Hoje, dia 8 de março, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, celebramos algumas das mulheres guerreiras da Vila Autódromo que vêm batalhando contra a Prefeitura há mais de cinco anos para salvar suas terras, sua comunidade, suas casas e suas famílias da remoção vinculada às obras de construção para os Jogos Olímpicos Rio 2016.
Essas mulheres desprenderam-se do rótulo de dona de casa e entraram na linha de frente de uma batalha como guerreiras que encaram o que muitas vezes parece ser uma guerra interminável.
Com a participação em atividades comunitárias, como a produção e atualização do Plano Popular da Vila Autódromo, o premiado projeto de urbanização que demonstra que a comunidade pode viver junta dos Jogos Olímpicos, um café da manhã comunitário realizado para buscar maior reconhecimento da sua luta e festivais culturais convidando apoiadores para celebrar sua resistência, as mulheres da Vila Autódromo mostram exemplos individuais e únicos de liderança.
Jane Nascimento
“Casa não se constrói com dinheiro, se constrói com amor.”
Jane Nascimento tem sido por anos uma importante porta-voz e líder para a comunidade, dialogando além de eventos comunitários, ao lado de movimentos sociais por toda a cidade. Em maio de 2015 ela deu seu depoimento perante a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ.
Em agosto de 2015, após uma batalha de dez anos com a Prefeitura, Jane, uma mãe, trabalhadora e líder comunitária, foi forçada a deixar sua casa na Vila Autódromo declarando: “Sairei da minha casa, mas não da luta”.
A relutante partida de Jane deveu-se à uma série de condições dolorosas. Ela sofreu durante o violento processo de remoção e encarou pressões psicológicas, vivendo em escombros e entre as casas derrubadas de seus vizinhos. Finalmente, sua casa, entre outras, foi o alvo do decreto de desapropriação da Prefeitura deixando Jane sem opção.
Entretanto, sua remoção física da comunidade não enfraqueceu sua luta. Desde seu reassentamento, Jane continua sendo uma voz ativa da resistência da Vila Autódromo. Ela participa em reuniões comunitárias, em protestos e tem sido a representante da comunidade em vários painéis de discussão sobre o Rio Olímpico e sobre o direito à moradia, inclusive no Museu da República em outubro de 2015 e na Fundação Getúlio Vargas em novembro de 2015.
O compromisso inabalável de Jane para com a resistência da sua comunidade é expressado toda vez que ela assume o microfone. Ela reafirmou esse compromisso mais uma vez no dia 24 de fevereiro quando a Associação de Moradores foi demolida: “Vou continuar lutando. A minha casa caiu, mas a minha luta não caiu”.
Heloisa Helena Costa Berto – Luizinha de Naña
Heloisa Helena, conhecida também pelo seu nome de candomblé Luizinha de Naña, morou na Vila Autódromo por 36 anos. Construída às margens da Lagoa de Jacarepaguá, sua casa também era um centro espírita candomblecista. Na sua emocionante carta aberta publicada pelo RioOnWatch em setembro de 2015 ela conta que “a construção física de um candomblé é difícil, principalmente com várias coisas em jogo, como por exemplo, ter que ao mesmo tempo, ajudar às pessoas necessitadas de trabalhos espirituais e de bens materiais básicos.”
Heloisa lutou pela negociação e reassentamento da sua casa e do centro espírita, sofrendo ao mesmo tempo com a intensificação de sua condições de saúde: “Há dois anos eu não vivo, eu só luto, meu corpo está todo tomado por dores crônicas consequência da cirurgia, dos oito parafusos, das placas, falta de tratamento por falta de tempo e stress emocional”. Mas ela explicou que essa nem é a pior parte. A sua saída da comunidade e do local religioso deixaram ela se sentindo “vazia por dentro, roubada, invadida, violentada”.
Heloisa visitou Brasília no ano passado para participar de uma audiência pública com a Comissão de Direitos Humanos do Senado. Em reconhecimento à sua luta, ela recebeu a medalha Pedro Ernesto, a honra mais importante concedida pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, assim como o prêmio Dandara entregue pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Apesar de seus problemas de saúde e das crescentes pressões, Heloisa ainda luta e busca por justiça. Em sua segunda carta publicada pelo RioOnWatch no mês passado ela destacou o terror de receber ameaças de morte. Ela escreveu: “Mas como sempre minha comunidade me deu força para falar, então saio como um grito de liberdade. Falei para a comunidade que estava sendo ameaçada, eles me deram força, e eu voltei a lutar”.
A casa e o centro espírita de Heloisa foram demolidos pela Prefeitura no dia 24 de fevereiro. No dia 3 de março, Heloisa compartilhou em sua página do Facebook um vídeo e um texto que dizia:
“Demoliram a casa de Naña, mas Naña não cai. A parte física da casa de Naña foi demolida. Estamos todos traumatizados com o momento, com o profundo desrespeito que demostraram pela minha classe social e pela minha religião, ouvi com sofrimento. Que minha casa era um lixo. Que o assentamento de Naña iria para o lixo. Mas eu estou aqui e não sairei até ter o pedaço de terra de Naña. Luto por Vila Autódromo, nós somos fortes e nossa luta contínua. Nossa voz diz Urbaniza Já!”
Sandra Maria
Sandra Maria é a mãe de quatro filhos com idades entre 11 e 20 anos que se tornou uma voz ativa e uma das faces mais visíveis da resistência da Vila Autódromo nos últimos meses.
Em novembro passado, Sandra acolheu a Rede Carioca de Agricultura Urbana e os alunos da PUC na Vila Autódromo. Ela passeou com os grupos pela comunidade e explicou a eles sobre a atual batalha que a comunidade enfrenta. Ela refletiu sobre a comunidade onde seus quatro filhos cresceram, onde “todo mundo conhece todo mundo”, onde eles eram “livres” e “muito seguros”, onde eles têm a sua história de vida.
Sandra destacou: “A maior parte da comunidade são as mulheres. As mulheres pensam em tudo e em todos. O que vai acontecer e quais serão as soluções”.
Nos últimos meses Sandra Maria tem se fortalecido e se tornou mais uma voz para a comunidade, aparecendo em um artigo da revista TIME e no vídeo do Comitê Popular denunciando o ataque de Eduardo Paes contra seus dossiers.
Semana passada a Vila Autódromo compartilhou um vídeo em sua página do Facebook onde Sandra reflete sobre a tensão das recentes semanas na Vila Autódromo. Evidentemente cansada do estresse contínuo, ela recontou as recentes pressões psicológicas que sofreu por parte do governo e agradeceu a todos que apoiam a Vila Autódromo na sua luta.
Juntamente com os demais moradores e apoiadores, Sandra afirma que a Vila Autódromo continuará resistindo. Durante a recente demolição da Associação de Moradores ela disse:
“A história da Vila Autódromo não será tão facilmente removida… Quando estes prédios [de luxo] que o senhor Carlos Carvalho diz que vai fazer, começarem a ser construídos aqui, nós estaremos aqui. Essa imagem de hoje, todas essas imagens, que tem sido registradas aqui, espancamento de morador, tudo isso, ainda existirá”.
Maria de Penha
“Eu não vou abandonar 22 anos de história por causa de 15 dias de Jogos Olímpicos.”
Embora sua pequena estrutura e a humilde personalidade possam não mostrar, Maria da Penha, mais conhecida como Penha, é uma das ativistas mais ousadas e corajosas da Vila Autódromo.
Em 8 de junho de 2015, a tropa de choque foi enviada à Vila Autódromo para remover os moradores numa chocante remoção relâmpago. A polícia usou balas de borracha, spray de pimenta e cassetetes durante um ataque físico aos moradores que deixou Penha com o nariz quebrado e seriamente ferida.
Nove meses desde a injúria, Penha luta mais forte do que nunca. Sua casa é uma das poucas casas que ainda permanecem na Vila Autódromo. A extrema ameaça das últimas duas semanas culminou na demolição da sua casa, esta manhã.
No dia 21 de fevereiro ela recebeu em sua casa uns 30 apoiadores que acamparam do lado de fora em preparação para uma demolição de manhã cedo. “Eu vou ficar em pé”, ela disse, prestando mais atenção às necessidades de seus visitantes do que as suas próprias. “Mesmo que a casa caia, vou ficar em pé”.
Penha, que viveu na comunidade por 23 anos, e cuja casa é extensão da igreja católica na comunidade, insiste que nenhuma quantia de dinheiro pode compensar sua casa, sua comunidade, suas memórias: “Sua casa não é apenas uma casa, é a história da sua vida”, ela afirma.
Nathalia Silva
Nathalia, a filha de Maria da Penha, juntou-se recentemente a sua mãe na linha de frente da batalha de resistência da Vila Autódromo com sua atitute determinada e forte, seu discurso persuasivo, e representando uma nova geração de resistência dentro da Vila Autódromo e além.
Nathalia mantém uma visão positiva em relação às mudanças e à permanência na comunidade onde nasceu e cresceu: “O que a comunidade precisa… é de urbanização e infraestrutura básica”. Ela e suas companheiras guerreiras acreditam que o prefeito precisa manter sua palavra e urbanizar a comunidade com as 50 casas restantes. Ela imagina um centro cultural, uma clínica e um berçário na futura comunidade. “Isso irá ajudar não só a nossa comunidade, mas também as comunidades vizinhas–será para o benefício coletivo”.
As mulheres da Vila Autódromo não estão lutando apenas por elas mesmas, suas famílias ou sua comunidade. Elas também estão lutando por todas as comunidades ao redor do mundo que encaram opressão e remoção. Nathalia afirma:
“Eu já vi o quão semelhante é a nossa história ao que está acontecendo com outras comunidades… Mesmo em outros estados, em outros países. Há muitas histórias de pessoas que atravessam a mesma dor que estamos passando aqui… Nossa resistência leva-os a continuar a sua própria resistência.”