CIEP Gustavo Capanema, na Maré, Agoniza e Deixa Alunos sem Aulas no Ano do Centenário de Darcy Ribeiro e Brizola

Já São 900 Dias de Obras Intermináveis no Brizolão

CIEP 'Brizolão' Ministro Gustavo Capanema, na Vila dos Pinheiros, encontra-se fechado, em obras, há cerca de 900 dias. Os alunos da escola estão sendo atendidos de maneira reduzida e improvisada em outra escola do território a Escola Municipal Marielle Franco.

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Na Maré, foram pelo menos 389 mortes causadas pelo coronavírus durante a pandemia, que ainda não acabou. Como pode ser visto no Painel Unificador Covid-19 nas Favelas*, o Complexo da Maré foi a favela que mais conseguiu registrar os danos da pandemia. Se suas curvas de mortes recuaram, isso se deve muito mais a uma ação coletiva, que teve como principal ator as organizações comunitárias, hiperorganizadas que conseguiram acionar a Fiocruz. Em uma ação inédita, graças também à essa mobilização local, a instituição procurou vacinar toda a população da Maré. No entanto, para além das mortes, outros problemas decorrentes desse período ainda assolam nossa comunidade, como o fechamento das escolas.

Um modelo expoente da educação brasileira, os “Brizolões”, definitivamente, representam um marco na história do estado do Rio de Janeiro, independente da opinião que tenhamos em relação a eles. Foi durante a gestão do Governador Leonel Brizola, entre 1983 e 1987, com o apoio do educador Darcy Ribeiro, que os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) foram criados. Esse projeto foi tão impactante que o ex-presidente Fernando Collor de Mello tentou reproduzir a ideia, mas com outra roupagem, criando os Centros Integrados de Atenção à Criança e ao Adolescente (CIAC), em 1991, como parte do “Projeto Minha Gente”. A Maré recebeu uma dessas escolas CIAC, mas, por erro de engenharia, a estrutura afundou, um prenúncio do que aconteceria também com o governo Collor.

A Maré recebeu sete CIEPs, alguns mais bem acabados do que outros, porém todos presentes e atuantes até hoje no bairro. Durante muitos anos, houve escolas de contêiner, que deveriam ser provisórias, mas que duraram por cerca de 50 anos, trabalhando quase que em quatro turnos diariamente, sem acessibilidade ou espaços adequados para atividades laboratoriais, esporte, leitura e cultura.

A chegada dos Brizolões representou a esperança de muitas famílias que sonhavam ver seus filhos em uma escola integral na qual pudessem estudar, se alimentar e até tomar banho antes de voltar para casa. É isso que ocorria durante um bom tempo no CIEP Ministro Gustavo Capanema, na Vila dos Pinheiros, na Maré. Enquanto este Brizolão para os educadores representava uma mudança no alcance da educação do estado, para o morador, representava, de imediato, um lugar onde seus filhos poderiam comer e receber cuidados enquanto os pais trabalhassem. 

No entanto, o fechamento para obras do CIEP Ministro Gustavo Capanema, na prática, tem representado um prolongamento da agonia causada pela pandemia. Atinge as crianças e suas famílias em cheio, além de deixar o bairro sem seu tradicional espaço para educação de jovens e adultos.

Segundo o membro do Conselho Escola Comunidade (CEC), Marcos Paulo José da Silva, de 34 anos, a escola está fechada há cerca de 900 dias, enquanto órgãos da Secretaria de Educação tinham afirmado que a obra seria concluída em 365 dias, um ano. O CEC é formado por representantes dos professores, alunos, responsáveis, funcionários e da Associação de Moradores, presidido pelo diretor da escola, e foi criado para promover a integração Escola-Família-Comunidade. O fechamento da escola prejudica por volta de 800 alunos do CIEP Gustavo Capanema, suas famílias e profissionais.

Cozinha do refeitório do CIEP Gustavo Capanema com aspecto de abandonada, devido às obras paradas na escola.
Cozinha do refeitório do CIEP Gustavo Capanema com aspecto de abandonada, devido às obras paradas na escola.

Contudo, todo esse transtorno não se restringe à essa escola, mas também tem atrapalhado uma outra instituição de ensino do bairro, a Escola Municipal Vereadora Marielle Franco. Toda a estrutura e o público da escola em obra teve que ser acolhido na E. M. Marielle Franco, que teve que ceder espaço e, por consequência, restringir suas atividades, impactando na aprendizagem de seus alunos.

Marcos afirma ainda que, antes da obra, as crianças ficavam na escola no horário de 8h às 15h e que agora estudam apenas entre 8h e 11h, uma redução de 60% de permanência em sala de aula tempo esse que seria necessário para tentar recuperar o que foi perdido durante os quase dois anos de escolas fechadas pelo coronavírus. Para piorar o quadro, a obra que, no início, contava com cerca de 40 profissionais atuando nas instalações, no último mês de abril, durante visita realizada pelo CEC, tinha apenas três.

O abandono da obra no CIEP chamou atenção do Conselho Escola-Comunidade.
O abandono da obra no CIEP chamou atenção do Conselho Escola-Comunidade.

Luciano Gomes Brasil, pai de uma aluna do CIEP Gustavo Capanema, deu um relato emocionante sobre sua filha e o que representa o fechamento da escola. Ele afirmou ter o receio de não ver sua criança realizar o sonho dela de ser veterinária, devido a esses problemas na educação ofertada pelo governo à Maré. Para ele, “Essa luta que minha filha e outros alunos estão passando é um ato de extrema covardia”. E faz um apelo às autoridades competentes, pois como a escola fica perto de sua casa, sua filha já poderia ir sozinha e lutar pelo que ela acredita que é ajudar as pessoas e os animais. Luciano vê como um verdadeiro milagre o que os professores estão tentando fazer oferecendo o conteúdo que seria dado em sete horas de atividades, em três horas. E elogia os educadores.

Aula pública no CIEP Ministro Gustavo Capanema, na Vila Pinheiros Foto: Hélio Euclides

Pais e alunos estão mobilizados pelo retorno das obras para enfim voltarem a contar com o mínimo de normalidade educacional no Complexo da Maré. Porém, o que mais nos choca, é perceber que, 30 anos depois do surgimento dos CIEPs, mesmo com o aumento do número de escolas na Maré que, passou de 21 escolas em 2011 para 46 unidades municipais de educação em 2021, fazendo da Maré um verdadeiro campus educacional, as crianças e adolescentes ainda têm que lutar pelo direito de estudar. O poder público deveria ajudar os alunos mareenses, como a filha de Luciano, nessa trajetória rumo à universidade ao invés de atrapalhar eles.

Além de uma escola da Maré, a reforma imediata do “Brizolão” Ministro Gustavo Capanema, deveria ser encarada como a defesa de um patrimônio comunitário e da educação nacional. Ainda mais porque 2022 marca o centenário de Darcy Ribeiro e de Leonel Brizola, criadores dos CIEPs. Acredito que Darcy, Brizola e as crianças da Maré mereçam mais atenção e um melhor tratamento do atual prefeito Eduardo Paes.

Sobre o autor: Lourenço Cezar da Silva, morador da Maré, é formado em Geografia e Meio Ambiente pela PUC-Rio e Mestre em Educação pela UFRJ.

*RioOnWatch e o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas são iniciativas da organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras


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