No dia 28 de maio, Lélio Fernandes veio correndo do supermercado onde trabalhava para ver funcionários da prefeitura demolirem parte de sua casa. Ele abriu a porta no segundo andar–onde um quarto e um banheiro costumavam ficar–e se deparou com um precipício que se abria em uma pilha de escombros. Os trabalhadores pararam de demolir a casa de Lélio depois que metade já havia sido derrubada porque haviam chegado ao fim do dia de trabalho.
Seu vizinho, Pedro Paulo, não teve tanta sorte: sua casa inteira foi destruída: “Quando cheguei aqui estava tudo no chão… Foi embora o meu negócio que tinha aqui, minhas roupas e muitas coisas que eu compro para revender”.
Outra vizinha de Lélio Fernandes, uma mãe solteira, quase não teve tempo de tirar seus filhos de casa antes que esta fosse demolida. Lélio conta a história: “Ela desceu desesperada chorando com as duas crianças dela no colo–um filho de 4 anos e um bebezinho de 5 meses. E alguns moradores ajudaram ela a retirar umas poucas coisas de casa. Mas eles destruíram a casa com tudo dentro”.
Estas são as histórias dos removidos da Favela do Metrô, também conhecida como Metrô-Mangueira, uma área estreita de dois quilômetros ao lado das movimentadas Rua São Francisco Xavier e Avenida Radial Oeste perto do estádio do Maracanã na Zona Norte, que se tornou internacionalmente conhecida como um símbolo das remoções no Rio. Na sequência das remoções dos moradores de longa data, que passaram por um processo de três anos de 2010 a 2013, a comunidade tem sido a mais recente vítima das várias ondas de remoções de novos ocupantes sem teto, resultado do mercado imobiliário desregulado e superaquecido do Rio. Metrô-Mangueira tem se tornado um símbolo de como a prefeitura do Rio responde às necessidades de moradia de seus moradores mais vulneráveis.
Trabalhadores inicialmente se mudaram para a área há quarenta anos para construir a estação de metrô Maracanã, construindo suas casa e estabelecendo seus negócios ali, a maioria com foco em conserto de carros.
No entanto, a maioria dos atuais moradores são relativamente novos. Eles se mudaram logo após uma série de remoções há vários anos. De 2010 em diante a prefeitura demoliu casas e mudou as 700 famílias estabelecidas para conjuntos residenciais do Minha Casa Minha Vida. As primeiras 100 famílias foram realocadas em Cosmos, duas horas de distância dali, na extrema Zona Oeste. A grande maioria das 600 famílias que resistiram as primeiras remoções ganharam casas posteriormente nos complexos habitacionais Mangueira I e Mangueira II.
Foi depois destas remoções que moradores como Lélio mudaram: “[As autoridades] destruiram algumas casas e outras não, e essas casas ficaram abandonadas. Aí as pessoas que não tinham para onde ir, fato que me incluo nisso… ocuparam essas casas”.
Alguns dos moradores mais antigos ainda permanecem na área. Luciano Teixeira, que possui um negócio de frete no Metrô-Mangueira, tem vivido na comunidade por cerca de 19 anos. Ele explicou que teria aceitado a habitação pública do MCMV que foi entregue no Mangueira I e II do lado, mas que ele ainda está esperando que seu negócio seja registrado e formalizado. Caso contrário ele corre o risco de perder seu sustento com a realocação.
Ele disse: “Eles me forçaram a ficar até o fim. Se eles tivessem vindo e registrado meu negócio eu teria aceitado um dos apartamentos. Eles vieram aqui, derrubaram a metade do meu depósito, e não me informaram nada, que iam indenizar ou fazer alguma coisa. Querem derrubar com a gente dentro”.
Outros negócios, muitos deles legais, estão sob ameaça nessa onda de remoções. Isto inclui o negócio de conserto de carros cujo dono é o tio de Fernandes, Edjalves. Ele teme que seu meio de sustento seja destruído: “Sou cidadão, pago meus impostos…Isso aqui vai virar um lixão”.
Os moradores que ainda vivem no Metrô-Mangueria e que não foram removidos no final de maio querem sair, mas não sem antes serem a eles oferecidos alternativas de moradia. Eles tem o apoio da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a qual conseguiu assegurar 45 dias de pausa nas demolições. Os moradores querem suas casas registradas na prefeitura com a finalidade de garantir seus direitos de moradia.
Lélio Fernandes explica que os atuais moradores só estão ali por extrema necessidade. Diferente dos moradores do Metrô-Mangueira das primeiras remoções, no início de 2010, hoje “A maioria dos moradores querem ir embora. Você pode ir de casa em casa aqui e ver as condições dos moradores. São casas muito humildes, casas quebradas, com problemas… não tem saneamento básico aqui, não tem rede de esgoto, não tem energia legalizada, a água não é legalizada. Não tem nada para o cidadão viver dignamente aqui”.
Maria das Neves, que tem vivido no Metrô-Mangueira por quatro anos e cuja casa ainda resiste, concorda com Fernandes. Com respeito as últimas ondas de remoções de ocupantes, ela diz: “Só entrou todo mundo porque não tinha onde morar. Nós não estamos aqui porque queremos. Se nós pudéssemos estaríamos numa casa, num lugar onde fosse digno de receber uma visita”.
Não está claro o que a prefeitura pretende fazer com a estreita área uma vez que todas as lojas e casas forem demolidas. As remoções sem claras justificativas se tornaram ocorrências comuns no Rio nestes anos pré-Copa do Mundo e pré-Olimpíadas.
João Helvécio, do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública, expressou sua preocupação em um encontro público a respeito das remoções. “Limpar os morros da cidade que já estão ocupadas há décadas… isso é uma prática recorrente do município… você não pode tirar, do nada, sem um planejamento para reassentamento“, ele diz.
Apesar das palavras de advertência de Helvécio, isto parece ser exatamente o que está acontecendo no Metrô-Mangueira. Os moradores da comunidade falam de uma visita feita pelo Prefeito Eduardo Paes à comunidade em 2013. O prefeito foi até uma igreja que agora já foi demolida, na qual ele prometeu que os atuais moradores seriam inscritos para uma assistência habitacional e declarou sua intenção de tornar a área em um “polo automotivo“.
Os moradores temem que suas casas serão destruídas enquanto esperam pela assistência habitacional.
Fernandes diz: “Basta que venha um representante da prefeitura aqui, que vá de casa em casa ver as pessoas que moram aqui. Só que até agora a prefeitura não ofereceu nenhum acordo, então nós estamos aqui com muito medo de que eles venham novamente e façam do mesmo jeito que eles fizeram da última vez”.