Quarta-feira, 1º de julho, a Câmara de Deputados rejeitou a proposta que reduziria a maioridade penal de crimes hediondos de 18 para 16 anos. Deputados passaram toda a terça-feira, 30 de junho, discutindo a proposta e a votação começou logo após a meia-noite do dia 1º. A contagem ficou perto, sendo o número mínimo de votos exigido 308, e 303 tendo votado pela redução. Três deputados se abstiveram e 184 votaram contra a medida.
Imediatamente após a votação, no entanto, em uma medida sem precedentes, o presidente do Congresso Eduardo Cunha submeteu uma proposta semelhante para votação, com pequenas alterações envolvendo a exclusão de tráfico de drogas e acusações de roubo.
Representantes do Congresso passaram o dia seguinte, até pouco depois da meia noite de hoje, 2 de julho, em um debate acalorado sobre as mudanças. Finalmente, 323 votaram a favor, 155 contra e 2 se abstiveram. A nova versão passou, faltando ainda uma segunda rodada de análise e a aprovação do Senado.
A votação recebeu maior atenção por conta dos recentes casos alegadamente cometidos por menores, incluindo o assassinato do médico Jaime Gold, na Zona Sul do Rio. A questão tomou as mídias sociais e uma pesquisa do Datafolha publicada em 21 de junho revelou que 87% dos brasileiros são a favor da redução da idade penal.
Respostas da Comunidade
Líderes comunitários e moradores de favela comemoraram os resultados iniciais de ontem, mas muitos admitiram que há pessoas a favor da redução em suas comunidades.
Ativista e membro do Coletivo Papo Reto, do Complexo do Alemão, Raull Santiago disse: “Esse momento é uma pausa para respirar rapidamente e continuar a luta…é um reforço, fortalecimento em um trabalho que precisa ser ainda mais intenso, que é o de provocar a reflexão e tentar multiplicar o entendimento do porque acreditamos que #ReduçãoNãoÉSolucão”.
O fotógrafo, ator e guia Felipe Paiva, do Vidigal, na Zona Sul, especula que a tentativa de reduzir a maioridade penal é a primeira em direção à privatização das prisões: “Acredito que essa vontade toda de reduzir, é apenas para criarmos cadeias, mais cadeias privadas e geraria muita renda para os donos desses espaços. Não existe um plano de melhorias para o nosso sistema penitenciário. Não pensa-se nessa questão. E assim, eles só irão aumentar a máquina da violência. Eles (os que querem a redução), dizem que nos outros países, há menor idade penal é de 16 anos. No entanto, esses países pensam em políticas públicas, em que o número de homicídios e demais crimes venham a diminuir. Há políticas públicas para colocar esse jovem num outro patamar. E aqui, o que de concreto temos, dado que existem diversos dados mostrando que não temos estruturas cabíveis para novos (em idade e incidência) presos. Isso é um absurdo. É retrocesso. É apenas punição, pela punição”.
Rafael Massena, 27, está em seu último ano da universidade e pretende seguir com um doutorado para ser professor universitário. Ele vive no Complexo da Maré, um complexo de favelas do qual o exército acaba de se retirar. Ele acredita que a maioria das pessoas em sua comunidade são a favor da redução, pois estão buscando uma solução simples para o fim do crime e apenas assistem ao noticiário da televisão.
“[As pessoas na minha comunidade] têm uma visão limitada da realidade e reduzir a idade de responsabilidade criminal é a coisa mais simples”, disse ele. “Eu acho que a educação pública deve parar de focar em treinar as pessoas para fazer um trabalho barato e focar em pensar mais. A educação pública no Brasil, que é acessada principalmente pelos mais pobres, precisa acabar com a tradição de preparar mão-de-obra barata para o mercado e oferecer educação que desenvolva o potencial das pessoas”.
Fundadora do coletivo de comunicação Cidade de Deus Acontece e moradora da Cidade de Deus (Zona Oeste) Carla Siccos é contra a redução, mas diz que muitas pessoas na comunidade acham que é uma boa ideia. Ela disse: “Eu sou contra mas sabemos que alguma coisa tem que mudar. Ficar como está não pode. Eu fiz essa pergunta outro dia na página e a maioria era a favor. As pessoas não aguentam mas esses menores aprontando todas e nada acontece com eles. Acho que oportunidade quem faz somos nós, sabe? Eu sou contra porque não imagino meu filho com tanta responsabilidade”.
Cléber Araújo, do Complexo do Alemão, tem acompanhado a redução desde que foi proposta meses atrás. Antes da votação da última noite, ele disse: “O que eu observo é que enquanto não houver direitos igualitários, enquanto não houver uma política adequada de educação neste país, enquanto não houver um comprometimento maior com o Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo menos o cumprimento de 80% do ECA, não há motivos para impor uma medida dessa. Então a minha opinião é de que eu sou completamente contra e as favelas vão ser o maior alvo se passar… Eu comemorei muito a vitória [inicial] de ontem, mas estamos apreensivos com a nova votação, então eu espero que não passe e que seja banida de vez”.
Protestos e Especialistas em Desenvolvimento da Criança Influenciam o Debate
Essas duas votações e o efervescente debate sobre a democracia brasileira nas mídias sociais são o resultado de vozes dissidentes influentes da sociedade civil brasileira, que têm sido ativas no assunto desde abril.
Em 29 de abril, o Brasil acordou com ruas decoradas expressando a rejeição dos jovens sobre a proposta de redução da maioridade penal em uma campanha chamada Amanhecer Contra a Redução. Bairros em 22 estados brasileiros estavam decorados com protestos em uma campanha iniciada por estudantes do Rio de Janeiro. No Rio, mais de 140 quadras foram ocupadas com sinais de protesto, incluindo espaços públicos nas favelas Cerro Corá, Cidade de Deus, Lins de Vasconcelos, Santa Marta, Maré, Rocinha, Chapéu Mangueira, Cantagalo e Vidigal.
Em 10 de maio, dia das mães, os organizadores da campanha chamaram mães de todo o Brasil para gravar vídeos e tirar fotos mostrando sua posição contra a redução. Eles também pediram que as mães e seus filhos inundassem o Twitter, o Instagram e o Facebook com a hashtag #SouMãeContraARedução.
Em 3 de junho, a maior sociedade de especialidades médicas do país, a Sociedade Brasileira de Pediatria, declarou publicamente ser contra a redução, com todos as filiadas ratificando a decisão.
Esta semana concluiu meses de protestos e campanhas de conscientização sobre os impactos da redução nas vidas dos jovens. Do ponto de vista neurológico, a redução da maioridade penal significa colocar um cérebro ainda em desenvolvimento em julgamento. De acordo com a revista Science, “o lóbulo frontal do cérebro, que exerce a contenção sobre o comportamento impulsivo, “não começa a amadurecer até os 17 anos de idade”, segundo o neurocientista Ruben Gur, da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. ‘A própria parte do cérebro que é julgada pelo processo do sistema legal vem a bordo tarde'”.
Outro estudo da ordem de advogados dos EUA (Bar Association) concluiu que “a adolescência é um período de significativa transição que ‘demostra que os adolescentes têm deficiências neurológicas significativas que resultam em fortes limitações de julgamento’. Além disso, pesquisas mostram que quando essa imaturidade neurológica é agravada com fatores de risco, como negligência, abuso, pobreza e outras limitações, pode com frequência “preparar o estado psicológico para violência”.
Em matéria do Observatório de Favelas, Alan Miranda argumenta que a chave para evitar crimes de menores é a educação, não punições mais pesadas. Ele escreveu: “Um estudo realizado pela Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor),concluiu que 41% dos autores de atos infracionais não frequentava a escola antes da internação. O distanciamento da escola relaciona-se com a necessidade de trabalhar, com as dificuldades em conciliar trabalho e estudo, além de conflitos com professores e colegas, somados às reprovações e baixa qualidade de ensino.Já a pesquisa da professora Vania Sequeira, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aponta políticas públicas e prevenção como principais itens que podem nortear a diminuição da criminalidade juvenil”.
Miranda também cita o sociólogo Eduardo Alves, que argumenta que caso a redução da maioridade penal seja finalmente aprovada, as autoridades estarão levando dois anos da juventude dos jovens. Isso significa que haverá menos investimento na educação nos últimos dois anos da adolescência. “Cabe aos adultos elaborar políticas que diminuam a violência e potencializem a cultura de direitos na juventude. Se a responsabilidade, portanto, é dos adultos, por que diminuir dois anos da juventude? Por que ampliar o tempo de punição daqueles que não são os principais responsáveis?”, questionou Alves.