Incêndio Destrói Patrimônios Cultural e Turístico nas Favelas do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, na Zona Sul do Rio de Janeiro

Fogo causa destruição no Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Foto: João Victor Teodoro

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Centro Behner Stiefel de Estudos BrasileirosEsta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre justiça ambiental nas favelas fluminenses.

Na manhã do dia 7 de agosto de 2024, um incêndio atingiu o Pavão, comunidade que é parte do Complexo do PPG, formado também pelas favelas do Pavãozinho e do Cantagalo, que ficam nos bairros de Copacabana e Ipanema. As chamas destruíram uma biblioteca comunitária e um bar-mirante, que havia acabado de entrar no roteiro turístico dos mirantes das comunidades da Zona Sul. Uma nuvem cinza espessa cobriu todo o complexo e fez com que alguns moradores tivessem que procurar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) após a inalação da fumaça.

Segundo moradores, o fogo começou na vegetação da parte alta do morro por volta das onze horas da manhã e rapidamente se espalhou devido à temperatura elevada, ao sol forte e aos ventos. Em pleno inverno carioca, segundo CPTEC/INPE, a máxima do dia foi de 36°C, com ventos quentes, vindos de norte nordeste, umidade baixa, entre 20% e 30%, no limite entre os estágios de alerta e atenção, e não chovia na cidade há pelo menos uma semana. Isso foi o suficiente para que as chamas se alastrassem na parte alta do Pavão, atingindo a área de mata e destruindo a Biblioteca Comunitária Ninho das Águias e o bar-mirante Bar do Jardim, ambos construídos com materiais reaproveitados do lixo.

“Por volta de 12:30h, percebi que havia fogo na pedra lá no alto, mas não imaginei em momento algum que esse fogo iria se alastrar… De repente, abri minha porta e o fogo já havia tomado a nossa biblioteca. Graças a Deus nossa casa não foi atingida, mas o projeto social que existe há onze anos e atende cerca de 50 crianças foi consumido.” — Iani Antunes, uma das fundadoras da Biblioteca Comunitária Ninho das Águias e moradora do Pavão

Os bombeiros foram acionados às 11:30h para atenderem à ocorrência. Relataram dificuldades para controlar as chamas devido à quantidade de lixo descartada irregularmente por anos na localidade, fruto da negligência do Estado na gestão de resíduos sólidos.

“Aqui não temos um programa de educação ambiental, infelizmente, apesar de ser um território a ser explorado no que diz respeito a preservação da mata de origem, a Mata Atlântica. Mas faltam não apenas vontade política, mas conscientização do morador e políticas públicas que contemplem a favela. — Mônica Santos, moradora do Pavão

Alguns porcos, criados por moradores como animais de estimação, foram atingidos pelo fogo e vieram a óbito. Até o momento, não foram identificadas vítimas humanas.

Depois de vistoria realizada pela Defesa Civil Municipal na área onde ocorreu o incêndio, o terreno do Bar do Jardim foi interditado. Foto: João Victor Teodoro
Depois de vistoria realizada pela Defesa Civil na área onde ocorreu o incêndio, o terreno do Bar do Jardim foi interditado. Foto: João Victor Teodoro

A Defesa Civil foi acionada para avaliar os danos e a segurança das estruturas que restaram do bar e da biblioteca e decidiu realizar o isolamento do local do bar. No entanto, nenhum morador perdeu sua residência.

“Eu já vi fogo na mata, mas nunca na minha vida vi um fogo tomar essa proporção. O clima e o lixo influenciaram bastante para que esse incêndio se alastrasse rápido. Só não causou mais danos a mais moradores por conta da força da comunidade. Todos os moradores cederam as águas de suas caixas d’água na tentativa de apagar o incêndio e nos juntamos também para ajudar os bombeiros a subir com os equipamentos [de combate às chamas]. Poderia ter sido algo muito pior.” — Romeu Soares, morador do Pavão

Caixa d'água destruída pelo calor provocado pelo incêndio que atingiu a parte alta do Pavão em 7 de agosto de 2024. Foto: João Victor Teodoro
Caixa d’água destruída pelo calor provocado pelo incêndio que atingiu a parte alta do Pavão em 7 de agosto de 2024. Foto: João Victor Teodoro

O incêndio na favela do Pavão evidencia a vulnerabilidade climática dos territórios, independentemente do bairro onde estejam localizadas. Ela também escancara que as mudanças climáticas, junto ao racismo ambiental, afetarão cada vez mais os negros e os mais pobres, historicamente, maioria da população das favelas. Frente a esse cenário, reforça-se ainda mais a necessidade de se pensar políticas mais eficazes e de prevenção no Rio de Janeiro, para tornar as favelas resilientes às mudanças no clima.

“É muito triste ver que, apesar da mídia falar diariamente sobre as mudanças climáticas, a população mais pobre ainda nos dias de hoje possui hábitos antigos, de descarte irregular de lixo. E, assim como aconteceu aqui, pode acontecer em qualquer lugar. Se faz mais do que necessário ampliar ainda mais o investimento nessa pauta, para que essa informação chegue na ponta de maneira mais lúdica e mais clara… [É triste] ver dois pontos mega importantes no território, construídos com tanto esforço, sendo destruídos assim.” — Myrela Matos, moradora do Pavão

Obra de arte feita pelo artista Acme usando materiais recicláveis ficou chamuscada e retorcida pelo incêndio que atingiu a parte alta do Pavão. Foto: João Victor Teodoro
Obra de arte feita pelo artista Acme usando materiais recicláveis ficou chamuscada e retorcida pelo incêndio que atingiu a parte alta do Pavão. Foto: João Victor Teodoro

Sobre o autor: João Victor Teodoro é cria do Pavão-Pavãozinho Cantagalo (PPG) e atua com impacto social e ativismo climático em territórios de favela através da comunicação comunitária desde 2013. É Urbanista Social pelo INSPER e graduando em Relações Internacionais. Foi correspondente do Voz das Comunidades, voluntário no Afroreggae, embaixador estadual do Dia Internacional da Juventude em 2019 pela ONU, coordenador local do programa de formação ambiental Ambiente Jovem, membro do Conselho de Juventude da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e também está como 3° Diretor do Museu de Favela (MUF).


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