Esta é a nossa mais recente matéria sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
No dia 30 de março, a Rocinha registrou sua segunda morte pelo novo coronavírus. Ambas vítimas, Maria Luiza Santana do Nascimento e Antônio Edson Mesquita Mariano, tinham chegado na Unidade de Tratamento Intensivo da Rocinha apresentando sintomas da Covid-19–tosse, febres altas, dificuldades em respirar–e ambos foram mandados para casa. Só no dia 6 de abril, a favela já havia registrado quatro casos confirmados de Covid-19; nem Maria Luiza nem Antônio estavam incluídos neste número. Hoje, Rocinha já conta com 34 casos.
Durante uma semana tensa de mensagens dúbias vindo de diversas instâncias do governo, muitos moradores da Rocinha provisoriamente voltaram ao trabalho. Na sequência dos comentários anti-científicos de Jair Bolsonaro durante uma declaração pública em 24 de março, na qual ele se referiu ao vírus como nada mais que uma “gripezinha”, a circulação de moradores se reafirmou. Depois de fecharem inicialmente sob as recomendações do governo do Estado, cerca de metade das lojas nas áreas comerciais mais movimentadas da Rocinha, a Via Ápia e o Largo do Boiadeiro, reabriram, com alguma “meia-abertura” para serviços apenas para entregas.
Por toda a cidade–a Rocinha não é uma exceção–Clínicas da Família se depararam com a falta de condições para lidar com o surgimento de casos da Covid-19. Sob a administração do prefeito Marcelo Crivella, os recursos destinados à saúde pública foram desviados para outras áreas, e as clínicas das comunidades foram as mais afetadas. Na Rocinha, os serviços de atenção básica à saúde sofreram, principalmente, pela negligência da prefeitura, e pelos cortes de orçamento que levaram a uma redução do pessoal, a paralisações e atraso nos salários. A principal Clínica da Família da Rocinha, a Clínica Maria do Socorro Silva e Souza, foi especialmente comprometida: ao longo do ano passado, a clínica perdeu 11 trabalhadores efetivados. Ela agora enfrenta uma carência crônica de remédios e suprimentos médicos.
De acordo com o site da Prefeitura do Rio, “As Clínicas da Família são um marco que representa a reforma da Atenção Primária no município do Rio de Janeiro. O modelo tem como objetivo focar nas ações de prevenção, promoção da saúde e diagnóstico precoce de doenças”. Porém, no início de março, a Clínica da Família Rinaldo de Lamare estava sem médicos. As equipes agora foram recompostas e barracas foram instaladas ao ar livre.
Tais clínicas podem brevemente se depararem com superlotação, dado que as características físicas da favela combinadas com a negligência do Estado as fazem especialmente vulneráveis à transmissão do coronavírus. A Rocinha, em comparação com outras favelas e a cidade como um todo, é particularmente densa, nove vezes mais que a média na cidade e cinco vezes mais densa que a área construída na Zona Sul. Algumas partes da comunidade, portanto, já estão familiarizadas com doenças respiratórias (em particular a tuberculose), devido a condições precárias, sem ventilação adequada ou saneamento de qualidade. A atual falta de água na comunidade exacerba a ameaça.
Mobilização Comunitária, Soluções Comunitárias
Sem as medidas preventivas e provisões adequadas de suprimentos, um surto em grande escala de Covid-19 poderia devastar a comunidade. Conscientes dessa ameaça, organizações locais e coletivos entraram diretamente em ação, lançando campanhas em defesa e de doação para o fortalecimento de medidas preventivas, apoiando alguns dos moradores mais vulneráveis da comunidade.
Dentre elas, está o Vivendo um Sonho, um projeto comunitário de surfe iniciado pelo morador Carlos Belo da Silva. A iniciativa usa o surfe como uma ferramenta sócio-educacional, oferecendo aulas gratuitas para jovens da comunidade. Desde os primeiros dias de março, o Vivendo um Sonho fez uma parceria com a ONG Grupo Familia na Mesa e outras organizações locais para entregar comida e kits de higiene para alguns dos cidadãos mais vulneráveis. Respeitando a decisão do Estado para o fechamento das praias do Rio, Carlos parou de lecionar. Ele decidiu usar suas redes comunitárias para ajudar na ação preventiva na Rocinha. Para Carlos, “é importante, agora, ajudar a comunidade porque muitas pessoas estão sem trabalho, vários idosos, muitas famílias que têm pessoas deficientes em casa e não têm como comprar alimento. Como a gente é referência, e temos conhecimento [da comunidade], a gente vai atrás e as pessoas doam para a gente estar repassando [as doações]”.
Outra iniciativa comunitária, A Rocinha Resiste foi lançada no meio de março usando a hashtag #ARocinhaContraCorona com o objetivo de conscientizar e fomentar o combate contra a Covid-19. O grupo pretende mobilizar sua rede comunitária, usando as doações recebidas e seus dados de coleta para trabalhar a prevenção e tratamentos em casos de Covid-19. Esses são serviços que o governo deveria estar providenciando, mas como um dos fundadores da rede, Magda Gomes, explicou: “As favelas do Rio de Janeiro são diferentes entre si, mas têm em comum deficiências históricas de infraestrutura urbana básica e de prestação de serviços públicos, que deveriam ser direitos de qualquer um, mas são restritos às áreas mais abastadas da cidade”.
Enquanto o presidente continua a liderar o país em direção a uma catástrofe da saúde, as favelas da nação são as áreas mais vulneráveis perante a pandemia. Diante de uma crise de saúde pública de proporções sem precedentes, a Rocinha continua a trabalhar em conjunto–como sempre fez–na ausência de assistência médica adequada e do acesso aos serviços do Estado.
Se você deseja fazer uma doação ou contatar algumas das organizações mencionadas nesta matéria, você pode contatá-los usando as informações a seguir:
Vivendo Um Sonho (e organizações parceiras)
Instagram: @vussurfrocinha @grupofamilianamesa
A Rocinha Resiste
Instagram: @arocinharesiste @maagdaagomes
WhatsApp: +55 21 99006-3901
Email: arocinharesiste@gmail.com