Moradores da Maré Relatam Falta de Luz Há Quatro Dias em Meio a Operação Policial

Moradores se vejam sozinhos, no escuro e no calor, em meio a dois dias de operação policial

Casa no Parque Maré à luz de velas devido à falta de eletricidade. Foto: Arquivo de morador
Casa no Parque Maré à luz de velas devido à falta de eletricidade. Foto: Arquivo de morador

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Nos últimos dois dias, a Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, vem sofrendo com operações policiais realizadas em pelo menos 13 das 16 favelas que formam o complexo. São incursões que afetam a vida de todo o território das mais variadas maneiras, dentre elas o fechamento dos equipamentos públicos de saúde, por exemplo. São ações que atentam contra o direito de ir e vir dos moradores. Para além disso, as escolas fecham ou têm que interromper suas atividades, o que causa impacto direto no aprendizado das crianças e jovens, sem mencionar os traumas que irão carregar por vivenciar um cotidiano de operações policiais violentas.

Outro problema infelizmente recorrente com o qual os moradores da Maré precisam lidar é a negligência das concessionárias de serviços públicos, como água e luz, direitos sociais básicos. Apesar de impactarem os moradores negativamente o ano todo, os problemas causados pela falta de serviço da Águas do Rio e da Light sempre se agravam no verão, quando faz mais calor e quando mais pessoas estão de férias.

Em dezembro de 2022, por exemplo, o RioOnWatch apurou que o problema da falta d’água na Maré durou pelo menos duas semanas. Raniery Soares, 25 , morador do Parque Maré, diz que ficou 22 dias sem água. Tudo isso por conta da demora da Águas do Rio em reparar um vazamento na Subadutora da Maré, na região do Parque Maré. Neste episódio, houve relatos de falta d’água nas favelas do Parque União, Rubens Vaz, Parque Maré, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau.

Desta vez, moradores relatam que estão há pelo menos quatro dias sem luz. Sem retorno da Light, apoio de órgãos públicos ou visibilidade na grande mídia, os moradores se veem sozinhos, no escuro e no calor, em meio a dois dias de operação policial.

“O Parque Maré sempre foi muito vulnerável por questões de falta de luz. Em algumas ruas, transformadores e postes sempre pegam fogo pela falta de investimento e manutenção no território.”  — Raniery Soares

Parque Maré às escuras. Vista a partir da porta de uma casa na comunidade. Foto: Arquivo de morador
Parque Maré às escuras. Vista a partir da porta de uma casa na comunidade. Foto: Arquivo de morador

Segundo relato dos moradores, em torno de 35 casas do Parque Maré estão sem luz, sendo elas das ruas Princesa Isabel, Tatajuba, São Jorge e Beira Mar. Além da própria Light, moradores buscaram ajuda através da Subprefeitura da Zona Norte, que designou o contato de um assessor chamado Fábio Barbosa, em tese responsável pelo território da Maré, que não foi encontrado. A Associação de Moradores do Parque Maré também foi procurada, mas seus representantes declararam não poder ajudar. Além dessas ruas do Parque Maré, moradores de algumas regiões da Vila do João também relatam falta de energia elétrica.

Mesmo com os pedidos formais de reparo por parte dos moradores, inclusive com inúmeros protocolos de atendimento gerados, a Light ainda não deu prazo para o restabelecimento do fornecimento de energia nessas localidades. De acordo com moradores ouvidos, foram feitas, em média, dez ligações em quatro dias solicitando o reparo, sem retorno algum.

“[A falta de luz] impacta em tudo! A gente não consegue dormir, estraga os alimentos da minha geladeira. Eu fico sem água porque moro no terceiro andar e não chega água sem ser pela bomba.” Renata Estevão

Renata Estevão, 38, moradora do Parque Maré explicou como, com duas crianças em casa, ela tem passado algumas horas do dia na casa de uma amiga, que possui luz. Contudo, não é o suficiente. Os baldes de água que Renata pega para consumir dentro de casa não são o bastante para todas as roupas que precisa lavar, para cozinhar e realizar higiene pessoal e a limpeza da casa.  

“Eles não estão vindo por não acharem importante. É desumano deixar as pessoas sem energia por quatro dias, as crianças sem energia em casa, sem poder ir para a escola por causa de operação policial. Como a gente fica?” — Renata Estevão

Beco escuro no Parque Maré devido à falta de luz. Foto: Arquivo de morador
Beco escuro no Parque Maré devido à falta de luz. Foto: Arquivo de morador

Durante o segundo dia de operação policial, na sexta, 3 de março, moradores relatam que uma equipe da Light, que havia sido designada para realizar o reparo da energia nas ruas, apareceu na comunidade, mas foi impedida pela polícia de realizar o serviço, sob a justificativa de que o território estava conflagrado.

É perceptível como, no fim das contas, todas as negligências que afetam o território estão interligadas de alguma maneira. As três aqui citadas—operação policial, falta de água e falta de luz—são transtornos que privam de normalidade as rotinas na favela. Por exemplo, se o morador não tem eletricidade, ele não tem água, pois a baixa qualidade do serviço de água demanda que quase todas as casas usam bombas hidráulicas para levarem a água da rua até suas caixas d’água.

Casas às escuras no Parque Maré sofrem com a quarta noite sem luz. Foto: Arquivo de morador
Casas às escuras no Parque Maré sofrem com a quarta noite sem luz. Foto: Arquivo de morador

No entanto, mesmo com água e luz, se há uma operação policial acontecendo, da mesma maneira, ele não consegue seguir sua rotina. E, se houver algum problema na rede de água, luz, internet, telefone ou qualquer outro serviço, como nos últimos dias no Parque Maré, durante uma operação policial, os moradores seguem sem os serviços pela impossibilidade de atuação dos técnicos das concessionárias. Em ocasiões, como nos últimos dois dias, as operações policiais perpetuam a falta de serviços e de acesso.

Assim sendo, é essencial discutir a abrangência de políticas públicas para os territórios, além de chamar atenção para a desigualdade na comparação com outros espaços da cidade. No imaginário carioca, seria absurda a ideia de um bairro de classe média da Zona Sul passar quatro dias sem energia elétrica, sem resposta efetiva da Light e sem a cobrança exaustiva da grande mídia. Infelizmente, não é incomum que moradores de favela passem por situações como essa.

Isso jamais pode ser normalizado. É importante estar atento e cobrar das autoridades, dos órgãos e das empresas responsáveis, os direitos básicos, garantidos a qualquer cidadão brasileiro.

Sobre a autora: Juliana Pinho é moradora da Nova Holanda, no Conjunto de Favelas da Maré, socióloga (UFRJ) e estudante de Jornalismo (UCAM). Comunicadora popular e mobilizadora territorial, Juliana é co-fundadora da Frente de Mobilização da Maré, integrante da Agência Palafitas e responsável pela gestão e planejamento do projeto Pra Elas. Atualmente, atua também na área de gestão de portfólio da Luta pela Paz e é redatora do portal Entretetizei.


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