Paolo Roberto Ferreira Mezes, conhecido por todos como Barrão, mudou-se para a Vila Autódromo há dezesseis anos. Depois de aprender a pescar e dedicar-se ao ofício, ele trouxe sua esposa e seus dois filhos pequenos para a pacífica favela à beira da Lagoa de Jacarepaguá na Zona Oeste do Rio de Janeiro, transformando o seu ofício em sua vida. Ele decidiu trocar sua casa em Vila Valqueire por uma propriedade em frente a Lagoa, abandonada pelo seu irmão na Vila Autódromo. Dessa forma, Barrão pôde pescar em seu próprio quintal. Nos anos seguintes após a mudança, Barrão e sua esposa tiveram mais dois filhos, e eles começaram a criar uma clientela leal, que pede peixe fresco por telefone.
Barrão confidencia que há oito anos, sua situação financeira e de sua família deu uma guinada para pior. Ele explica: “Minha companheira saiu para comprar papel sanitário, sabão e pão e nunca mais apareceu. Fiquei sozinho criando os quatro moleques”.
Todos os dias, ele se levanta antes de 05:00h e sai para pescar por algumas horas. Em seguida ele volta ao cais e vai para casa para certificar-se de que sua filha Sara de quatorze anos, está alimentada e pronta para a escola. Seus filhos mais velhos, Matheus, 17, e Lucas, 18, se preparam para trabalhar logo em seguida, enquanto Tiago, que tem 15 anos, o ajuda em casa. Juntos, eles preparam e congelam o peixe, limpam os pratos e roupas, e cozinham o jantar. Criar quatro filhos sozinho tem sido difícil para Barrão. Ele tenta me fazer entender, “Eu pesco para poder sobreviver”.
Devido à localização de sua casa à beira da Lagoa de Jacarepaguá, Barrão é capaz de armazenar seus barcos na água e facilmente sair para pescar de sua propriedade. Se a sua casa for removida, como a Prefeitura planeja para as casas da Vila Autódromo, ele perderia tudo. Vivendo no Parque Carioca, o conjunto habitacional que a prefeitura está pretendendo realocar os moradores da Vila Autódromo, Barrão não terá acesso à água para a pesca, e ele não será capaz de armazenar seus barcos e materiais de trabalho em sua casa, como ele faz agora. A prefeitura passou na casa de Barrão, exaltando os benefícios da habitação pública atualmente em construção e tentaram entregar folhetos com fotos dos apartamentos. Mas Barrão se recusa a deixá-los entrar em sua casa. Ele explica enfaticamente: “A Prefeitura passou por aqui e não falei com eles não. Passaram mas eu não falei com eles”.
Quando perguntado o que ele pensa sobre as remoções propostas pela Prefeitura, Barrão levanta a voz: “É um absurdo! Eu quero apartamento nada, nem se for lá em Copacabana eu não quero! Quero ficar aqui. Aqui é gostoso de ficar. Para me por num lugar que não está perto de nenhuma água…” A dor e o desespero visível em sua mandíbula contraída terminam a frase por ele.
Quando pressionado para pensar, hipoteticamente, a vida após a remoção ele muda de assunto, prefere falar sobre os tipos de peixe que pesca, ao invés da vida que ele se recusa a imaginar. Uma resposta semelhante pode ser encontrada entre muitos moradores que enfrentam a remoção. É como se, simplesmente, pensar sobre o assunto fosse fazer acontecer, e por não imaginar a possibilidade de remoção, Barrão e outros moradores da Vila Autódromo estão participando da resistência do jeito deles. Ele suspira: “Eu quero ficar aqui. É gostoso demais para sair”.
Esta é a segunda história da série Vidas que não podem ser substituídas em habitação pública.