Quase nove meses depois dos 43 estudantes mexicanos terem sido sequestrados, três pais e um companheiro de curso dos 43 normalistas visitaram o Rio na semana passada para concluir a viagem da Caravana 43 pela América do Sul.
Os pais Mario César González, Hilda Hernandez Rivera e Hilda Legideño Vargas, acompanhados do normalista sobrevivente ao ataque Francisco Sánchez Nava, compunham a Caravana. O grupo, que visitou também a Argentina e o Uruguai, se encontrou com brasileiros vítimas de violência, grupos ativistas, grupos indígenas e ativistas da área de educação em diversas áreas do Rio. O objetivo da Caravana foi o de formar uma rede forte com outros movimentos latino americanos e unir forças contra o terrorismo de estado na América Latina, disse Sánchez Nava.
“Queremos a presença, queremos a união, queremos ver que todos temos realmente um coração em nossos peitos, e que somos todos irmãos,” disse. “Os governos globalizaram a violência. Devemos globalizar a irmandade, a resistência e a força para mostrar aos nossos governos, ao sistema, ao Estado, que estamos cansados. Todos os dias seremos mais e mais. A cada dia haverá uma força mais forte”.
A Caravana lançou sua semana de atividades no Rio com uma conferência de imprensa composta por uma platéia de quase 60 ativistas e jornalistas no dia 9 de junho, no Centro da cidade. Os quatro convidados relataram histórias da noite do dia 26 de setembro, quando as notícias do desaparecimento dos seus filhos foram lançadas. Pediram o apoio do povo brasileiro e exigiam que os 43 estudantes voltassem vivos.
Mario César González disse que os pais dos 43 estudantes ainda acreditam que seus filhos estão vivos porque nenhuma prova apresentada pelo governo mexicano é considerada fiável. Eles acrescentaram que investigadores independentes argentinos haviam questionado a credibilidade científica das provas.
“Se tivermos que ir até o fim do mundo para encontrar estes jovens, iremos”, disse Mario César González.
O evento terminou em voz alta: “Foram levados vivos, e vivos é como os queremos de volta!”, um cântico que seria repetido durante a semana toda.
No dia 10 de junho, a Caravana se apresentou no Museu da Maré, um museu localizado dentro do Complexo da Maré. Moradores de favelas de várias partes da cidade compareceram ao evento para demonstrar solidariedade e partilhar suas experiências como vítimas de violência policial em suas comunidades.
“Pedimos o apoio e solidariedade de vocês para que no México se deem conta de que existem pessoas de todo o continente nos apoiando”, disse Legideño Vargas a platéia.
A Caravana se encontrou antes com grupos ativistas e lideranças comunitárias privadamente e depois participou de um painel público que incluiu quatro moradores de favelas, incluindo Ana Paula de Oliveira de Manguinhos, Vitor Lira do Santa Marta, Mônica Cunha da organização Movimento Moleque, e Irone Maria Santiago do Complexo da Maré.
Ana Paula Oliveira, em particular, sente uma conexão forte com o movimento da Caravana 43 porque perdeu um filho por causa da violência policial no Rio.
Ela disse: “A minha luta se faz necessária porque eu tenho consciência que infelizmente meu filho não vai mais voltar para mim mais eu não posso ficar de braços cruzados e eu tenho que lutar pela minha vida, pela vida de todos vocês que estão aqui, pela vida de toda favela, de todos os jovens, de todos os moradores de favelas. Eu vou fazendo a minha caminhada até quando der. Até quando tiver saúde e forças para lutar eu irei em frente”.
Mônica Cunha continuou a discussão ressaltando a importância de educar a juventude da favela para direcionar suas visões para além do estigma social negativo.
“Devemos mudar essa história, e dizer-lhes que eles podem, dizer-lhes que são seres humanos, que têm direitos, que a cidade é deles, que o estado é deles, que o país é deles”, disse Mônica Cunha.
Francisco Sanchez Nava direcionou sua mensagem ao governo brasileiro e pediu justiça para as várias vítimas que a Caravana conheceu durante a sua visita ao Brasil. Nava listou mais de uma dúzia de nomes de vitimas de São Paulo, Porto Alegre, e Rio de Janeiro.
Na manhã de 11 de junho, a Caravana visitou o Centro de Etno-conhecimento Sócio Cultural e Ambiental Cauieré (CESAC) na Zona Norte do Rio para uma reunião privada com indígenas Guarani: os TekoHaw, os Guajajara, Madurunku, Tupinambás de Olivença, Asháninka, Krenak, Krikati, e Manaua. O evento foi seguido de uma visita a uma comunidade no bairro do Maracanã, onde os representantes da Caravana pediram o retorno dos 43 normalistas e justiça para as populações indígenas do Rio, que já sofreram muita opressão por parte do Estado.
Na manhã do dia seguinte, cerca de 15 pessoas se juntaram a Caravana para uma demonstração em frente ao consulado mexicano. Os organizadores brasileiros da Caravana entregaram uma carta assinada por diversas organizações e ativistas para o Consulado Geral.
As tensões aumentaram durante o evento quando o Consulado Geral, rapidamente, distribuiu panfletos com a resposta oficial do governo pelo incidente dos Ayotzinapa e entrou correndo para dentro. Não estando de acordo com algumas de suas declarações, Francisco Sanchez Nava rasgou simbolicamente o panfleto pela metade e atirou-o a porta do Consulado Mexicano.
O segundo evento, um debate chamado “Penso, e Logo Me Fazem Desaparecer”, no dia 12 de junho se deu na UERJ. O objetivo foi partilhar as experiências e lutas pela educação pública na cidade do Rio e no México.
Márcia Curi Vaz Galvão, líder da organização Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, uma organização que conscientiza sobre as consequências da ditadura brasileira e providencia ajuda psicológica para membros da família das vitimas do Estado durante a ditadura, disse que pode encontrar semelhanças entre as experiências dos membros da Caravana e os membros da organização.
Márcia Curi Vaz Galvão disse: “Quando eu cheguei lá e ouvi aquele rapaz Francisco [Sánchez Nava] falando, pensei: mas ele está falando o que eu diria. É a mesma causa, é a mesma América”.
A Caravana concluiu sua viagem pela América do Sul com um grande evento na escadaria da Câmara Municipal. O evento reuniu cerca de 200 espectadores que apreciaram música latino-americana e discursos de grupos de ativistas locais.
O grupo de Márcia Curi Vaz Galvão falou durante o evento e cada membro do grupo mudou simbolicamente seu nome durante o encontro para representar um dos 43 estudantes mexicanos.
Ela disse: “A gente apóia [a Caravana] porque a gente entende que os 43 desaparecidos ou assassinados de Ayotzinapa, esses 43 meninos que desapareceram, são exatamente os mesmos não sei quantos desaparecidos da ditadura militar do Brasil, são os mesmos desaparecidos da ditadura disfarçada que a gente vive hoje no Rio de Janeiro sob a violência do estado, são os mesmos desaparecidos da Argentina… e Uruguai. A causa é a mesma. Só muda o nome do país, o nome da pessoa e o endereço porque a gente é vítima sim de uma mesma violência, que é a violência do estado autoritário e perverso querendo calar o povo quando ele tenta se levantar e tentar ser autor da sua própria vida”.