No início de abril de 2016, Irenaldo Honorio da Silva, presidente da Associação de Moradores de Pica-Pau recebeu um comunicado da Prefeitura que a tão esperada urbanização prometida pelo programa Morar Carioca começaria a ser implantada no domingo, dia 3 de abril. Entretanto, os planos não eram claros. Irenaldo estava preocupado que apenas o bairro Brás de Pina receberia as melhorias. Depois chegaram notícias mais oficiais–ele foi informado que o início das obras seria no sábado seguinte, dia 9 de abril. Entretanto, na sexta-feira o evento foi cancelado sem nova data prevista e sem ninguém avisá-lo. Um mês depois, a Prefeitura ainda tem que apresentar os planos de urbanização do programa Morar Carioca para a comunidade e para as favelas vizinhas. Irenaldo e seus vizinhos estão, entretanto, acostumados a esperar: a comunidade Pica-Pau foi selecionada para participar do programa Morar Carioca em 2011, intervenções começaram em 2012, mas foram todas abandonadas, mesmo sendo uma das áreas que mais precisa dessas obras.
Irenaldo resumiu: “Estávamos quase lá, mas agora não temos mais nada. [Estava planejada] uma reunião com o prefeito para apresentação do projeto e ela foi cancelada… E nós [ainda] estamos esperando…”
Pica-Pau
Beira Pica-Pau, também conhecida como Favela de Cordovil, ou, simplesmente, Pica-Pau, é uma favela localizada na Zona Norte, no bairro de Cordovil, na Avenida Brasil.
A comunidade Pica-Pau cresceu consideravelmente desde 1962, quando as primeiras famílias começaram a ocupar antigas fazendas. Hoje existem aproximadamente 7000 pessoas dividindo um espaço de 6000m².
Os primeiros moradores de Pica-Pau foram imigrantes nordestinos de áreas rurais atingidas pelas secas, que vieram para a cidade grande em busca de oportunidades. Sem educação formal e qualificação para diversos trabalhos, essas pessoas eram apenas mão de obra barata que trabalhavam por longas horas em troca de baixos salários. Negligenciados pelas autoridades públicas e com poucos meios de sobreviver, a única opção dos moradores da comunidade Pica-Pau era construir suas próprias casas, ainda que em situação precária. Nos anos seguintes, assim como em outras favelas, o número de moradores cresceu, sem melhorias significativas de infraestrutura por parte das autoridades.
Ainda hoje o sistema de abastecimento de água oferecida pela CEDAE chega somente em poucas casas localizadas no entorno da favela. Com o crescimento do número de casas na região, os próprios moradores construíram um sistema de distribuição de água. Como não existe um sistema formal de saneamento, o esgoto é lançado no canal subterrâneo de drenagem de águas pluviais que cruza a rua principal da favela, poluindo um rio canalizado, que, por sua vez, se junta a uma boa parte do esgoto da cidade que deságua na Baía de Guanabara, contribuindo para a sua poluição.
Além disso, mesmo sem infraestrutura de abastecimento de água potável e sem saneamento básico adequado, todas as casas são obrigadas a pagarem à CEDAE, mensalmente, uma taxa básica de serviços que, no fim das contas, sequer são prestados. Indignados, muitos desses moradores, liderados por Irenaldo, entraram com uma ação contra a CEDAE devido a esta situação inaceitável. Eles ainda esperam pela resposta do processo.
Devido às condições de infraestrutura extremamente precária em dias de chuvas fortes, os moradores do Pica-Pau vivem um verdadeiro pesadelo: esgoto sai dos ralos de dentro de casa, e até das torneiras e chuveiros. Isto ocorre porque os canais de drenagem subterrâneos não são construídos para suportar o volume de águas pluviais e de esgoto juntas. Ele fica repleto das águas da chuva e, literalmente, transborda, fazendo com que as ruas fiquem inundadas e com as águas subindo. Além disso, os canos do sistema de distribuição de água potável, improvisados e pouco conservados, acabam sendo contaminados pelas águas do canal pluvial que recebe esgoto. Devido a alta pressão nos dias de chuvas torrenciais estas águas penetram nos canos que distribuem água potável, encaminhando água contaminada para dentro das casas dos moradores da comunidade.
Morar Carioca
Após longos anos em uma luta solitária contra estas questões, tentando enfrentá-las com seus próprios recursos restritos, o Morar Carioca parecia oferecer uma nova esperança para os moradores do Pica-Pau. Ele consiste em um premiado programa de bilhões de dólares administrado pela Prefeitura, e financiado parcialmente pela Prefeitura, por fundos federais e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Este programa deveria melhorar as condições de vida em 193 favelas do Rio, e Pica-Pau era uma delas.
Irenaldo explica o porquê das intervenções do projeto Morar Carioca ser tão importantes: “Existem encostas com casas em situação de risco, a água está contaminada com esgoto, não existe uma infraestrutura de saneamento adequada e não há áreas verdes, centros esportivos, quadras”, entre outras coisas.
Desde 2010, quando as firmas de arquitetura vencedoras da concorrência foram anunciadas, muito pouco foi realizado. Além disso, contradizendo a proposta do programa, pouca ou nenhuma informação foi repassada aos beneficiários do programa, como os moradores da favela Pica-Pau. O programa, de forma geral, foi abandonado. O Prefeito Eduardo Paes enfatizou bastante o programa em sua campanha de reeleição em 2012, mas o contrato com o Ibase, a principal ONG responsável pela elaboração dos diagnósticos qualitativos–que engajava as comunidades em atividades participativas, garantindo que suas demandas fossem incorporados no projeto–foi cortado sem aviso prévio, apenas três meses após a reeleição do prefeito.
Inicialmente, o atraso foi justificado pela complexa burocracia de um empreendimento tão grande. Depois, aparentemente, a Prefeitura ficou sem fundos para realizar as obras, e dependia do governo federal para tornar os recursos disponíveis. Mais recentemente, surgiu um obstáculo político: disputas eleitorais entre os principais partidos políticos parecem ser a nova razão para o abandono do projeto. Existem também aqueles que acreditam que nunca foi plano do Prefeito Eduardo Paes implantar o programa e que ele foi usado apenas para favorecer a sua imagem, já que esses projetos já estavam sendo pensados quando ele assumiu o cargo. Além disso, esses programas de urbanização das favelas–particularmente por meio de canais de participação–aumentaria a legitimidade e permanência dessas comunidades, o que prejudicaria seus aliados do setor imobiliário e impediria a cruzada das remoções, feito pelo qual o prefeito é famoso.
Ainda assim, mesmo que lentamente, as coisas parecem estar progredindo novamente: ano passado, uma autoridade da Prefeitura, engenheiros da empreiteira encarregada e um representante de finanças do BID visitaram a comunidade. A área foi mapeada e estudada e o representante do prefeito garantiu a Irenaldo que o plano de urbanização da região já estava pronto e que as obras começariam em abril.
Moradores da comunidade Pica-Pau podem estar acostumados a esperar, mas eles estão ficando cansados: “Quanto tempo teremos que esperar?”, questiona Irenaldo. “Nós, os moradores, não aguentamos esperar tanto tempo”.
A espera pode acabar em breve. O prefeito confirmou uma reunião para avançar com o projeto Morar Carioca na comunidade Pica-Pau no dia 7 de maio, às 9:00. Os moradores estão esperançosos, porém céticos, já que receberam tais promessas por tanto tempo e elas continuam sem efeito.