Matéria da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela sobre eventos e temas que surgem na sociedade. Esta é a primeira da nossa série especial com reações à intervenção militar federal no Rio de Janeiro.
Na sexta-feira, 16 de fevereiro, o Presidente Michel Temer decretou uma intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, passando todos os assuntos de segurança pública do estado para as mãos do General do Exército Walter Braga Netto. Relembrando a ocupação militar prolongada no Complexo da Maré de 2014 a 2015, assim como o seu papel em operações em favelas como a Rocinha e o Complexo do Salgueiro em São Gonçalo, moradores e ativistas de favela em todo o Rio reagiram imediatamente, lançando fóruns, painéis e debates, que focaram em como proteger os direitos humanos nas favelas durante a intervenção iminente.
Determinados a prevenir, documentar, e denunciar abusos, os ativistas comunitários e seus aliados têm estado vigilantes nas mídias sociais. O coletivo Maré Vive do Complexo da Maré foi uma das várias vozes que soou o alarme quando os representantes do governo exploraram a ideia de mandados de busca e apreensão coletivos: “Vamos se preparar porque os direitos humanos e a constituição federal vão pro lixo nessa intervenção federal. Será que esse mandato coletivo serve pros Complexos da Barra, Ipanema, Leblon e São Conrado?”
Após a pressão da sociedade civil por grupos como o Maré Vive e a indignação pública geral, o governo federal desistiu da proposta dos mandados de prisão coletivos e adotou uma retórica mais cautelosa sobre os mandados de busca coletivos, deixando em aberto a opção que estes últimos poderiam ser usados caso-a-caso. No entanto, buscas mais flagrantes já ocorreram. No dia 20 de fevereiro, as forças armadas revistaram as mochilas de crianças como parte de uma operação na favela Kelson’s na Zona Norte do Rio. A foto na capa da Folha de São Paulo (abaixo) pelo fotógrafo, da AP, Leio Correa espalhou-se rapidamente no dia seguinte.A moradora do Complexo do Alemão e fundadora do Favela Art Mariluce Mariá de Souza compartilhou o quadrinho entitulado “Inconstitucional”, abaixo, com o seguinte diálogo: “’Achou algum elemento perigoso, soldado?!’ ‘Sim comandante!! Achei LIVROS!’”
Os militares começaram a fotografar e ‘fichar’ moradores de favelas como parte de uma operação nas favelas da Vila Kennedy, Coreia, e Vila Aliança, na Zona Oeste do Rio, no dia 23 de fevereiro. As notícias deste processo incomum–uma medida declarada inconstitucional pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e pela Defensoria Pública–e as imagens dos militares fotografando os moradores das favelas invadiram as mídias sociais:
A página comunitária da Vila Kennedy no Facebook, VOZ da Vila Kennedy marcou a página do exército brasileiro e relatou: “Várias pessoas foram abordadas no meio da rua e fotografadas junto com seus documentos de identificação, incluindo homens, mulheres e até idosos. Perguntamos ao Exército Brasileiro: Tirar Fotos de RG e dos cidadãos, feitas por celulares particulares de soldados é uma prática comum? Se quiserem identificar os moradores deveriam trazer um sistema próprio de identificação do Exército. [Tirar] Fotos em celulares particulares é contra a lei. Não somos contra a Operação Militar, somos contra os excessos cometidos nela”.
O historiador e ativista Fransérgio Goulart, de Manguinhos, imaginou a indignação que resultaria se algo similar acontecesse na Zona Sul, escrevendo no Facebook: “E se essa imagem e ação da Intervenção militar acontecesse com moradores de um condomínio da Zona Sul ou da Barra da Tijuca?”
Outros apontaram o financiamento desproporcional do governo com as operações militares comparado aos gastos sociais. Compartilhando um relatório mostrando que os custos da ocupação militar da Maré durante 15 meses foram quase o dobro dos gastos sociais da Prefeitura na Maré durante seis anos, a moradora de Manguinhos e representante da Redes Contra a Violência, Ana Paula Oliveira perguntou: “Na SAÚDE e na EDUCAÇÃO eles não querem investir, porque será?? Tá bem claro que não é por falta de dinheiro né?”
Em um debate no programa de TV, Globo Comunidade, compartilhado no Facebook pelo coletivo de mídia do Alemão Voz das Comunidades, o fotógrafo comunitário Betinho Casas Novas ecoou Ana Paula, dizendo: “As favelas sofrem intervenção federal, sofrem intervenção das forças militares há bastante tempo… Antes dessa intervenção na área de segurança deveria ter intervenção em outros setores: a educação, a saúde, a cultura que é o que a gente precisa…”
Ao resistir à primeira intervenção federal na segurança do Estado desde a ditadura, defensores nas favelas do Rio não enfrentam uma tarefa fácil. As primeiras duas semanas da intervenção indicam, no entanto, que a presença vibrante e ativa nas mídias sociais de moradores das favelas impactadas será uma força poderosa contra os abusos de direitos humanos. Encorajada por esta união sem precedentes, a jornalista comunitária, Gizele Martins, da Maré, escreveu no Facebook: “É a primeira vez na minha vida que vejo os mais diversos movimentos sociais falando em – um momento só – e se juntando para lutar contra a militarização nas favelas. Geral sempre falou, mas hoje tá geral neste momento juntando forças! Vamos juntxs! Favela vive! Chega de militarização!”