Primeira Feira de Museologia Social no Rio: Museus Comunitários como Ferramentas de Resistência

Membros da Rede de Museologia Social ao final do primeiro dia do festival. Foto: Isaac Goodwin
Membros da Rede de Museologia Social ao final do primeiro dia do festival. Foto: Isaac Goodwin

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A Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro (REMUS-RJ), realizou sua 1a Feira de Museologia Social no Museu da República no Catete, na Zona Sul do Rio de Janeiro, entre os dias 16 e 17 de dezembro de 2022. A REMUS busca encorajar a troca de cooperação e conhecimento entre os museus comunitários que fazem parte de sua rede enquanto trabalham para preservar a cultura, a história e o patrimônio das favelas e periferias da cidade.

Barracas dos museus comunitários exibem objetos e oferecem informações. Foto: Isaac Goodwin
Barracas dos museus comunitários exibem objetos e oferecem informações. Foto: Isaac Goodwin

O Museu Vivo de Areia Branca, o Museu da Maré, Museu do Horto, Museu das Remoções, Museu Vivo da Capoeira, Museu Vivo do São Bento, Museu da Rocinha Sankofa, Museu do Almirante Negro, Museu de Favela (MUF) e Museu de Artes e Cultura Urbanas da Baixada tiveram estandes no evento, exibindo artefatos locais de cada território. Estandes informaram sobre o desafios enfrentados pelos seus territórios. De acordo com o organizador Luís Henrique Porto, um museu é definido pelas interações, objetos, memórias, e pessoas que se juntam para representar a história, o patrimônio, e a cultura.

“Porque, um museu, ele não está dentro de um prédio. Um museu é qualquer lugar, onde se tem relação entre objeto, as pessoas e as memórias.” — Luís Henrique Porto, REMUS-RJ

Primeiro Dia: Museus Comunitários e o Direito À Memória Coletiva

O primeiro dia começou com uma apresentação de integrantes do Museu da Maré, que leram de um livro chamado A Maré em 12 Tempos, cantando trechos do texto. O livro, publicado em 2021, narra a construção das 16 favelas que constituem a Maré, com um foco particular no futuro da comunidade, e destaca a importância da história da Maré ser contada por quem viveu ela.

Membros do Museu da Maré apresentam uma leitura do livro Maré em 12 Tempos. Foto: Isaac Goodwin
Integrantes do Museu da Maré apresentam uma leitura do livro Maré em 12 Tempos. Foto: Isaac Goodwin

Várias atividades criativas e culturais se seguiram. O Museu Vivo de Areia Branca, de Belford Roxo, apresentou um documentário intitulado Belford Roxo: Uma Viagem pelo Tempo, que usa a arte para expressar a história do município. Poesia, música e dança, que incluiu um Baile Charme em que membros do público foram encorajados a participar e dançar, divertiram participantes e passantes, refletindo o rico patrimônio cultural dos museus comunitários que constituem a Rede de Museologia Social.

Representantes dos museus comunitários e da REMUS responderam a perguntas do público. Emília Maria de Sousa, uma das fundadoras do Museu do Horto, estabelecido em 2010 para combater ameaças de remoção exibindo a identidade e história da favela bicentenária do Horto a partir da perspectiva dos moradores, enfatizou o benefício mútuo que ganham os museus ao fazerem parte da rede.

“Cada museu que faz parte dessa rede está sendo muito beneficiado porque, a partir do momento que existe uma reunião de um grupo de museologia que fortaleça a história e a memória dessas comunidades, é muito mais importante do que uma luta individual. Então, a partir do momento que esse coletivo se une, fortalece mais a luta do conjunto de todos através do fortalecimento dos nossos territórios.” — Emília Maria de Souza, Museu do Horto

Uma das coordenadoras do festival da REMUS, Nathália Lordosa, falou de como museus comunitários valorizam a cultura da periferia do Rio, que frequentemente é desconsiderada pelos museus nacionais de grande porte. Com museus dedicados a uma favela particular, os moradores adquirem mais conhecimento sobre a sua própria história e cultura.

“Esses territórios têm patrimônio e têm cultura, mas ninguém mostra, ninguém pesquisa. Então o que eles fazem é: vamos pesquisar essa história, vamos pesquisar esse patrimônio e vamos mostrar e falar sobre. Porque quando você comunica essa história, muitas pessoas têm acesso né? Os próprios moradores ‘Ué tem história aqui então? Tem patrimônio?’” — Nathália Lordosa

O primeiro painel, da esquerda para a direita: Sandra Teixeira (Museu da Remoções), Antônio Firmino (Museu Sankofa), Luis Henrique Porto (REMUS-RJ) e Sidney Tartaruga (Museu de Favela). Foto: Isaac Goodwin
O primeiro painel, da esquerda para a direita: Sandra Teixeira (Museu da Remoções), Antônio Firmino (Museu Sankofa), Luis Henrique Porto (REMUS-RJ) e Sidney Tartaruga (Museu de Favela). Foto: Isaac Goodwin

O primeiro dia terminou com uma palestra intitulada Democracia, Museologia Social e Políticas Públicas com um painel formado por Sandra Teixeira, do Museu das Remoções, Antônio Firmino do Museu Rocinha Sankofa, e Sidney Tartaruga, do Museu de Favela.

O Museu das Remoções é administrado por moradores da Vila Autódromo, onde 700 famílias foram removidas de suas casas antes dos Jogos Olímpicos de 2016. O museu foi criado para homenagear a memória, histórias e legado daqueles que foram removidos, além de atuar como uma ferramenta de resistência para as comunidades que enfrentam ameaças de remoção. Sandra Teixeira elogiou a Rede de Museologia Social por fornecer um espaço no qual museus comunitários com ideias semelhantes poderiam trocar suas experiências, culturas e ideias. Ela descreveu que museus, como o Museu da Remoção, emergem como consequência da negligência do governo, ecoando a noção de Nathália de que as comunidades periféricas não são representadas por museus nacionais de maior porte.

“O Museu das Remoções nasce na ausência de políticas públicas, através de pessoas que não se sentem contempladas nem nas políticas de educação, de direitos, do processo de construção da cidade, e muito menos no processo de preservação de memória. São grupos que não se sentem contemplados nos grandes museus e não nos sentimos representados, não sentimos a nossa identidade valorizada.” — Sandra Teixeira

Segundo Dia: Fortalecer Museus Comunitários Significa Poder Comunitário

O Museu Vivo da Capoeira fez uma apresentação animada para começar o segundo dia. Foto: Isaac Goodwin
O Museu Vivo da Capoeira fez uma apresentação animada para começar o segundo dia. Foto: Isaac Goodwin

O segundo dia do festival começou com uma apresentação de capoeira do Museu Vivo da Capoeira. Antônio Augusto Braz é o diretor do Museu Vivo de São Bento, sob o qual funciona o Museu da Capoeira. Braz explicou como a expressão artística da capoeira é usada em benefício da comunidade: “O Museu Vivo da Capoeira parte da afirmação da tradição da capoeira como um todo dialogando com as demandas do território.”

Antônio também enfatizou a importância deste festival para a rede de museus comunitários em todo o Grande Rio, para que eles possam interagir, fortalecer-se coletivamente e pressionar por uma formulação de políticas mais inclusivas.

“Existe uma união de ação em defesa de políticas públicas direcionadas para o fortalecimento do patrimônio, da memória e da identidade. É importante esse tipo de encontro. Também tem o lado simbólico da pajelança, do conhecimento mútuo, reforçar os laços de afeto, traduzir experiências, confrontar expectativas e fazer com que essas energias vão se reanimando.” — Antônio Augusto Braz

O dia incluiu mais atividades culturais como uma apresentação de violão e dança do Museu de Arte e Cultura Urbana da Baixada e uma apresentação de samba de Paulo Sorriso, de Belford Roxo.

O sambista Paulo Sorriso entreteve participantes e passantes com sua dança e canto. Foto: Isaac Goodwin
O sambista Paulo Sorriso encantou participantes e passantes com sua dança e canto. Foto: Isaac Goodwin

Por volta das 16h, a Deputada Federal Jandira Feghali chegou para realizar sua fala. Ela elogiou a Rede da Museologia Social, destacando que “a gente tem que criar novos instrumentos de comunicação que nos permitam enfrentar essa guerra cultural e estratégica pro Brasil.”

Política brasileira Jandira Feghali (centro) discutindo a importância da Rede da Museologia Social. Foto: Isaac Goodwin
Jandira Feghali (centro) descrevendo a importância da Rede da Museologia Social. Foto: Isaac Goodwin

Depois do discurso de Jandira Feghali, a Rede de Museologia Social apresentou a apresentação final intitulada Afetos, Resistência e Lutas – Experiências de Museologia Social no Rio de Janeiro. Os palestrantes foram o poeta, museologista e diretor do Museu da República Mário Chagas, Antônio Augusto Braz, do Museu Vivo de São Bento, Elisson Batista dos Santos, do Museu de Arte e Cultura Urbana da Baixada, e Zilmar da Costa Duarte, do Museu do Almirante Negro.

O painel da palestra final do festival incluiu Elisson Batista dos Santos (Museu de Artes e Cultura Urbanas da Baixada), Antônio Augusto Braz (Museu Vivo de São Bento), Mario Chagas (Museu da República), e Zilmar da Costa Duarte (Museu Almirante Negro). Foto: Isaac Goodwin
O painel final do festival incluiu Elisson Batista dos Santos (Museu de Artes e Cultura Urbanas da Baixada), Antônio Augusto Braz (Museu Vivo de São Bento), Mario Chagas (Museu da República), e Zilmar da Costa Duarte (Museu Almirante Negro). Foto: Isaac Goodwin

Enquanto o painel discutia suas experiências museológicas compartilhadas, Elisson comentou sobre a força potencializadora dos museus comunitários.

“O museu é uma ferramenta que consegue transparecer o presente, o passado e o futuro.  Ele tem condições não só de ser resistência, mas também de ser poder no futuro.” — Elisson Batista dos Santos

O evento foi encerrado com uma emocionante apresentação teatral do Museu das Remoções. Centrou-se no tema das remoções dos moradores de suas comunidades, algo que continua sendo uma preocupação constante para muitos que vivem nas favelas do Rio de Janeiro, apesar de a maioria estar hoje estabelecida há gerações.

A 1a Feira de Museologia Social destacou a importância dos museus comunitários como lugares que preservam o patrimônio e as memórias das periferias. Através de expressões artísticas, esses museus conseguem mostrar a rica cultura e história de suas comunidades. Os museus têm significado profundo para as suas comunidades e, além de se unirem como uma rede forte, através da REMUS, se fortalecem ainda mais como unidades de resistência e de poder, nas esferas políticas e culturais do Brasil.


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