Todos os dias, Mariluce Mariá de Souza, de 33 anos, acorda cedo para montar sua barraca perto da estação Palmeiras do teleférico do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. As pinturas que ela vende são sua própria interpretação da comunidade onde nasceu e foi criada: um carrinho de teleférico azul se move sobre as casas coloridas que cobrem o morro do topo à base, uma ou duas pipas voando em um céu laranja-avermelhado.
Tudo começou quando Mariluce e seu marido, Cléber, começaram um negócio de favela tour, chamado Turismo no Alemão, com o intuito de mostrar sua comunidade aos turistas. A intenção do casal era trazer estrangeiros interessados em conhecer as favelas cariocas para dentro do Alemão para estimular a economia da comunidade e promover o intercâmbio cultural.
O casal, então, percebeu que os visitantes não tinham nenhuma lembrança com o tema do Complexo do Alemão para levar de volta para casa depois do passeio. Mariluce então começou a fazer decoupage de fotos da favela sobre garrafas de vidro para ganhar algum dinheiro extra com os passeios. Isto foi em 2012, mais ou menos na época em que o teleférico no Complexo do Alemão foi inaugurado e a violência na comunidade parecia estar sob o controle da UPP, o que fazia com que os turistas que normalmente não sairiam da Zona Sul se sentissem à vontade para visitar a Zona Norte.
“Os primeiros souvenirs [que vendemos aos turistas] foram as garrafas de vidro, mas eu também comecei a fazer umas caixas de madeira. Aí eu percebi que decoupage dava muito trabalho e decidi tentar pintar as imagens. Eu fiz uma, duas, três… Daqui a pouco o Cléber estava vendendo todas”, explica Mariluce.
Em breve, Mariluce começou a pintar telas que eram fáceis de transportar em malas e sua arte passou a ser comprada e espalhada pelo mundo todo. As pinturas começaram a vender mais do que os tours, então ela decidiu focar nas pinturas em vez de no negócio de tour.
Talvez isso tenha sido um mal que veio para bem: o negócio de tours do casal fechou em 2014 porque as confrontações entre a polícia e os traficantes voltou a aumentar depois de uma breve interrupção. Essa nova onda de violência custou muitas vidas (muitas vezes pelas mãos dos policiais) e acabou afetando profundamente o meio de vida de Cléber e Mariluce: antes a empresa organizava excursões para grupos de até 90 turistas, mas a troca de tiros diária fez com que turistas ficassem relutantes em visitar a comunidade. Foi assim que Turismo no Alemão fechou as portas.
No início Mariluce e Cléber usavam a sua própria página no Facebook, Alemão Morro (agora com o nome de Mariluce por causa das normas e práticas do Facebook), para contar histórias positivas sobre sua comunidade e propagar sua empresa. Porém, com o retorno da violência a página também ganhou outro propósito: manter os moradores informados sobre tiroteios e confrontações na comunidade, para que áreas de risco possam ser evitadas. A página também é usada para promover o trabalho de Mariluce, que foi como ela acabou sendo convidada para falar na conferência da Universidade de Stanford “Iniciativas Educacionais e Empreendedoras para Apoiar Jovens em Áreas de Violência”.
“Com o tempo a violência voltou, as pessoas se distanciaram e a gente suspendeu o tour. Não fazemos mais os passeios e a minha arte passou a ser nossa única renda,” Mariluce explica. “Mas tudo o que eu faço, eu penso: ‘Eu quero fazer alguma coisa para ajudar a comunidade’. Só pintar e vender minha arte não estava ajudando, já que eu não conseguia trazer os turistas para a favela para que eles gastassem seu dinheiro aqui, tivessem uma troca cultural e ajudassem os moradores. Foi então que comecei a pensar como poderia ajudar.”
Sua barraca na estação Palmeiras do teleférico–a última estação dos 16 minutos de viagem no teleférico que atravessa 13 comunidades–fica localizada em frente à biblioteca comunitária. Já que muitas crianças passam seu tempo livre por lá, Mariluce começou a dar aulas de pintura aos sábados às crianças: “É importante fazer isso porque as aulas de pintura preenchem o tempo livre das crianças, ao mesmo tempo que eu estou incentivando o interesse pela arte e cultura nelas”.
Porém Mariluce queria fazer ainda mais pela comunidade: “Como posso compartilhar meus talentos com as pessoas daqui? Foi então que comecei a pintar os muros da comunidade com os meus desenhos, porque percebi que tinha palavrões neles, sabe? Também tinha provocações entre a polícia e os traficantes. Decidi apagar essas marcas nas paredes e por meus desenhos nelas com ajuda das crianças”.
Cada criança pinta uma parte do mural e Mariluce dá os retoques finais. “Não só apagamos todos os palavrões como a comunidade também ficou muito mais bonita. A arte sempre traz felicidade”.
Os murais são feitos sob demanda através do Facebook de Mariluce. Quando um morador decidi que quer seu beco pintado, ele manda uma mensagem privada e nada é cobrado das pessoas que pedem um pouco de arte perto de casa. Mariluce começou uma campanha de captação solidária para que ela possa pintar mais locais no Complexo do Alemão. Você pode apoiar a campanha doando uma pequena quantia aqui.