Essa é a segunda parte de uma série de cinco que documenta a história e sequência das Unidades de Polícia Pacificadora. Clique para Parte 3.
Enquanto as seis primeiras implementações poderiam ser descritas como o período dourado do programa de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), na fase seguinte começaram a surgir as primeiras fraturas.
Entre abril de 2010 e novembro de 2011, o foco mudou para o Centro e as favelas da Zona Norte mais próximas ao estádio do Maracanã, local que acolheria seis jogos na Copa do Mundo e, nos Jogos Olímpicos, a abertura e cerimônia final.
Desde que José Mariano Beltrame, o Secretário de Segurança do Estado do Rio, destacou como alvo as áreas em volta do Centro, Santa Teresa, Tijuca e o Maracanã, houveram informações locais de condutas autoritárias e tortura por algumas UPPs, embora essas testemunhas não fossem conhecidas amplamente.
Com a queda drástica das taxas de homicídio dentro e por perto dessas comunidades, e a saída de donos do trafico de favelas pacificadas, a implementação das UPPs continuou sendo vista como um sucesso em geral. Mais tarde, as facções criminosas começaram a voltar aos seus antigos territórios. Desde 2012, os traficantes estão exercendo mais e mais pressão na polícia nessas áreas.
7. Providência – Zona Central
Data de instalação: 26 de abril de 2010
A pacificação da Providência foi estrategicamente planejada para coincidir com o Fórum Urbano Mundial no Rio, que aconteceu a poucos quarteirões na região Portuária do Rio. Também foi necessária para assegurar a segurança e garantir a viabilidade a longo prazo do projeto de revitalização do porto, o Porto Maravilha.
Após dar boas-vindas à UPP sem muita vontade (o presidente da Associação de Moradores não compareceu a cerimônia de inauguração), a Providência aceitou a unidade pouco a pouco e os níveis de violência desceram, embora nos últimos meses o fogo cruzado tenha voltado e as tensões têm aumentado com a presença dos antigos traficantes na área. Logo no início, a disposição de organizar projetos comunitários do primeiro comandante da Providência, Glauco Schorcht, teve um impacto muito positivo. Mas em 2012, a Providência viveu a polêmica demissão do Schorcht por ter se envolvido no jogo de bicho na comunidade. Contudo, finalmente foi reintegrado após ajudar na identificação dos policiais que infringiam as regras. Um incidente esclarecedor que aconteceu no ano passado mostra as caras contraditórias que, por vezes, têm as UPPs e talvez ajude a entender o porquê da sua reintegração: um vídeo mostra o filho de uma mulher tendo uma discussão acalorada com policiais da UPP. A mãe grita ‘’Chamem o Glauco!’’. Cinco anos antes, esse tipo de confiança pessoal na polícia era quase que inexistente no Rio.
Ponto de Vista dos Moradores
“Sou a favor do poder público, quando atuando corretamente, dentro da favela. Temos que caminhar de forma legal. Mas nesse projeto tem muita, muita coisa errada. Na rua fica esse ar de dúvida do que vai acontecer daqui a dez minutos. Somos privados de, por exemplo, comemorar aniversário com festa que passe das dez da noite, e ficamos com medo de deixar as crianças sozinhas. Porque com o morro partido a gente sabia o que fazer, pra onde ir. Com esses homens de farda não sabemos como se comportar.” – Eron César dos Santos, morador da Providência
“É uma necessidade ruim. A UPP é uma necessidade ruim. Tinha que acontecer. Eu falo para todo mundo que a UPP chegou para nos proteger da nossa própria polícia. Desde que a UPP entrou, não tem mais tiroteios. Mas por quê? Porque era a polícia que atirava aqui, quando invadiam a comunidade. Se a UPP abandonar e outro grupo de policiais chegar para matar os traficantes, vai começar tudo de novo.” – morador da Providência
8. Borel – Zona Norte
Data de instalação: 7 de junho de 2010
Sete anos antes da chegada da UPP, em 2003, o Borel era cena de um crime policial representativo de como era vista a ação policial na época. No dia 16 de abril, a polícia executou quatro jovens moradores do Borel, alegando mais tarde no mesmo dia que os homens eram parte de uma quadrilha de traficantes e que foram apreendidos com drogas e armas. Na realidade, os quatro eram civis inocentes, mas os policiais envolvidos não foram punidos, como já aconteceu em muitos outros casos graças aos chamados ‘autos de resistência’, que se refere às mortes causadas quando os suspeitos “resistem a detenção”. Deste modo, o Borel tem uma relação frágil com a polícia, e não foi surpreendente que a UPP não tenha sido bem recebida no início, especialmente quando alguns informes de extorsão policial começaram a ser descobertos. Para cúmulo, no final de novembro de 2012, os moradores começaram a denunciar que alguns policiais da UPP estavam impondo um toque de recolher ilegal. Isso provocou o surgimento do movimento Ocupa Borel que aconteceu durante toda uma noite na qual moradores e membros da comunidade em geral (incluindo o grupo da escola de samba Unidos da Tijuca) se juntaram para desfilar na favela à noite, desafiando as medidas repressivas.
Ponto de Vista dos Moradores
“Estava na casa da minha irmã com alguns amigos, conversando e ouvindo música. De repente, chegou um grupo de policias e mandaram todo o mundo ir embora, dizendo que não era para trabalhadores estarem na casa de ninguém nessa hora.” – morador do Borel
“A pacificação influiu totalmente na ideia do jornal. Quando ocorreu pensamos que era a hora de colocar as comunidades para interagirem, para se comunicarem. Queremos que a população troque informações, participe.” – Adalto Afonso, morador do Borel e cofundador do jornal comunitário A Vez do Morro
9. Formiga – Zona Norte
Data de instalação: 1 de julho de 2010
Uma das favelas de menor tamanho e, portanto, possivelmente das mais facilmente controláveis ao serem pacificadas, o Morro da Formiga na Tijuca é uma das implementações da UPP melhor sucedidas. Um estudo feito pelo ICOS mostrou que a segurança era a quarta preocupação principal dos moradores, e que a implementação da polícia comunitária tinha sido mais tranquila do que qualquer outra. A construção de uma biblioteca comunitária com acesso a livros, CDs, Internet e outras mídias, além de outros projetos locais como um jardim comunitário, mostram o potencial que as UPP tem em condições apropriadas.
Ponto de Vista dos Moradores
“Moro na Formiga há 19 anos e consegui abrir o meu próprio negócio antes da chegada da policia, mas com a paz minha pequena lanchonete começou a ter mais lucros por causa da visita de turistas e até de moradores do asfalto. E a tendência é crescermos mais com o passar dos anos.” – Antônia Rocha, moradora da Formiga
“[A implementação da UPP] Um misto entre alívio e tensão. Ninguém sabia como ia ser feito a operação e o projeto dos ‘’caras’’, foi meio que na base da confiança e torcer pra que nada de errado acontecesse.” – Fábio Araújo, morador da Formiga
10. Andaraí – Zona Norte
Data de instalação: 28 de julho de 2010
Andaraí já viu violência esporádica desde a instalação da UPP. A influência do tráfico de drogas é ainda um problema, mas a polícia fez avanços importantes quando prendeu o chefe local, AP, no começo de 2014. Muitos moradores dirão que a vida é melhor na comunidade, e histórias como o torneio de luta da UPP criada por um policial local são sinais positivos. Porém, no mesmo ano apareceram informes sobre um grupo de policiais da UPP que tinham criado uma lista de jovens da comunidade a quem tinham marcado pra morrer. Esses elementos trapaceiros, que a instituição policial tem tanta dificuldade para controlar ou eliminar, põem em perigo às UPPs. Por causa da história da Polícia Militar e as promessas públicas feitas pelos elaboradores da UPP, os incidentes de corrupção ou abuso do poder supõem um golpe duro à legitimidade do programa.
Ponto de Vista dos Moradores
“Ainda existe rixa entre moradores de determinadas localidades, que eram dominadas por diferentes facções de traficantes. Tem gente da parte alta da favela que não vem comprar comigo.” – Sérgio Roberto Vieira, dono da Guidon, uma pequena loja de venda de peças e acessórios para motos na comunidade
“A UPP chegou a fechar a associação de moradores, que era controlada pelo tráfico. Somente há um mês começaram a chegar os serviços públicos na favela, quase um ano depois da entrada da polícia. Por conta dessa demora, a UPP perdeu muita credibilidade entre os moradores.” – Jorge Mathias de Souza, morador do Andaraí
11. Salgueiro – Zona Norte
Data de instalação: 17 de setembro de 2010
A implementação da UPP no Salgueiro tem sido um sucesso relativo. O crime diminuiu drasticamente: estatísticas oficiais (que podem ser manipuladas) mostraram só 4 casos de assalto e 19 de furto em 2012. Os bailes funk são permitidos na comunidade, o que mostra uma flexibilidade e pragmatismo no programa que é essencial para seu sucesso potencial. Além disso, o aumento no conforto de estranhos visitando a comunidade é visto como um ponto positivo numa comunidade que sempre esteve isolada. De qualquer forma, tal como avisam os moradores, a pacificação ainda não está consolidada corretamente com serviços sociais adequados. Além do mais, a dificuldade de se livrar dos elementos criminosos foi provada quando o presidente da Associação de Moradores de Salgueiro foi prendido carregando um quilo de cocaína. Embora o objetivo das UPPs nunca fosse acabar com o tráfico–seu alvo é livrar às comunidades de armas e conflitos armados–a presença de traficantes em posições de autoridade política local complica muito o policiamento comunitário.
Ponto de Vista dos Residentes
“[O que mais tem melhorado] é a questão do ir e vir. Esta é a melhora primeira, a principal. Este trânsito, tanto para quem desce e principalmente para quem sobe a comunidade, possibilita a criação de mais pontes entre morro e asfalto. A gente tem relatos de taxistas que vêm almoçar aqui porque se sentem mais seguros do que no asfalto.” – Emerson Menezes, morador de Salgueiro e ativista cultural
“O Salgueiro está bem mais seguro e, além disso, as ruas estão asfaltadas e tem mais serviços para os moradores. Gosto muito daqui, não pretendo me mudar tão cedo. Mesmo achando que muita coisa precisa melhorar. A comunidade precisa de mais espaços culturais e mais cursos voltados para os moradores.” – Luan Fontes, morador de Salgueiro
12. Turano – Zona Norte
Data de instalação: 30 de setembro de 2010
Algo que as estatísticas nunca mostram é até que ponto as UPPs se impõem nas vidas dos moradores. Informes do Turano na Tijuca resumem a natureza delicada da situação onde a força policial tem a obrigação de controlar um território sem violar os direitos dos moradores. No primeiro ano da pacificação, os moradores denunciaram o abuso do poder da mão da polícia e o sentimento de asfixia após estarem 24 horas sob controle. Nesse vídeo de 2011, os moradores descrevem como uma festa do Dia dos Pais foi interrompida violentamente pela polícia antes da hora limite concordada. Um homem também reclama sobre o estresse de trabalhar de segunda a sábado e não estar autorizado para ouvir certa musica ou ir para certos eventos no seu dia de folga. Essas tensões ainda não têm desaparecido: no ano passado, três policiais da UPP foram feridos quando tentaram dissolver uma festa que não estava autorizada. Esse tipo de imposição social, e em particular a proibição de bailes funk, é uma das principais polêmicas nas comunidades onde estão as UPPs. A polícia de proximidade deveria promover o diálogo, a mediação e o envolvimento da comunidade, mas muitas das UPPs ultrapassam essa linha e abusam da sua autoridade na tentativa de impor uma nova (ou reordenada) estrutura cultural.
Ponto de Vista dos Residentes
“Fora da comunidade os eventos podem ultrapassar às 10 da noite, mas aqui na comunidade não podemos.” – morador de Turano
“No momento em que a UPP chegou, em 2010, começamos a ver que o número de matrículas estava aumentando. O ganho e a mudança são muito grandes. Temos hoje, aproximadamente, dois mil alunos.” – Rui de Souza Xavier, Diretor do Colégio Estadual Herbert de Souza em Turano
13. Morro dos Macacos – Zona Norte
Data de instalação: 30 de outubro de 2010
Em outubro de 2009, apenas um ano depois da implementação da UPP lá e duas semanas depois que o Rio foi selecionado como anfitrião para os Jogos Olímpicos de 2016, os traficantes de São João invadiram o Morro dos Macacos em Vila Isabel e derrubaram um helicóptero da polícia. As cenas chocaram o Rio e o mundo inteiro. O trafico tem fortes ligações na comunidade, com chefes como o Scooby e o Bebezão, que exercem violentamente o controle apesar da presença da UPP. Em 2011, o ex-presidente da Associação de Moradores foi executado por um assassino relacionado com o Scooby, e no ano seguinte o presidente da Associação do Comércio da favela foi assassinado pela mesma força. Deste modo, a UPP no Morro dos Macacos não tem sido particularmente bem-vinda ou bem-sucedida. Policiais da UPP têm sido atacados muitas vezes, no que parece ser uma ação conjunta das quadrilhas de trafico para desestabilizar o programa. Mais recentemente, em maio de 2014, Vítor Gomes Bento de 8 anos foi atingido com uma bala na cabeça durante um tiroteio entre a UPP e os traficantes, o que causou violentos protestos dentro da comunidade. Embora o Bebezão já esteja morto, e o Scooby se escondendo fora de Macacos, essa situação tem mostrado a luta da UPP para eliminar a influencia dos grupos criminais.
Ponto de Vista dos Moradores
“Era tudo muito difícil antes da UPP, porque os fornecedores não vinham na comunidade por medo. Fizemos parcerias que seriam impossíveis antes, como a instalação do caixa eletrônica. Sou dono da padaria há oito anos e sempre sonhei com o alvará, que hoje é a minha maior vitória.” – Flávio Duarte, morador de Macacos e dono de um negócio
“Cheguei aqui há 50 anos, quando nem rua a comunidade tinha. Vi muita coisa mudar nesses anos. A gente não podia andar pela rua com medo de tiroteio. Agora, estamos mais à vontade. Tenho 12 sobrinhos e, hoje, vejo que eles podem brincar e crescer sem medo, com mais liberdade.” – Zilma Roque, moradora de Macacos
14. São João/Matriz/Quieto – Zona Norte
Data de instalação: 28 de janeiro de 2011
O complexo de favelas de São João no Engenho Novo é um exemplo relevante de como as UPPs têm fracassado na hora de trazer a paz para muitas favelas, inclusive para aquelas que são menores, particularmente na Zona Norte da cidade. No dia 12 de janeiro de 2014, José Carlos Lopes Júnior de 19 anos foi atingido e morto por policiais da UPP, o que a família descreveu como uma execução sumária. A polícia negou essa acusação e, infelizmente, como é comum nesses casos, na mídia nada tem sido informado sobre as provas forenses. Em 2014 aconteceram muitos confrontos entre a polícia e os criminosos em São João, e essas tensões aumentaram notoriamente nos últimos três messes. Em outubro de 2014, um dos muitos tiroteios acabou com um policial da UPP atingido na cabeça, e nos dias 8 e 14 de novembro mais policiais foram hospitalizados. Só um deles sobreviveu graças ao seu colete a prova de balas.
A favela Matriz também tem experimentado problemas como os protestos dos moradores pela escassez de água e eletricidade na comunidade em 2014. A carência de um direito humano tão básico mina qualquer tentativa de trabalho positivo que a policia pode estar levando a cabo nas favelas pacificadas.
Ponto de Vista dos Moradores
“Antes da UPP, eu pensava em vender meu apartamento, por causa da violência. Era muito complicado, a rua fechava por causa dos tiroteios. Agora, se a situação mudar, não quero mais sair daqui.” – Johen Eine da Silva Pinto, moradora de Visconde de Santa de Isabel, 30 anos
“Esperamos que a polícia venha para ficar, mas ainda não vou tirar o aço da janela. Quero ver como vai ser daqui em diante. Há cerca de um mês não há conflitos na favela, muitos traficantes já saíram do morro.” – Morador de Matriz, 84 anos
15. Morro da Coroa/Fallet/Fogueteiro – Zona Central
Data de instalação: 25 de fevereiro de 2011
Enquanto em muitas das favelas pacificadas houve um período de lua de mel, no qual a nova dinâmica teve um período de adaptação e as fendas apareceram mais tarde, essas três favelas no bairro de Santa Teresa não tiveram esse processo.
Quatro messes após a instalação da UPP, um dos policiais teve a perna amputada após ser ferido por uma granada. Imediatamente depois do ataque, policiais da UPP de Coroa aproveitaram uma avaliação no começo da existência do programa para denunciar a falta de organização, equipamento e treinamento. A polícia comunitária exige meses de treinamento, mas por causa da pressa com a qual o programa se desenvolveu no Rio, policiais novatos foram enviados para territórios delicados sem terem a experiência necessária. Desde o incidente mencionado anteriormente, os problemas têm aumentado, com ataques constantes e informes de crueldade policial. Em agosto de 2011, os moradores acusaram a polícia por sequestrar e torturar cinco adolescentes antes de tentar vendê-los a outras favelas. Em junho de 2012, Jackson Lessa dos Santos de 20 anos, foi assassinado pela polícia quando voltava a casa do trabalho. Três semanas mais tarde Thales Pereira Ribeiro, de 15 anos, foi baleado e morto. Os dois casos aconteceram no Fogueteiro. Em agosto de 2014 Vitor Luiz Rodrigues, motorista de moto-taxi, foi assassinado enquanto segurava seus dois filhos entre seus braços. Rafael de Souza Azerbinato, de 23 anos, foi morto na sua casa. Seis policiais da UPP foram presos e acusados de assassinato.
Também houveram mortes de policiais: em setembro de 2011, um policial foi ferido seriamente num tiroteio, e em agosto de 2014 Weslley dos Santos da Silva Lucas foi o segundo policial da UPP a ser morto na Coroa, depois que Paulo César de Lima Junior fosse assassinado a tiros em 2012.
Ponto de Vista dos Moradores
“Eu acredito que a maioria das pessoas são a favor da implementação da UPP, não pela forma que os policias trabalham, e sim pela mudança. Agora temos menos exposição do armamento, hoje em dia as crianças não tem aquela visão de arma de fogo tão próximas que tinha antes, eles tinham uma visão de guerrilha. E hoje em dia, a gente não tem essa visão apesar de tudo. As crianças sabem que tudo continua mais ou menos como antes. A princípio o projeto da UPP não é um projeto ruim, a ideia foi muito boa, mas com essa evolução eu acredito que agora que eles estão perdendo força, estão perdendo credibilidade, foram muitas muitas falas. Creio que o governo não quer ter policiais bandidos mas existam muitos policiais bandidos. Então isso corrói o bom funcionamento de qualquer programa policial. É isso, eu acho que a UPP tem seus prós e muitos contras.” – Cíntia Luna, Presidente da Associação de Moradores de Fogueteiro
“Quando o morro era dominado pelo tráfico, eles não deixavam que isso acontecesse (o acúmulo de tanto lixo). Agora não há quem fiscalize a situação.” – morador de Coroa
16. Morro dos Prazeres/Escondidinho – Zona Central
Data de instalação: 25 de fevereiro de 2011
A experiência da UPP no Morro dos Prazeres, o morro mais alto de Santa Teresa, talvez resuma a dificuldade de adaptação à nova dinâmica, sem controle dos traficantes, e muitas vezes nem os moradores nem os policiais sabem bem como lidar uns com os outros. No filme de 2013, que tem o nome da favela, Maria Augusto Ramos explora as duas caras da implementação da UPP. Embora não haja muita violência na comunidade desde a instalação, os problemas como os que o filme lida destacam as tensões diárias que, apesar de serem pequenas e algumas vezes até parecerem insignificantes, suportam o peso de décadas de conflito. Há inspeções policiais aleatórias, acusações de procedimentos autoritários e arrogantes, e queixas sobre o sentimento de vigilância contínua. De qualquer forma, o filme também mostra as limitações que os policiais encaram com moradores que, em alguns casos, nunca aceitam a presença da polícia. Isso, somado à inquestionável presença do negócio dos traficantes na favela, faz possível imaginar a frustração da polícia. A polícia comunitária demanda compromisso de ambas as partes. Na situação contrária o sucesso será limitado com toda certeza.
Ponto de Vista dos Moradores
”Com a entrada da UPP, a expectativa era de que haveria melhoras. Infelizmente, até agora, nada. E nada é nada mesmo. A nossa água é feita através de manobra. Antes da UPP, tinha dois manobreiros, e com a “pacificação” eles nos tiraram um, ao mesmo tempo que a Cedae começou um projeto chamado “Água Para Todos”. São 19 manobras na comunidade, mas o funcionário tem que ter oito horas trabalhadas; o meu, se brincar, trabalha 24 horas, porque, às vezes, água boa só de madrugada.”– Eliza Rosa, Presidente da Associação de Moradores do Morro dos Prazeres
“Não podemos permitir que a UPP diga como será a nossa vida e que a Associação de Moradores não tenha nenhuma influência. Estou aqui há anos, trabalhando muito, às vezes 12 horas por dia. Nos importamos com o Morro dos Prazeres. E o comandante da UPP? Se importa com a comunidade? Claro que não. Mora em outro lugar. Não vamos permitir que a UPP acabe com nossa Associação de Moradores.” – Dona Elisa, moradora dos Prazeres
17. Complexo São Carlos – Zona Norte
Data de instalação: 17 de maio de 2011
A implementação em São Carlos, na Tijuca, foi enfraquecida imediatamente com a notícia de que o comandante da comunidade estava recebendo, bem desde o começo, R$15.000 por semana do Peixe, um traficante muito conhecido, para garantir que o tráfico não fosse dificultado na área. Esse nível de corrupção põe em perigo o programa inteiro: como é possível que alguém–polícia, morador ou a sociedade em geral–leve a sério esse programa novo, caro e supostamente revolucionário quando os altos oficiais estão inseridos na rede criminosa? Parece que em São Carlos muitas práticas da antiga Policia Militar ainda permanecem: os moradores denunciam o abuso de poder dos policiais, impondo toques de recolher e ameaçando aos moradores. Em dezembro de 2013, dois policiais da UPP foram gravados roubando uma mulher. Entretanto, a presença dos traficantes do comando Amigos dos Amigos é contínua e inquestionável. Em 2012, o jornal espanhol El País publicou um vídeo de um tiroteio no qual um policial foi ferido e em dezembro de 2013, quando o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) foi enviado para combater os traficantes armados depois de um ataque à base da UPP. Mais recentemente, no dia 19 de outubro de 2014, dois policiais foram baleados e atropelados num ataque a um grupo criminoso. Outras dificuldades no São Carlos foram ressaltadas em 2014 quando se ordenou aos policiais da UPP que permanecessem trabalhando inclusive no caso de baixa por doença, por causa da falta de pessoal. As más condições de trabalho fazem com que seja ainda mais difícil que a polícia, que ainda não se identifica com o programa, leve a cabo um trabalho efetivo. Isso também mostra como são escassos os recursos, apesar do enorme aumento de policiais desde o lançamento da UPP. De qualquer jeito, no final de 2013 aconteceu algo positivo: a UPP organizou uma apresentação moderna de Romeu e Julieta com a participação dos jovens da comunidade.
Ponto de Vista dos Moradores
“Fazem disparos para o alto quando anoitece, dizendo que agora eles que mandam no pedaço e que se não respeitarmos as leis iremos para o buraco. O sargento Gilson, por exemplo, fica andando pelas vielas da comunidade de madrugada falando isso pelo megafone.” – Aldir, morador de São Carlos
“Com a situação da UPP na favela , o comércio tem diminuído muito. Agora há toque de recolher. Na semana passada, na sexta, sábado e domingo tive que tirar todas minhas pinturas do meu furgão porque o BOPE o ordenou. Vendo meus quadros em Copacabana, e me disseram que seria assim durante 40 dias. Então, cada dia que vou vender, vou chegar tarde à noite, e passar por essas buscas. É por isso que os moradores não estão fora de casa com tanta frequência. E os negócios sofrem por a falta de movimento.” – morador de São Carlos
18. Morro da Mangueira – Zona Norte
Data de instalação: 3 de novembro de 2011
O pesquisador Vinicius Miranda Gentil passou o primeiro ano e meio da implementação da UPP em Mangueira fazendo trabalho de campo e concluiu que havia uma aceitação tensa do programa. A polícia continua fazendo seu trabalho, mas denuncia a falta de estrutura, enquanto os moradores seguem suas vidas, mas geralmente desconfiando da polícia, sem sentir os resultados positivos da polícia de proximidade. De qualquer forma, muitos alegam que a UPP nunca tomou o controle dos traficantes, que têm laços familiares importantes na comunidade. É claro que desde a publicação de Gentil em janeiro de 2013, os grupos criminosos têm intensificado a luta para controlar o território. Em agosto, o antigo líder Tuchinha foi assassinado brutalmente na comunidade, e desde então três facções diferentes estão disputando o poder. Em outubro, Thiago Rosa Coelho foi morto a tiros e seu colega ferido, enquanto os moradores informam sobre tiroteios frequentes dentro da comunidade.
Há só três messes, depois que foram encontrados 5 corpos mutilados aos pés da comunidade, o Meia Hora mostrava na sua página principal “Mangueira, teu cenário é uma tristeza”, lamentando o que tem acontecido à comunidade, famosa pelo samba.
Ponto de Vista dos Moradores
“Se vier aqui em cima vai ver as ruas todas fechadas. Está complicada a situação aqui.” – morador de Mangueira
Essa é a segunda parte de uma série de cinco que documenta a história e sequência das Unidades de Polícia Pacificadora. Clique para Parte 3.
Obrigada a Rachael Hilderbrand pela contribuição com a pesquisa.