No Rio de Janeiro, três mulheres negras e faveladas que trabalhavam no mandato de Marielle Franco foram eleitas deputadas estaduais: Renata Souza (PSOL), pesquisadora pós-doutoranda em mídia e resistência à militarização e moradora da Maré, Mônica Francisco (PSOL), cientista social, pastora evangélica e ativista do Borel, e Dani Monteiro (PSOL), jovem militante e estudante de Ciências Sociais do São Carlos. Também foi eleita Talíria Petrone (PSOL), mulher negra, professora da rede estadual e também amiga próxima de Marielle, e Benedita da Silva (PT) do Chapéu Mangueira, primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores (em 1982), única mulher negra eleita para o Senado (em 1994), e primeira negra a assumir um governo de Estado (em 2002).
Em São Paulo, a primeira mulher trans no Brasil foi eleita deputada estadual: Érica Malunguinho (PSOL). Érica é também mulher negra, nordestina e fundadora do centro cultural e político Aparelha Luzia, um espaço de resistência negra no centro de São Paulo também chamado de um quilombo urbano.
Em Pernambuco, o mandato coletivo Juntas do PSOL foi eleito deputado estadual. Como a legislação ainda não permite mandatos coletivos, a ambulante e militante dos trabalhadores sem-teto Jô Cavalcanti registrou seu nome como “Juntas” e fez campanha em conjunto com outras quatro mulheres co-candidatas, formando um mandato predominantemente negro e de origem popular: Katia Cunha, professora e militante sindical e feminista, Carol Vergolino, jornalista do audiovisual e militante feminista, Joelma Carla, universitária e militante do agreste pernambucano, Robeyoncé, advogada e mulher trans de uma comunidade de Recife, e a própria Jô Cavalcanti.
Em Minas Gerais, foi eleita deputada federal Áurea Carolina (PSOL) como a mulher mais votada para o cargo e a deputada estadual Andreia de Jesus (PSOL), ambas mulheres negras. Em 2016, Áurea havia sido a vereadora mais votada de Belo Horizonte. Em Roraima, a primeira mulher indígena a se formar advogada é também a primeira mulher indígena eleita deputada federal: Joênia Wapixana (REDE). Dos 513 deputados federais em Brasília, foram eleitas ao todo 77 deputadas, 26 a mais que nas últimas eleições. Dentre essas, o número de mulheres negras subiu de 10 para 13.
Apesar do aumento de representatividade, a configuração das assembleias estaduais e da Câmara de Deputados é um triste reflexo do momento de polarização. Não coincidentemente, na Câmara, os dois partidos que mais garantiram assentos foram o PT e o PSL (partido de Bolsonaro), com 56 e 52 deputados respectivamente. O PSL teve apenas um deputado eleito em 2014 na Câmara. Dos representantes do Rio de Janeiro na Câmara, o candidato mais votado foi Hélio Negão, um militar negro do PSL, partido puxado pelo candidato à presidência que dá declarações abertamente racistas. O mesmo deputado que foi o mais votado obteve apenas 480 votos quando tentou se eleger dois anos antes vereador de Nova Iguaçu, município com quase 600.000 eleitores. O aumento acentuado de votos para ele e outros candidatos do PSL na reta final da eleição pode ser atribuído em grande parte ao uso estratégico do WhatsApp como meio para a disseminação de notícias falsas direcionadas a indivíduos (uma estratégia desenvolvida com o apoio de Steve Bannon, empresário americano no ramo da grande mídia e ex-chefe de estratégia de Trump), enquanto a aproximação contraditória entre os dois candidatos pode ser atribuída a uma estratégia de campanha para blindar Bolsonaro das denúncias de racismo e aproximá-lo dos quase 55% da população brasileira que são negros e pardos.
No Senado, os partidos que mais elegeram foram MDB, REDE e PP, em comparação com a configuração atual em que os partidos que mais têm senadores são DEM, PSDB e PT. Dos 54 eleitos, sete são mulheres mas nenhuma é mulher negra, e irão se juntar a 5 que permanecem para um total de 12 senadoras (atualmente são 13). No Rio de Janeiro, foram eleitos Flávio Bolsonaro (PSL) e Arolde de Oliveira (PSD), ambos apoiados pelo Bolsonaro, para compor o Senado com Romário (Podemos), que cumprirá os outros quatro anos do seu mandato.
Na ALERJ, cresceu o número de deputadas negras e faveladas, mas também cresceu o número de deputados do PSL. É o partido com maior representação: 13 deputados estaduais. Dos cinco mais votados, quatro são dos PSL–inclusive o deputado mais votado é o até então desconhecido Rodrigo Amorim, um dos que protagonizou a lamentável cena de destruição da placa que homenageava a Marielle e que por esse mesmo fato ganhou proeminência nas redes sociais. As maiores bancadas depois do PSL são do DEM (6 deputados), MDB e PSOL (com cinco cada). O resultado é uma ALERJ bastante segmentada, com representações de 26 partidos.
Para os cargos executivos o cenário é ainda mais desalentador. Foram para o segundo turno para governador Wilson Witzel (PSC) e Eduardo Paes (DEM). Witzel, o candidato apoiado por Bolsonaro, recebeu 41% dos votos válidos. O apoio de Bolsonaro, além das transmissões no WhatsApp em massa de última hora feitas por seus apoiadores com a chamada cola dos números dos candidatos recomendados por ele, podem explicar o crescimento exponencial na reta final de um candidato sem experiência anterior na política e que a menos de três semanas das eleições tinha apenas 2% das intenções de voto. Já Eduardo Paes teve 20% dos votos válidos. De um lado, Witzel, que defende “resguardar o policial de uma eventual condenação jurídica“, isto é, dar mais liberdade para que ajam sem temer punição em um dos estados do Brasil que mais mata negro e pobre, e do outro, Paes, que autorizou a remoção truculenta de inúmeras favelas no período pré-olímpico. Nenhum dos dois candidatos esteve presente nos debates com moradores de favela.
Witzel surgiu na mídia em 2013, quando decretou a prisão dos manifestantes e demandou a desocupação do Museu do Índio, ocupado por indígenas que foram retirados da Aldeia Maracanã violentamente pela polícia. Em seu programa de governo, diz que “a questão da segurança pública precisa voltar a ser ‘caso de polícia’, e não mais caso de política”. Além disso, o candidato também aparece discursando ao lado dos dois deputados eleitos do PSL no momento da destruição da placa de Marielle.
Já para o cargo de presidente, o candidato Jair Bolsonaro foi para o segundo turno com 46% dos votos válidos. Suas propostas incluem proteger juridicamente policiais que cometem crimes durante o exercício profissional e tipificar como terrorismo a permanência em uma propriedade sem o título da terra, ambas ameaças diretas à integridade física e ao direito à moradia de moradores de favelas. Já se pronunciou também a favor das milícias–que atuam com violência e protagonizam crimes de extorsão e muitas vezes de tráfico de drogas–inclusive defendendo sua legalização e o apoio do Estado a elas, mas nos últimos anos vem suavizando esse discurso, devido à alta rejeição.
Suas falas são imbuídas de claro racismo. Ao ser perguntado o que acharia de um de seus filhos namorar uma mulher negra, disse: “Não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Eu não corro esse risco. Os meus filhos foram muito bem educados”, em uma triste associação de promiscuidade com raça. Disse ainda que “não entraria em um avião pilotado por um cotista, nem aceitaria ser operado por um médico cotista“. Após visitar uma comunidade quilombola, Bolsonaro disse que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas” e que os moradores “não fazem nada, eu acho que nem pra procriador servem mais” e que se fosse eleito acabaria com todas as terras indígenas e quilombolas.
Ele ainda tem falas alarmantes acerca de ativistas sociais. No vídeo em que comenta o resultado do primeiro turno, diz que vai acabar com o ativismo no Brasil, uma ameaça à sociedade civil cujo mais importante trabalho é buscar de forma democrática monitorar, incidir e cobrar transparência dos governos e promover direitos humanos, incluindo evitar e denunciar a violação de direitos de moradores de favelas. Ele diz ainda que irá retirar o país da ONU, organização internacional que reúne todos os países do mundo e que tem por objetivo, em linhas gerais, promover a cooperação entre os países, inclusive em torno do direito internacional, da segurança internacional, do desenvolvimento econômico, do progresso social, dos direitos humanos e da paz mundial.
É possível argumentar que ele obteve tantos votos menos por suas propostas–que são escassas em seu plano de governo, que é mais agressivo que propositivo, e são escassas também no seu discurso, já que ele não participa dos debates–e mais pelo que ele representa. E o que ele representa e autoriza já estamos vendo os efeitos antes mesmo dele ser eleito. Na noite do primeiro turno, na Bahia o compositor e mestre de capoeira Moa do Katendê foi esfaqueado e assassinado por um cidadão que defendia Bolsonaro em uma discussão política. Durante a campanha, torcedores cantaram para a torcida adversária no metrô de São Paulo que Bolsonaro iria matar homossexuais.
O ataque às favelas e seus moradores que está sendo legitimado pela figura do candidato pode ser exemplificado nesta troca que aconteceu no Twitter, em que um eleitor reforça a fala de Bolsonaro de que mandaria metralhar a Rocinha se os bandidos de lá não se entregassem, e culpa um morador pelos tiroteios que ocorrem perto da sua casa por sua suposta falta de vontade de trabalhar. O morador em questão é René Silva, morador do Alemão e criador do veículo de mídia alternativa Voz das Comunidades, que acaba de ser reconhecido como um dos 100 negros com menos de 40 anos mais influentes do mundo pela organização Most Influential People of African Descent (Afro descendentes mais influentes), de Nova Iorque, prêmio que Taís Araújo e Lázaro Ramos ganharam no ano anterior.
Há quem diga que presidente não legisla sozinho e que o candidato Bolsonaro, caso eleito, não será capaz de passar pelo Congresso suas ideias mais extremistas. Essa crença deve ser revista em tempos de polarização e diante da nova configuração do Congresso, com uma presença bastante expressiva do seu partido.