Conheça as Reivindicações Populares para a Política Urbana Nacional Fruto da V Conferência Municipal das Cidades no Rio de Janeiro

A V Conferência Municipal de Cidades, uma das etapas VI Conferência Nacional das Cidades, aconteceu em 29 e 30 de junho de 2024 no Porto Maravalley, na Região Portuária, Centro do Rio. Foto: Print
A V Conferência Municipal de Cidades, uma das etapas VI Conferência Nacional das Cidades, aconteceu em 29 e 30 de junho de 2024 no Porto Maravalley, na Região Portuária, Centro do Rio. Foto: Print

Nos dias 29 e 30 de junho de 2024, no Porto Maravalley, na Região Portuária, Centro do Rio, aconteceu a V Conferência Municipal de Cidades, uma das etapas VI Conferência Nacional das Cidades. O local abriga startups e a sede do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA Tech). O evento reuniu representantes do Executivo e Legislativo municipal, estadual e federal, além de movimentos populares e ONGs.

Em 2024, o governo federal, por meio do Ministério das Cidades, iniciou a VI Conferência Nacional das Cidades. Após a publicação do regimento e texto base de discussão, inicia-se a fase estadual, onde cada unidade federativa deve estabelecer suas regras internas para as etapas estaduais e municipais da Conferência.

Arte de divulgação das inscrições para a Conferência Municipal das Cidades - Rio 2024, cujo processo participantes denunciam ter sido complicado. Foto: Prefeitura
Arte de divulgação das inscrições para a Conferência Municipal das Cidades – Rio 2024, cujo processo participantes denunciam ter sido complicado. Foto: Prefeitura

A primeira etapa é a municipal, requisito para promover uma gestão democrática urbana, garantindo a participação efetiva da população. Segundo as regras, a comissão organizadora deve refletir a proporcionalidade de diversos setores: 42,3% para o poder público, 26,7% para movimentos populares, 9,9% para sindicatos e empresários, 7% para entidades acadêmicas e conselhos, e 4,2% para ONGs com atuação na área do desenvolvimento urbano. Essa proporcionalidade visa mobilizar a sociedade civil e o poder público em nível municipal. Depois das etapas municipais, os debates seguem para a estadual e, finalmente, para a nacional.

O grande objetivo do processo é atualizar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), alinhando-a às realidades e desafios locais atuais. A PNDU visa reduzir desigualdades socioespaciais e promover a reforma urbana, conforme preconiza o Estatuto da Cidade.

Após a derrubada da Presidente Dilma Rousseff em 2016, houve um desmonte dos órgãos responsáveis por capitanear os debates e a política urbana em nível nacional. Instaurou-se um vácuo no debate e na orientação do enfrentamento às questões inerentes à política urbana brasileira. Com a retomada das conferências, já no terceiro governo do Presidente Lula, pautas de anos de ausência de debates da agenda urbana municipal foram trazidas à tona.

Foram disponibilizadas 823 vagas para delegados e 250 para observadores. O regimento interno estabeleceu critérios para debates, votação e eleição dos representantes do Conselho Municipal de Política Urbana (COMPUR), bem como dos 143 delegados para a Conferência Estadual. 

No entanto, é preciso registrar que a organização da Conferência Municipal de 2024 foi criticada por sua rapidez. A comissão organizadora teve apenas um mês para preparar o evento e sua divulgação foi insuficiente. O processo de inscrição foi complicado, o que dificultou a participação de setores populares.

V Conferência Municipal de Cidades: Mobilização Social e Crise Climática

A abertura da V Conferência Municipal de Cidades contou com representantes de diversos setores, incluindo dos Executivos e Legislativos municipal, estadual e federal, além de movimentos populares e ONGs. Tainá de Paula, vereadora e ex-secretária de Meio Ambiente e Clima da Cidade do Rio, denunciou que mais de 50% dos domicílios do estado do Rio de Janeiro não têm acesso pleno à água e saneamento e que é necessária uma revisão do Marco Legal do Saneamento Básico. Enquanto isso, Marcelo Braga Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP) e da Ocupação Vito Giannotti, defendeu a gestão democrática e a participação popular constante na definição das políticas urbanas das cidades.

“Queria saudar a presença das associações, dos movimentos e ocupações aqui presentes! É para essa turma que temos que pensar uma nova cidade! Queria lamentar também a ausência do senhor prefeito, que deve ter coisa mais importante a fazer do que participar do movimento de democracia na cidade. Queria lembrar também que a gestão democrática e a democracia em ano de eleição principalmente não se fazem simplesmente com voto na urna. E o voto na urna, não quer dizer que aquele eleito possa fazer o que quer na cidade. A cidade tem que ser ouvida sempre! Não pode ser decisão de um.” — Marcelo Braga Edmundo

Os debates foram divididos em grupos de trabalho, abordando oito eixos temáticos definidos pelo Ministério das Cidades: habitação e regularização fundiária, saneamento básico, mobilidade urbana, controle social e gestão democrática, gestão interfederativa e das regiões metropolitanas, sustentabilidade ambiental e emergências climáticas, transformação e inclusão digital no território, segurança pública e o enfrentamento do controle armado dos territórios populares.

Marcelo Braga Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP) e da Ocupação Vito Giannotti, defendeu a gestão democrática da cidade e criticou ausência do prefeito. Foto: Print
Marcelo Braga Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP) e da Ocupação Vito Giannotti, defendeu a gestão democrática da cidade e criticou ausência do prefeito. Foto: Print

O primeiro dia da conferência se dedicou a discutir os primeiros quatro eixos, enquanto o segundo se propôs a discutir os demais. Após os debates e apresentações, as propostas são submetidas às respectivas mesas. Após a submissão, a mesa realiza a leitura e, em seguida, ocorre o debate e a votação das propostas finais, já ajustadas. Se necessário, dispõe-se de tempo definido pelo regimento interno da conferência para exposições a favor ou contra as propostas. A seguir, apresentam-se os destaques para a proposta em questão, a partir de emendas enviadas por escrito à mesa. Por fim, cada eixo elege até quatro propostas, que são votadas na plenária final e aprovadas por maioria simples dos participantes.

Propostas dos Grupos de Trabalho (GTs) na Conferência

Como resultado dos debates, obteve-se os seguintes encaminhamentos por eixo:

  • Controle Social e Gestão Democrática das Cidades

Em âmbito municipal, propôs-se a criação do Conselho Municipal das Cidades do Rio de Janeiro, com base na estrutura do Conselho Nacional das Cidades e a implementação do orçamento participativo desde a sua concepção, com participação popular antes do envio à Câmara Municipal do projeto de lei de diretrizes orçamentárias.

Como encaminhamento para a Conferência Estadual, propôs-se a integração física, operacional e tarifária metropolitana nos sistemas ferroviários e metroviários, além da reativação da Estação Leopoldina para uso ferroviário. Propôs-se também a recuperação de áreas agrícolas na cidade do Rio como medida de adaptação climática e mitigação.

“As conferências retomadas pelo governo federal… são momentos especiais de participação na gestão democrática das cidades, onde todos devemos participar, todos os movimentos… A conversa, no entanto, não acaba com o término da conferência, a conversa tem que acontecer com todos os segmentos sociais, discutindo a ocupação e o uso dos espaços urbanos de forma democrática. A gestão democrática das cidades tem que contemplar a audição de todos os segmentos.” — Jorge Silva, Sindicato dos Engenheiros

  • Habitação e Regularização Fundiária

Em âmbito municipal, propôs-se que a política habitacional do município preveja: a regulamentação e operacionalização do programa de autogestão; a criação de uma superintendência dedicada aos condomínios do Minha Casa Minha Vida; a destinação de, no mínimo, de 1% do recurso orçamentário municipal para a política habitacional, coordenada pela Secretaria Municipal de Habitação (SMH); a incorporação do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS) ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), tendo o conselho gestor do FMHIS paritário papel deliberativo e fiscalizador; a destinação prioritária de imóveis públicos para a provisão de Habitação de Interesse Social (HIS); a ampliação dos recursos do FMHIS com a captação dos recursos da Reurb E e destinação dos mesmos para a Reurb S; a retomada da elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social como marco regulatório e a previsão de criação de programa de locação social e de programa de assistência técnica para HIS; a definição de parâmetros de adaptação para mudança climática como obrigatórios para projetos de HIS e urbanização de favelas; a suspensão dos despejos; e a criação de programa de auxílio à moradia para famílias vítimas de eventos socioclimáticos, com valor adequado e reajustado anualmente com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

“A agenda do passado está velha, carcomida e ninguém resolve. O problema da regularização fundiária, por exemplo, no Cantagalo, do lado da minha casa, está tudo pronto para regularizar há pelo menos dez, 15 anos e não acontece eu não sei porquê. Os cartórios reconheceram tudo, está tudo nos conformes, mas há uma conspiração patrimonialista… É isso que ninguém consegue mexer. E eu pergunto a vocês, o Estatuto das Cidades está onde? Parece que sumiu! Tem vários mecanismos importantes de recuperação, democratização da cidade, da propriedade… Quando um governo faz uma obra, não devemos esquecer que dali ele pode retirar os recursos que ele vai utilizar para fazer a democracia funcionar naquela região onde houve a intervenção urbana.” — Aspásia Camargo

No tema da moradia, um dos destaques foi a fala de Gianni Marchezini, representante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM).

“Eu queria só relembrar que o título de propriedade é uma porta de entrada para a especulação imobiliária, né? Que [com isso o] direito à moradia não se resume no título de propriedade. O direito à moradia é muito mais que isso. Quem precisa de título de propriedade para circular é o mercado, que depende da especulação. O trabalhador precisa de moradia digna. O trabalhador precisa de um governo que não seja gerente de mercado. É só para deixar claro que a gente precisa construir, sabe? É uma outra discussão quando a gente fala de direito à moradia e de titulação. A nossa titulação precisa garantir o nosso direito de morar, não o nosso direito de transformar nossa moradia em moeda do mercado.” — Gianni Marchezini

Como encaminhamento para a Conferência Estadual, propôs-se a suspensão das ordens de despejo e destinação dos imóveis públicos estaduais para Habitação de Interesse Social e a garantia na destinação de, no mínimo, 1% dos recursos orçamentários do estado para a política de HIS.

População na galeria da Câmara em 12 abril de 2023, onde se lê em um dos cartazes: 'Precisamos exercer nosso direito de ter moradia, porque não é só um direito, é um dever!'. Foto: Leonardo Coelho
População na galeria da Câmara em 12 abril de 2023 defendendo o Termo Territorial Coletivo e outros mecanismos de garantia de moradia acessível, onde se lê em um dos cartazes: ‘Precisamos exercer nosso direito de ter moradia, porque não é só um direito, é um dever!’. Foto: Leonardo Coelho
  • Mobilidade Urbana

No eixo da mobilidade, os delegados propuseram a transferência da gestão das calçadas para o setor público, com a utilização de recursos públicos para sua adequação e manutenção, garantindo acessibilidade universal e o desenvolvimento de planos de pedestrianização (devolver o acesso às ruas ao pedestre), além da implantação de novas ciclovias a serem criadas em espaços hoje destinados aos carros; a garantia de transporte público em diversas horas do dia, incluindo o período noturno, com intervalos regulares e razoáveis além da provisão de abrigos cobertos e com informações via GPS dos coletivos e a tarifa zero, com redução ou eliminação do valor da tarifa pública.

Como encaminhamento para a Conferência Estadual, propôs-se a expansão de corredores de transporte priorizando o transporte sobre trilhos e a parceria entre o estado e o município do Rio para a efetivação de mais ligações aquaviárias.

  • Saneamento Básico e Ambiental

No tema do saneamento, as propostas foram: implantação de duas usinas de recuperação energética, com separação manual e associada a cooperativas de catadores, sendo localizadas uma no Caju (em terreno público), na Zona Portuária, e outra na Zona Oeste; a hierarquização de locais para priorização na intervenção em saneamento básico e utilizando como metodologia critérios técnicos como risco, exposição, susceptibilidade e resiliência aos efeitos das mudanças climáticas.

Como encaminhamento para a Conferência Estadual, propôs-se a alteração do decreto que regulamenta a tarifa social, a fim de incorporar novas categorias de usuários, como os inscritos no Cadúnico e moradores de favelas e Áreas de Especial Interesse Social (AEIS); a revisão das tarifas sociais em conjuntos habitacionais do Banco Nacional de Habitação (BNH); a rediscussão da tarifa social nos contratos de concessão visando a inclusão de beneficiários do Cadúnico; que a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (AGENERSA) seja mais cobrada em seu papel e função regulatória; a antecipação da revisão dos contratos de concessão para inclusão do atendimento de todas as favelas; o direcionamento dos valores recebidos a título de outorga pela concessão dos serviços de saneamento para investimento em áreas de baixa renda; e a profissionalização das agências reguladoras das concessões de saneamento.

  • Sustentabilidade Ambiental e Emergências Climáticas

Algumas propostas no tema da sustentabilidade foram: a criação da escola popular de boas práticas socioambientais; a implementação de coleta seletiva e a instalação de ecopontos pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB); a inclusão da biorremediação como política pública; a implementação de projetos de recuperação e preservação de todos os ambientes naturais da cidade; a recomposição orçamentária e abertura de concursos para os órgãos ambientais e urbanísticos; a elaboração de leis que visem a padronização das taxas de luz e água para os beneficiários do programa Minha Casa Minha Vida; que o licenciamento seja realizado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC); a execução do plano de arborização urbana e planos afins; a implementação do Conselho Municipal de Saneamento Ambiental com participação da sociedade civil; a reurbanização dos territórios vulneráveis; a regularização fundiária; a previsão orçamentária municipal para adaptação às mudanças climáticas, entre outros.

“O pessoal da luta urbana, da luta pela moradia já está careca de saber quais são os pontos estratégicos que a gente precisa bater o pé… o Rio de Janeiro precisa falar para o Brasil inteiro porque a gente não avançou na regularização fundiária… e a gente precisa falar onde estão e como andam os condomínios do Minha Casa Minha Vida ainda sem titulação, ainda sem habite-se e muitos até sem condomínio!” — Tainá de Paula

Situação de uma casa atingida pelo temporal de 2019 no Vidigal, vista de dentro de outra casa atingida pelo mesmo evento climático extremo. Foto: Igor Albuquerque
Situação de uma casa atingida pelo temporal de 2019 no Vidigal, vista de dentro de outra casa atingida pelo mesmo evento climático extremo. Foto: Igor Albuquerque

Como encaminhamento para a Conferência Estadual, propôs-se que as empresas privadas que atuam na construção de empreendimentos do Minha Casa Minha Vida sejam obrigadas a investir em construções sustentáveis; a criação de portal de transparência para publicização das ações de investimentos relacionados a sustentabilidade, medidas compensatórias e royalties; a vinculação dos planos setoriais ao Plano de Ação Climática e transformando o Plano de Ação Climática em obrigação legal, articulando-o ao Plano Diretor e a proposição de políticas e instrumentos para pessoas vulneráveis.

  • Segurança Pública e o Enfrentamento do Controle Armado dos Territórios Populares

Neste tema, os encaminhamentos para a municipalidade e a Conferência Estadual foram os mesmos: não armamento da Guarda Municipal, criação de uma política habitacional que limite o poder e a expansão de grupos armados com diretrizes específicas, remodelação da Política de Segurança com a proibição do uso de armas de fogo, fim das ações militares em favelas e a institucionalização da prática do uso de câmeras corporais por agentes policiais.

  • Transformação e Inclusão Digital no Território

Propôs-se a criação de um órgão encarregado da inovação, da transformação e da inclusão digital e responsável, também, pela governança dos programas, a criação do Conselho Municipal de Transformação e Inclusão Digital nos moldes do Conselho Municipal da Cidade

  • Gestão Interfederativa e das Regiões Metropolitanas, Cooperação e Consórcios

Propôs-se o resgate e a implementação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (FNDU); a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS); a ampliação da participação da sociedade civil para 20% no Conselho Deliberativo Metropolitano e a implementação de uma gestão interfederativa integrada à resiliência ambiental.

Cidades Mais Justas

Vivenciou-se, nos últimos dez anos, uma crise no que tange a ausência de propostas sobre políticas urbanas nacionais. A retomada tem como um de seus símbolos a realização da 6ª Conferência Nacional das Cidades e suas etapas subnacionais, que têm importante papel de fomentar e valorizar a discussão democrática. Nos próximos anos, a efetivação dos pleitos destas conferências poderá começar a ser vista, mas não sem haver fiscalização. Por isso, nosso papel enquanto cidadão é debater, eleger nossos representantes de forma consciente e cobrar dos eleitos que suas propostas saiam do papel.


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