Moradia Acessível nos EUA, Graças à Comunidade, Proprietária da Terra

Meidan "Abby" Lin posa na cozinha de seu apartamento em 9 de fevereiro de 2022, na Chinatown de Boston. Meidan e seu marido compraram a unidade com ajuda do Termo Territorial Coletivo de Chinatown, cujo objetivo é estabilizar a comunidade através de moradia acessível, propriedade da terra, controle de terra públicas como parques e a preservação de locais culturais e históricos. Foto: Melanie Stetson Freeman/The Christian Science Monitor
Meidan “Abby” Lin posa na cozinha de seu apartamento em 9 de fevereiro de 2022, na Chinatown de Boston. Meidan e seu marido compraram a unidade com ajuda do Termo Territorial Coletivo de Chinatown, cujo objetivo é estabilizar a comunidade através de moradia acessível, propriedade da terra, controle de terra públicas como parques e a preservação de locais culturais e históricos. Foto: Melanie Stetson Freeman/The Christian Science Monitor

Click Here for English

Leia a matéria original por Alexander Thompson e Jocelyn Yang, em inglês, na revista The Christian Science Monitor aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.

Porque escrevemos isso? A crise da habitação a preços acessíveis nos Estados Unidos tem raízes profundas. Mas uma abordagem que está ganhando força é separar a propriedade das construções dos preços da terra.

A vida nos Estados Unidos não foi fácil. “Era muito cheio de gente”, diz Meidan “Abby” Lin. 

Em março de 2016, Meidan, seu marido, Yin Zheng, seu filho mais novo, Yuchen, e a mãe de Zheng deixaram Fuzhou, China, uma movimentada cidade costeira na foz do Rio Min, por outro porto a meio mundo de distância, no Rio Charles, em Boston.

Eles dividiram seu primeiro apartamento na Chinatown de Boston com outra família. Durante as noites naquele espaço apertado, Meidan começou a sonhar com um lugar que ela poderia chamar de seu. Mas os crescentes preços imobiliários de Boston pareciam deixar esse sonho fora de seu alcance. Yin trabalha em um restaurante. Meidan trabalha em casa.

Então, um amigo contou a Meidan sobre o Community Land Trust (CLT), conhecido no Brasil como Termo Territorial Coletivo (TTC), de Chinatown. A organização estava apenas começando, mas talvez pudesse ajudá-la.

O grupo estava vendendo apartamentos com desconto e Meidan entrou na lista de espera. Mas só havia um apartamento grande o bastante para sua família. “Eu não achei que fôssemos consegui-lo”, ela diz. Tudo o que ela podia fazer era ter esperança.

Termos Territoriais Coletivos [nos EUA], muitos deles fundados recentemente, estão buscando uma solução inovadora para a crise de moradias populares no país: eles estão comprando suas próprias propriedades para preservá-las como moradias economicamente acessíveis de forma perpétua e empoderar os moradores sobre o que acontece em seus bairros, que estão passando por rápidas mudanças.

Essa missão ganhou nova urgência no ano passado, à medida que os proprietários colhem os frutos de um mercado imobiliário aquecido, enquanto os inquilinos são atingidos por grandes aumentos de aluguel, aprofundando a divisão entre os que têm e os que não têm casa própria. As estimativas mostram que os preços das casas nas áreas metropolitanas dos EUA aumentaram 18,8% em 2021, um recorde. Os aluguéis subiram 19,3% no mesmo período.

“À medida em que os bairros mudam e se gentrificam muito rapidamente, a ideia de contar com controle comunitário, de ter mais voz sobre como os bairros estão mudando e sobre quem poderá morar no bairro a longo prazo, a partir de uma perspectiva de acessibilidade, acho que se torna muito importante”, diz Beth Sorce, que trabalha com TTCs ao redor dos Estados Unidos, na Grounded Solutions Network, um grupo de incidência política sobre moradias populares.

Pessoas passam por uma casa de tijolos (na esquina) de propriedade do Termo Territorial Coletivo de Chinatown em 9 de fevereiro de 2022, em Boston. O prédio tem três apartamentos acessíveis, um dos quais é de propriedade da família da Sra. Lin. Foto: Melanie Stetson Freeman
Pessoas passam por uma casa de tijolos (na esquina) de propriedade do Termo Territorial Coletivo de Chinatown em 9 de fevereiro de 2022, em Boston. O prédio tem três apartamentos economicamente acessíveis, um dos quais é de propriedade da família da Sra. Lin. Foto: Melanie Stetson Freeman

‘Espaço para Respirar’

Termos Territoriais Coletivos existem há décadas, mas a tendência realmente começou a se acelerar após a recessão de 2008. Em 2019, o Centro Schumacher por uma Nova Economia contabilizou 215 TTCs nos EUA e estima que existam mais de 250 hoje.

Basicamente, Termos Territoriais Coletivos [no modelo norteamericano] angariam dinheiro com doações, concessões e fundos governamentais para comprar as propriedades. Em seguida, eles arrendam a casa ou o apartamento para um comprador, bem abaixo do valor de mercado, enquanto a organização mantém a propriedade da terra.

Dessa forma, os moradores tipicamente obtêm uma participação acionária sobre suas casas. Assim, eles constroem patrimônio ao longo do tempo, mas a uma taxa que geralmente é limitada a 1% ou 2% ao ano. O Termo Territorial Coletivo, que é governado democraticamente por moradores e vizinhos, pode decidir a quem a casa pode ser vendida e a que preço, geralmente por meio de um convênio no contrato de cessão da casa. Isso garante que a propriedade permaneça acessível.

[Uma semente da] ideia do Termo Territorial Coletivo foi importada pelo ativista dos direitos civis Charles Sherrod, nos anos [1960], dos kibbutzim de Israel. Sherrod viu nos TTCs uma forma de afro-americanos comprarem terras agrícolas no Sul do país.

“Nem sempre falamos sobre Termos Territoriais Coletivos como ferramentas de justiça, mas eles são”, diz Andre Perry, especialista em política habitacional da Brookings Institution.

A pesquisa do Dr. Perry mostra que um “valor intrínseco de branquitude” persiste em quase todas as etapas da compra de uma casa, desde a avaliação até a venda. As minorias, especialmente as pessoas negras, pagam mais e recebem menos.

Ao tirarem as propriedades do mercado tradicional, Termos Territoriais Coletivos reduzem a discriminação incorporada a esse sistema e empoderam comunidades para combatê-la ativamente, diz Dr. Perry.

Quando Susan Saegert, professora de psicologia ambiental da Universidade da Cidade de Nova York, comparou compradores e locatários com compradores de imóveis em TTCs em várias cidades dos EUA, ela descobriu que os compradores de imóveis dos Termos Territoriais Coletivos eram mais propensos a serem de minorias, especialmente mães solo. Além disso, ela descobriu que eles recebiam todos os benefícios sociais da casa própriacoisas como estabilidade e sensação de larsem tantos custos.

A rua que leva ao portão de Chinatown está movimentada em 9 de fevereiro de 2022, em Boston. O portão foi um presente de Taiwan para a cidade, em 1982. Os imóveis na área são muito caros, mas, em 2019, o Termo Territorial Coletivo de Chinatown garantiu duas casas geminadas, com sete unidades no total, que começou a reformar. Foto: Melanie Stetson Freeman/Equipe
A rua que leva ao portão de Chinatown está movimentada em 9 de fevereiro de 2022, em Boston. O portão foi um presente de Taiwan para a cidade, em 1982. Os imóveis na área são muito caros, mas, em 2019, o Termo Territorial Coletivo de Chinatown garantiu duas casas geminadas, com sete unidades no total, que começou a reformar. Foto: Melanie Stetson Freeman/The Christian Science Monitor

Uma das descobertas mais impressionantes foi nos dados da pesquisa de Minneapolis, segundo o professor Saegert. Livres do estresse de se preocuparem constantemente com o próximo aumento de aluguel ou despejo, os proprietários de imóveis de Termos Territoriais Coletivos relataram que tinham mais tempo para perseguirem suas paixões.

“Eles têm espaço para respirar, diz o professor Saegert. “Agora podem imaginar uma vida melhor do que antes.

Inovação Necessária

Na Califórnia, a justiça é o que motiva Jacqueline Rivera e seus colegas ativistas em direitos de moradia em San Jose. No coração do Vale do Silício, onde até mesmo funcionários bem pagos de companhias de alta tecnologia têm dificuldade de encontrar moradia, o desenvolvimento estava expulsando moradores de vibrantes bairros negros, hispânicos e de imigrantes.

Nas conversas com as comunidades que Rivera e seus colegas realizaram na cidade em 2018, os Termos Territoriais Coletivos surgiam a todo momento. Rivera, então, se aprofundou na ideia desse modelo de propriedade e, em 2020, estava liderando o TTC de South Bay.

No entanto, o sucesso não veio facilmente.

Por definição, TTCs não geram lucro e a captação de recursos é o maior desafio que enfrentam [no caso norteamericano onde são fundados através da compra de terras ou prédios]. Para comprarem sua primeira propriedade, um quadriplex no centro de San Jose, eles precisam arrecadar pelo menos US$1 milhão, além do meio milhão de dólares que precisam para pagar a equipe profissional envolvida no TTC e fazer a organização funcionar. A velocidade é um problema, também. As incorporadoras imobiliárias arrematam as propriedades com dinheiro em questão de dias, enquanto um Termo Territorial Coletivo se move “no ritmo da comunidade”, diz Rivera.

No entanto, para romper com o setor imobiliário tradicional, os TTCs “ainda precisam participar do jogo imobiliário”, acrescenta ela.

Defensores enfatizam que os Termos Territoriais Coletivos são apenas uma ferramenta dentro de uma abordagem mais ampla para enfrentar a crise de acessibilidade, que poderia ser mais eficaz com a ajuda do governo. Beth Score, da Grounded Solutions, diz que os governos estaduais e locais devem investir dinheiro em Termos Territoriais Coletivos e mudar as políticas de avaliação, para que as propriedades do TTCs não paguem impostos com base em seu valor especulativo.

Com ou sem essa ajuda, TTCs precisam inovar para ter sucesso.

“Quando pensamos em Termos Territoriais Coletivos, muitas vezes pensamos apenas a nível de propriedade da casa”, diz Sheldon Clark, que recentemente atuou como presidente do conselho do Termo Territorial Coletivo Douglass, em Washington, DC, capital estadunidense. “E isso realmente não cobre as necessidades habitacionais que temos”.

Douglass tem unidades que mantém com aluguéis permanentemente acessíveis e outras propriedades configuradas como cooperativas. Eles também ajudaram inquilinos a aproveitarem uma lei de Washington, DC que os prioriza na compra da unidade em que moram, caso o proprietário planeje vendê-la.

Na verdade, os líderes de Termos Territoriais Coletivos dizem que a propriedade da casa é apenas um aspecto do foco naquilo que Clark chama de “Grande C” dos TTC: a comunidade.

 Lydia Lowe, diretora do Termo Territorial Coletivo de Chinatown, posa no minúsculo Tai Tung Park em frente a um mural de peixes em Chinatown, em 9 de fevereiro de 2022, em Boston. A carpa dourada simboliza riqueza e prosperidade na cultura chinesa. O Termo Territorial Coletivo de Chinatown está lutando para salvar o legado de Chinatown. Foto: Melanie Stetson Freeman/Equipe
Lydia Lowe, diretora do Termo Territorial Coletivo de Chinatown, posa no minúsculo Tai Tung Park em frente a um mural de peixes em Chinatown, em 9 de fevereiro de 2022, em Boston. A carpa dourada simboliza riqueza e prosperidade na cultura chinesa. O Termo Territorial Coletivo de Chinatown está lutando para salvar o legado de Chinatown. Foto: Melanie Stetson Freeman/The Christian Science Monitor

O Termo Territorial Coletivo Douglass organizou campanhas de doação de alimentos durante a pandemia e ajuda a conectar moradores a cooperativas de crédito, já que muitos não têm conta bancária. Na Chinatown de Boston, o grupo ajudou a salvar um parque local.

Lydia Lowe, diretora executiva do Termo Territorial Coletivo de Chinatown, caminha pelas ruas estreitas do bairro pelo qual luta desde os anos 1980 com orgulho e determinação. Ela aponta apartamentos populares que ela trabalhou para salvar de incorporadoras na rua Johnny Court e prédios nos quais o TTC está de olho, perto do restaurante Ding Ho Takeout, na Avenida Harrison. 

Lydia precisou de muita determinação desde a constituição do Termo Territorial Coletivo em 2015. “Não conseguimos que ninguém nos desse propriedade, porque eles estão sentados em uma mina de ouro”, diz ela. Em 2019, o TTC finalmente garantiu a posse de duas casas geminadas, com sete unidades no total, e começou a reformá-las.

Finalmente, em um dia de setembro de 2021, a casa de três quartos na Oak Street estava pronta. Após a longa espera desde que haviam se mudado da China, Meidan e sua família abriram a porta e entraram. Eles mal podiam acreditar no que viram: três quartos aconchegantes, uma sala de estar com grandes janelas e uma cozinha espaçosa.

A maioria dos apartamentos na Oak Street, em Boston, custa de US$600.000 a bem mais de US$1 milhão, de acordo com Zillow. O Termo Territorial Coletivo de Chinatown vendeu a Meidan e Yin seu apartamento por cerca de US$220.000. Meidan disse que a propriedade de uma casa em Chinatown não teria sido possível sem o TTC.

“Estou aqui com meu marido e minhas crianças. Eu tenho minha própria família. Isso é tudo o que importa”, diz Meidan. E seis anos após chegar aos Estados Unidos, finalmente ela sente que sua família tem um lar.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.