A Poucos Dias do Natal, Justiça Determina Remoção da Ocupação Luiz Gama, no Centro do Rio de Janeiro

Moradoras da Ocupação Luiz Gama se apoiam frente a mais um despejo que sofrem, no dia 16 de dezembro, depois de decisão do TJ-RJ. Foto: Vinícius Ribeiro
Moradoras da Ocupação Luiz Gama se apoiam frente a mais um despejo que sofrem, no dia 16 de dezembro, depois de decisão do TJ-RJ. Foto: Vinícius Ribeiro

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O Desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho, da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) determinou na quarta-feira, 14 de dezembro, que as 70 famílias que ocupavam o prédio localizado na Rua Alcântara Machado, 24, no Centro, deixassem o imóvel em 24 horas. O prazo começou a contar quando os moradores da ocupação foram notificados oficialmente. 

Prédio da Ocupação Luiz Gama, na Rua Alcântara Machado, 24, Centro. Foto: Vinícius Ribeiro
Prédio da Ocupação Luiz Gama, na Rua Alcântara Machado, 24, Centro. Foto: Vinícius Ribeiro

A Ocupação Luiz Gama acontecia desde 16 de novembro e foi organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Dentre as 70 famílias que ocupavam o imóvel, havia dez crianças e 15 idosos. Desde o início da ocupação, a Polícia Militar (PMERJ) agiu de forma dura, tentando arrombar portas, aterrorizando os moradores, e mantendo um cerco durante 24 horas por dia em frente à ocupação, impedindo o livre trânsito de pessoas.

Dentre as 70 famílias que ocupam o imóvel, há dez crianças e 15 idosos que, sem o prédio da Rua Alcântara Machado, 24, não têm onde morar. Foto: Vinícius Ribeiro
Dentre as 70 famílias que ocupavam o imóvel, havia dez crianças e 15 idosos que, sem o prédio da Rua Alcântara Machado, 24, não têm onde morar. Foto: Vinícius Ribeiro

“É uma extrema covardia e desumanidade. Estamos lutando por moradia e ocupamos por resistência. A função social [da terra] está lá na constituição e o que é criminoso é um imóvel ficar parado 20 anos. Aqui [na Ocupação Luiz Gama] só tem trabalhador, tem senhora idosa que puxa carroça no sol e na chuva.” — Ryan Augusto Pestana Rocha, 28 anos

Essa ocupação vinha servindo de esperança para dezenas de pessoas negligenciadas em seu direito à moradia. Esse é o caso de Alexandra Melo da Silva. No dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, em frente à Ocupação Luiz Gama, cujo nome relembra um dos maiores ícones do abolicionismo e da luta antirracista brasileira, a mãe de dois filhos, um bebê e uma criança de oito anos, esperava em frente à ocupação pela chance de ter um teto para sua família.

“Eu estou aqui nessa guerra, lutando com o meu filho para, pelo menos, ter um teto para morar. O que me impede de entrar [na Ocupação Luiz Gama] são os policiais aqui na porta.” — Alexandra Melo da Silva, 37 anos

Prédio na Rua Alcântara Machado, 24, no Centro está ocupado por 70 famílias provenientes de outra ocupação (João Candido), removida em 2021. Foto: Vinícius Ribeiro
Prédio na Rua Alcântara Machado, 24, no Centro foi ocupado por 70 famílias provenientes de outra ocupação (João Candido), removida em 2021. Foto: Vinícius Ribeiro

A preocupação com a segurança alimentar é um dos motivos que levam as famílias a procurarem as ocupações como opção de moradia. Os custos da moradia são um fardo que muitas vezes não conseguem ser acoplados com a necessidade de comer.

“Aqui dentro [da Ocupação Luiz Gama] é uma maravilha. A gente almoça, janta, lancha, a gente tem quatro refeições por dia. A gente não consegue pagar aluguel, a gente quer uma moradia própria… [Se a desocupação acontecer] a gente vai ter que ir pra rua, porque a gente não tem onde morar.” — Dinar Verdadeiro de Souza, 46 anos

Moradores da Ocupação Luiz Gama em frente a uma faixa do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Foto: Vinícius Ribeiro
Moradores da Ocupação Luiz Gama em frente a uma faixa do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB). Foto: Vinícius Ribeiro

OAB e Ministério Público Federal Criticam Decisão do Desembargador

A Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) enviou um ofício pedindo que o desembargador reconsiderasse a decisão. O Ministério Público Federal (MPF), que fazia parte de uma mesa de negociações envolvendo representantes das famílias que viviam na Ocupação Luiz Gama, também criticou a decisão.

“A decisão do Tribunal de Justiça desconsidera a importância do prazo estipulado pela Justiça de Primeiro Grau, de 20 dias úteis, que tem sido um prazo importantíssimo para a construção de um acordo pacífico que evite que a polícia faça uso da força, que garanta solução para as pessoas que precisam de moradia, que não impeça a retirada das pessoas e que garanta a solução para os envolvidos. E é isso que o MPF está fazendo: uma rodada de negociações com todos os órgãos”, disse Júlio José Araújo Júnior, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão.

Militante do MLB veste camisa escrita 'Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito' em frente à Ocupação Luiz Gama. Foto: Vinícius Ribeiro
Militante do MLB veste camisa escrita ‘Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito’ em frente à Ocupação Luiz Gama. Foto: Vinícius Ribeiro

Além de moradores da Ocupação Luiz Gama e do MPF, também participaram da mesa de negociações a Secretaria Estadual de Infraestrutura (SEINFRA RJ), por meio da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (CEHAB), a Secretaria Municipal de Habitação (SMH), a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSDH), Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ), Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e os advogados do MLB.

Natal Sem Despejo e a Luta por Moradia

No início de dezembro, o MLB lançou a campanha Natal Sem Despejo, que se baseia na discussão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 828) no Supremo Tribunal Federal (STF), que determina aos tribunais uma série de quesitos para que sejam concretizadas as ações de reintegração de posse, como, por exemplo, comissões de conflitos fundiárias, requisito que, segundo o MLB e a advogada que representa a ocupação, Júlia Franzoni, não foi cumprido pelo TJ-RJ.

Em junho de 2021 o MLB e as mesmas famílias da Ocupação Luiz Gama, ocuparam um imóvel vazio na Rua da Alfândega e fizeram a Ocupação Almirante João Candido. Essa ocupação foi desfeita com a promessa do estado de moradias populares para essas famílias no Centro, feita pelo governo do Estado, na gestão de Cláudio Castro

Passado mais de um ano, as negociações para as moradias populares não avançaram e o direito de moradia está longe de se concretizar. Foi por isso que nasceu a Ocupação Luiz Gama: para garantir um teto para 70 famílias às vésperas do Natal.

A Ocupação Luiz Gama convocou apoiadores para fazerem parte de uma vigília em frente à ocupação após a decisão de reintegração de posse. Um efetivo muito maior da Polícia Militar se deslocou para a ocupação e fechou a entrada do prédio. Policiais, então, passaram a proibir o trânsito de pessoas na Rua Alcântara Machado, sobretudo na parte na frente da ocupação.

“A gente veio para cá [para a Ocupação Luiz Gama] para ter moradia e a gente não vai ter moradia, porque a gente está sendo expulso na pressão, na marra.” — Kátia Dami Santana, 24 anos

Rua Alcântara Machado, no Centro, completamente fechada pela Polícia Militar, em frente à Ocupação Luiz Gama. Foto: Vinícius Ribeiro
Rua Alcântara Machado, no Centro, completamente fechada pela Polícia Militar, em frente à Ocupação Luiz Gama. Foto: Vinícius Ribeiro

Remoção em Meio à Chuva

Na sexta-feira, 16 de dezembro, a decisão de um desembargador colocou na rua crianças e idosos. À noite, em meio à chuva, os moradores da Ocupação Luiz Gama desocuparam o prédio da Rua Alcântara Machado, 24, e seguiram, em protesto, junto a apoiadores e outros ativistas do MLB até o Buraco do Lume.

De acordo com informações de representantes do MLB, parte das famílias foi acolhida na Ocupação Vito Gianotti na Rua Sara na Gamboa, Centro. A solidariedade do movimento popular de moradia coloca, pelo menos temporariamente, um teto sob a cabeça dessas famílias, enquanto o Estado as coloca na rua, em uma noite chuvosa, às vésperas do Natal.

Lideranças da Ocupação Luiz Gama resistem à desocupação do prédio, como decidido pelo TJ-RJ. Foto: Vinícius Ribeiro
Lideranças da Ocupação Luiz Gama resistem à desocupação do prédio, como decidido pelo TJ-RJ. Foto: Vinícius Ribeiro

Na segunda-feira, dia 19 de dezembro, às 14h, o MLB está convocando apoiadores para uma manifestação em frente ao MPF, na Rua Nilo Peçanha, 31, Centro, para pedir uma solução que garanta o direito à moradia a todos os que moravam na Ocupação Luiz Gama.

“É um momento triste [a desocupação das famílias]. A gente precisa sair sem nenhuma alternativa, mas as famílias vão continuar lutando, o espírito de luta não mudou e as famílias vão continuar organizadas para lutar pela sua moradia e para procurar uma solução transitória para elas quanto o cumprimento dos acordos que foram feitos tanto na ocupação João Candido quanto agora na Luiz Gama.” — Paula Guedes, coordenadora do MLB

Moradores da Ocupação Luiz Gama depois do despejo, em protesto pelas ruas do centro do Rio, pelo direito à moradia. Foto: Vinícius Ribeiro
Moradores da Ocupação Luiz Gama depois do despejo, em protesto pelas ruas do centro do Rio, pelo direito à moradia. Foto: Vinícius Ribeiro

Sobre o autor: Vinícius Ribeiro é nascido e criado na Zona Oeste, entre a Estrada da Posse, em Santíssimo, e o Barata, em Realengo. Atualmente mora na Ladeira dos Tabajaras. Jornalista, cineasta e fotógrafo, é membro do Coletivo Fotoguerrilha. Assina direção e roteiro dos curtas SobreviverDame CandoleSob o Mesmo Teto e Entregadores. Atualmente, está em um projeto sobre uberização e precarização do trabalho.


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