Neste domingo, 26 de julho de 2020, completam-se 30 anos da Chacina de Acari. A data marca o início das atividades da 5ª edição do Julho Negro, articulação internacional contra a militarização, o racismo e o apartheid no mundo, organizado por movimentos de favelas do Rio de Janeiro e mães e familiares de vítimas da violência de Estado como as Mães de Acari. Na última sexta (24/7), movimentos de luta do Julho Negro promoveram um Twittaço para dar visibilidade a luta contra o genocídio da população negra a partir da hashtag #ChacinaDeAcari30Anos.
As Madres de la Plaza de Mayo, da Argentina, procuravam seus filhos desaparecidos na ditadura militar. As Mães de Acari procuravam seus filhos desaparecidos na “democracia”. #ChacinaDeAcari30Anos
— Favela em Pauta (@favelaempauta) July 24, 2020
Na noite de 26 de julho de 1990, um grupo de 11 jovens, sendo 7 menores de idade, a maioria negros e moradores da favela de Acari, na Zona Norte, estavam em um sítio em Suruí, município de Magé, na Baixada Fluminense, quando homens encapuzados, identificados como policiais, os sequestraram.
O caso, ocorrido apenas cinco anos após o fim da ditadura militar, ficou conhecido como a Chacina de Acari. Os policiais responsáveis pelo crime foram integrantes do grupo de extermínio Cavalos Corredores, atuante na década 1990, e também responsável pela Chacina de Vigário Geral, na qual 21 moradores da favela foram executados dentro de suas casas enquanto dormiam.
Daí em diante, de acordo com investigações da época, nada mais se soube dos jovens. Seus corpos nunca foram encontrados. Apenas a kombi que os levou até o sítio foi encontrado nas proximidades. O crime da Chacina de Acari foi o precursor do movimento de luta de mães vítimas de violência de Estado no Brasil. Como com as Mães de Acari, são mães que fazem da luta o motor para aplacar a dor da perda de seus filhos (e neste caso, em especial, num luto incompleto).
Foram as Mães de Acari que não deixaram o caso cair no esquecimento frente ao Estado e a mídia, atuando como investigadoras, o que custou a vida de uma delas: Edmea da Silva Euzébio, assassinada em 15 de janeiro de 1993, na Praça 11, no Centro, três anos após o desaparecimento do filho Luiz Henrique da Silva Euzébio. Outras duas Mães de Acari também foram assassinadas.
Acari foi a primeira favela a sofrer com uma chacina após a ditadura militar, esse ocorrido marcou o início das Mães de Acari, que iniciaram por conta própria a busca pelos filhos e por justiça. #ChacinaDeAcari30Anos pic.twitter.com/oPoB8yFR1t
— Luis Melo ❤✊ (@luismelo025) July 24, 2020
A Chacina de Acari se reveste de especial importância não apenas porque antecedeu a uma série de outras chacinas (Candelária, Vigário Geral, Nova Brasília, entre outras), mas também porque revela um conjunto de características estruturais racistas que funciona através de agentes da segurança pública do Rio de Janeiro, frente à população negra e pobre moradora de favelas e periferias. Descortina um padrão análogo de investigação, silenciamento e impunidade que ocasiona, até os dias de hoje, o genocídio da população negra, com “permissão” velada do Estado.
Em 1994, a Anistia Internacional no Brasil identificou o envolvimento de policiais do 9° batalhão da Polícia Militar de Rocha Miranda e detetives da 39ª Delegacia de Polícia da Pavuna com o desaparecimento dos jovens. Mesmo assim, de acordo com investigações da época, por falta de provas (e prescrição), o inquérito foi encerrado em 2010, sem que ninguém fosse indiciado pelo crime. O Batalhão da Polícia Militar da região de Acari, até os dias de hoje, encabeça o ranking de mortes de civis em confrontos, conforme demonstra o relatório da Anistia Internacional Você Matou Meu Filho.
Para Buba Aguiar, integrante do Coletivo Fala Akari, a Chacina de Acari atravessa sua história. Ela nasceu na Baixada Fluminense e já perdeu “inúmeros amigos homens em execuções sumárias e chacinas”. Cria de Acari, segundo ela, a história da chacina é como se fosse a sua própria história. Por isso, toma como seu dever levar adiante a luta das Mães de Acari.
“É triste demais ver que uma chacina como essa ocorreu dois anos antes de eu nascer e hoje, eu com 28 anos, a Chacina de Acari completa 30 e ainda travamos a mesma luta daquelas mães. Governos mudaram, os crimes não foram solucionados e continuam se repetindo. Moradores da favela de Acari ainda sofrem nas mãos dos agentes do Estado. Agora os algozes são outros, mas não menos violentos”, diz. E conclui:
A visão de que o Estado é o único monopolizador aceitável da violência na sociedade coloca no mesmo um manto de impunidade e com isso vemos ocorrer o que estamos vendo: uma chacina há 30 anos sem resposta #ChacinaDeAcari30Anos
— Buba Aguiar (@BuubaAguiar) July 24, 2020
As 11 vítimas da Chacina de Acari são:
Rosana Souza Santos, 17 anos
Cristiane Souza Leite, 17 anos
Luiz Henrique da Silva Euzébio, 16 anos
Hudson de Oliveira Silva, 16 anos
Edson Souza Costa, 16 anos
Antônio Carlos da Silva, 17 anos
Viviane Rocha da Silva, 13 anos
Wallace Oliveira do Nascimento, 17 anos
Hédio Oliveira do Nascimento, 30 anos
Moisés Santos Cruz, 26 anos
Luiz Carlos Vasconcelos de Deus, 32 anos
Julho Negro Online
Diante da pandemia da Covid-19, o V Julho Negro acontece com atividades online, do dia 26 a 30 de julho, discutindo como a pandemia da Covid-19 agrava o racismo, a militarização e o apartheid no mundo. Veja a programação de 2020 aqui.
O primeiro Julho Negro aconteceu em 2016 e contou com a participação do movimento norte-americano Black Lives Matter. No ano seguinte, foi a vez de discutir as similaridades entre as ocupações militares no Brasil, Haiti e Palestina.
A partir daí, o Julho Negro seguiu promovendo encontros a cada ano com ativistas do Brasil, Palestina, Chile, Argentina, África do Sul, Venezuela, Colômbia, México, Índia e do povo Mapuche, entre outros. A ideia é fortalecer a solidariedade internacional na luta contra os muros, as fronteiras e os genocídios.