Nas favelas do Rio de Janeiro, moradores empreendendo com o próprio negócio suprem as necessidades locais de seus vizinhos. Só no conjunto de favelas da Maré, são mais de 140.000 pessoas divididas em 17 favelas. Cada uma dessas favelas tem seu comércio de pequeno e médio porte centralizado nas ruas principais, além das chamadas “tendinhas” espalhadas pelos becos e vielas. Há quem trabalhe sozinho na própria casa e tenha apenas uma placa pendurada na porta, como costureiras e sapateiros, por exemplo.
E essa informalidade nos negócios tem impacto direto na economia nacional: R$12,3 bilhões são movimentados todos os anos por moradores de favelas da cidade, segundo pesquisa do Instituto Data Popular em 2014.
Um desses profissionais é Simone Lauar, 40 anos, moradora do Salsa e Merengue e vegetariana, encontrou uma forma de ter seu próprio negócio aumentando sua renda familiar enquanto melhora a qualidade de vida das pessoas. Ela cozinha e prepara pratos saudáveis na casa de clientes e vende por um preço baixo. Um aprendizado compartilhado: incentiva hábitos saudáveis porque os vive. Ela emagreceu com sua mudança de vida e em paralelo, pretende continuar expandindo seu negócio. “Busco clientes e dou alternativas mais baratas para que as pessoas possam comer comida saudável sem pesar no bolso”, conta ela que vive uma rotina de trabalho diferente dos cozinheiros tradicionais.
Como moradora, não vê dificuldades em manter seu empreendimento, que se baseia em seu produto feito de forma artesanal, com receitas exclusivas e sua fama pelo bairro. Assim como o serviço de Simone, outros 3.000 empreendimentos locais existem na Maré. Estas iniciativas geram mais de 9.000 empregos para moradores do território e de outros locais também, segundo o Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré.
Uma das iniciativas não contabilizadas, mas que faz sucesso na Maré é a dupla Alves Fotografia, que já coleciona cinco anos de experiência mesmo com fotógrafas tão jovens: Giselle Alves, 25 e Isabelle Alves, 22 anos. Elas realizam ensaios fotográficos de recém-nascidos e crianças pequenas e cobram um preço justo e acessível. “Fotografamos com muito amor e isso faz com que queiramos levar o nosso trabalho ao alcance de todos”, conta.
Nessa trajetória, elas trazem provas de que todo sonho se constrói com esforço e que é preciso arriscar a cada desafio. “No começo era um improviso total, tínhamos apenas alguns acessórios e uma placa de madeira retirada de um móvel velho, cabos de luz pendurados em vassouras para iluminação e já conquistávamos clientes. Cada click é um pedacinho do nosso sonho se realizando”.
Transformar desafios em oportunidades
Segundo a Analista do Sebrae, Fabiana Xavier Ramos, o principal motivo para moradores da Maré e de outras favelas, como Cidade de Deus, Rocinha e Alemão, criarem novos empreendimentos é a necessidade, porém “o ramo no qual o morador empreenderá tem relação com suas habilidades e experiências anteriores”, conta ela. Fabiana percebe isso ao implementar o projeto Empreendedorismo em Comunidades, que capacita pessoas em territórios populares para aprender sobre gestão financeira, venda, marketing, entre outros temas. A atuação do programa é feita de acordo com o mapeamento e percepção de que há uma economia local aquecida, essa que historicamente se mantém por necessidade e criatividade.
No caminho da informalidade, existem dificuldades: no trabalho autônomo, sem vínculo com a CLT, não há remuneração nas férias, horas extras, 13º salário, fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS) ou até mesmo direito à aposentadoria. Porém, houve um crescimento do setor informal com o atual cenário da crise econômica. O setor informal acaba sendo um amortecedor econômico fundamental em momentos de crise.
E ainda mais, com a reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional–em vigor desde novembro de 2017–o trabalhador formal ficou fragilizado, por ter direitos suprimidos. Neste cenário, a prática empreendedora de favela que deixou de ser amadora há muito tempo, faz com que os profissionais do setor informal desconfiem cada vez mais do trabalho formal.
A jornalista comunitária Thaís Cavalcante foi nascida e criada na Nova Holanda, uma das favelas da Maré. Ao atuar como comunicadora comunitária em sua comunidade, decidiu cursar jornalismo na universidade e acredita no poder da informação para mudar para melhor sua realidade.