Esta matéria de Gizele Martins,* comunicadora comunitária da Maré, é uma de duas contribuições do RioOnWatch ao debate mundial acontecendo hoje, Blog Action Day 2015, Dia Global de Ação dos Blogueiros, cujo tema de reflexão para 2015 é: Erga a sua Voz. Leia ambas as matérias aqui.
Nesta semana, na qual se comemora o Dia Nacional pela Democratização da Comunicação, é importante estar ciente da atual situação dos comunicadores comunitários de favelas do Rio de Janeiro, pois a censura tem sido um dos principais problemas enfrentados por muitos deles.
No relatório realizado pelo Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, este ano, intitulado Militarização das Favelas do Rio, consta inúmeras denúncias de comunicadores ameaçados, revistados e afastados de seus locais de moradia e atuação, e isto tem crescido dentro das favelas do Rio com a entrada das UPPs.
A comunicadora comunitária e atual coordenadora do O Cidadão, jornal comunitário que circula há 16 anos no Complexo da Maré, localizado na Zona Norte do Rio, Thaís Cavalcante, contou que fazer comunicação dentro das favelas tem sido algo bem delicado. “A comunicação que acontece dentro da favela é mais delicada do que a que temos em outros lugares. Além de jornalistas, somos moradores. O cuidado é redobrado e tudo nos envolve emocionalmente também”, completou.
Ainda de acordo com Thaís, quando a ocupação militar estava pelas ruas da favela da Maré, os comunicadores se sentiam limitados para circular pelas ruas e produzir matérias sobre temas ligados aos direitos humanos. “Nós nos sentíamos limitados para poder relatar e fotografar o que acontecia. Seja a respeito do exército ou de um evento cultural cotidiano. Já recebi gritos de um militar, sobre como falar ou dar bom dia. Mas não respondi. Ninguém é obrigado a ser educado com o opressor. Como comunicadora sempre tive cuidado com o que fazia próximo a eles. Mas muitas vezes tive que me identificar, de que veículo eu era, qual o site, qual meu nome…etc”, finalizou.
De acordo com dados do relatório do Fórum, acontecimentos como o que ocorre e ocorreu na Maré são vistos em outras favelas. O relato de uma jovem participante de um projeto e comunicadora comunitária, em Manguinhos, mostra isto: “presenciei uma abordagem policial de um cidadão que passava em seu carro ouvindo música alta (funk). Um policial da UPP fez a abordagem apontando fuzil e mandando parar. Do outro lado da rua, eu filmava essa abordagem. O policial viu e disse que eu não poderia filmar eles e que iria me levar para o DP (Distrito Policial). Pressão psicológica daqui e dali por parte da UPP. Ao final terminaram anotando o nome de todos, o cidadão do carro e seu carona, mais eu que filmava, em um cadastro que desconheço. No meio desse caso mais dois cidadãos chegaram e tentaram dialogar com o policial e o mesmo disse que se pegar o motorista ouvindo música chula, e a pessoa que filmou fazendo isso outra vez, vão levar ambos para o DP”.
Em algumas favelas, as revistas e proibições de pessoas circularem com celulares nas ruas têm aumentado, já que os celulares podem servir como grandes instrumentos de denúncia de violações de direitos cometidos pelos policiais. Exemplo disto é o que o Coletivo Papo Reto, que funciona no Complexo do Alemão, também na Zona Norte do Rio, abordou no mesmo relatório e nas mídias sociais quando eles sofreram tal ameaça e intimidação por parte da polícia: “Acabamos de sair da 45º DP daqui do Alemão, onde o nosso amigo fotógrafo Carlos Cout foi liberado depois de ser detido por Desacato e Auto de Resistência pelo motivo de não deixar os policiais da UPP do Alemão ver seu celular. Cout é repórter fotográfico do Coletivo Papo Reto. Mesmo mostrando a sua identificação ele foi conduzido para a delegacia. Chegando lá quando viram diversas ligações e a repercussão, a ele foi dada a oportunidade de ‘deixar isso pra lá’. Carlos não ‘deixou para lá’ e prosseguiu com a queixa. Como tudo indica esta é mais uma violação de direito visando às mídias comunitárias”.
Ou seja, como visto tais intimidações não são isoladas, não são em uma ou duas favelas ocupadas pelas UPPs. Todos estes três relatos são de comunicadores que têm feito importantes trabalhos de denúncias dentro dos seus locais de atuação. São vários os casos que estes comunicadores conseguiram viralizar e mostrar a real situação de suas favelas que são constantemente ameaçadas e que sofrem diariamente violações de direitos por parte do Estado. É preciso que a sociedade, que os jornalistas e defensores de direitos humanos se atentem a tais fatos colocados pelos comunicadores comunitários. Pois muitos não estão mais conseguindo realizar os seus trabalhos dentro das favelas do Rio de Janeiro.
A presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, Paula Mairán, afirma que “Tivemos o fim da ditadura no Brasil, mas não o fim da censura na comunicação. Temos uma lógica de manutenção de poder político e econômico minoritário que é composto também por alguns empresários da mídia. Não é de interesse, para quem defende este modelo político e econômico, que o povo tenha voz. Temos casos de violência física, temos casos de prisão. As mídias populares e comunitárias hoje atuam na resistência e até na clandestinidade. Por isso, a pauta pelo direito à comunicação não pode ser uma pauta de poucos. Ela é de todos: da sociedade, dos jornalistas e comunicadores. É uma pauta central. A comunicação é um direito humano. O povo tem que ter acesso e se expressar pelos seus próprios veículos de comunicação”, concluiu.
*Gizele Martins é jornalista e comunicadora comunitária do conjunto de favelas da Maré.