] fez roda de samba… Então, várias autoridades aglomeraram e não deram aquele exemplo que deveriam. A economia prevalece mais do que a vida”, avaliou Patrícia, que participa da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência.  

Depois desta primeira troca, os palestrantes responderam perguntas enviadas pelo público, inclusive sobre como ajudar com doações. A indicação foi seguir os movimentos nas redes sociais, que são frequentemente atualizadas e trazem todas informações sobre as campanhas que estão ocorrendo. “Não podemos ficar amarrados no governo, nem no municipal e nem no estadual, muito menos no federal. Tem que ser nós por nós, um movimento ajudando o outro, um estado ajudando o outro e até hoje estamos sobrevivendo”, disse Cuca. A expressão “nós por nós” foi a mais utilizada na noite para representar a falta de apoio externo às organizações e movimentos que têm atuado no apoio às famílias em situação de vulnerabilidade. O encontro virtual foi finalizado com a certeza de que o suporte mútuo é a única solução para o momento, pensamento visibilizado pela fala de Priscila, do Coletivo Familiares e Amigos de Presos e Presas do Amazonas:

“Temos que nos unir, arregaçar as mangas e ajudar essas pessoas. Tratam o negro, o pobre como um ser invisível. Para eles [autoridades], é como se o favelado não existisse. Ainda bem que a gente tem a gente.” — Priscila Flores

Assista à Live “A Pandemia Não Acabou” Aqui


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.