1º Intercâmbio Internacional da Rede Favela Sustentável, Parte 2: Mobilização Comunitária na Pandemia e Roda Cultural em 5 Nações

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Esta é a segunda de duas matérias cobrindo os eventos do 1º Intercâmbio Internacional da Rede Favela Sustentável, realizado no dia 28 de agosto de 2021. Leia a primeira parte aqui.

Dando continuidade a nossa cobertura do primeiro Intercâmbio Internacional da Rede Favela Sustentável*, que ocorreu em 28 de agosto de 2021, esta matéria relata os resultados da roda de conversa entre mobilizadores comunitários de favelas e comunidades desinvestidas em cinco países, e o intercâmbio cultural que se seguiu. Quatro perguntas foram preparadas pedindo a cada participante que descrevesse seus desafios, táticas de organização, respostas à pandemia e como seu trabalho se relaciona com questões de justiça social.

A facilitadora da roda de conversa foi Lidiane Santos, do Alfazendo, organização comunitária com sede na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Participaram da conversa: Brian Otieno, também conhecido pelo nome artístico, Stoneface Bombaa, membro do Centro de Justiça Social de Mathare no Quênia; Jane Anyango, ativista queniana e fundadora do Projeto de Desenvolvimento Polycom; Sharon De La Cruz, diretora de sustentabilidade do The Point CDC, no Bronx, Nova Iorque; Iara Oliveira, fundadora e coordenadora do Alfazendo; Prince Nosa e Grace Timi, da Chicoco Rádio, em Port Harcourt, Nigéria; Rose Molokoane, coordenadora da Federação Sul-Africana de Pobres Urbanos (FEDUP) e membro do Comitê de Gestão da Slum Dwellers International (SDI); e Ana Santos, fundadora do Centro de Educação Multicultural (CEM) no Complexo da Penha, Rio de Janeiro.

Quais são seus maiores desafios como liderança comunitária?

A primeira pergunta foi sobre os desafios que cada um enfrenta como liderança comunitária. Stoneface Bombaa começou descrevendo os problemas enfrentados com a polícia em sua comunidade de Mathare, a segunda maior favela de Nairóbi. Stoneface descreveu como a polícia bloqueia e impede as ações locais. Jane Anyango, também de Nairóbi, descreveu as condições em Kibera—a maior favela da cidade—onde ela trabalha. Ela descreveu as dificuldades do seu trabalho, tendo-se tornado uma referência para as mulheres que “nos olham como fonte de esperança”. Pessoalmente, ela se sente triste e as mulheres a quem apoia se sentem perdidas quando sua organização não tem como ajudá-las. “Às vezes não temos recursos suficientes para ajudar. Não recebemos apoio suficiente do governo, embora trabalhemos muito para as comunidades”, disse Jane.

Do Bronx, em Nova Iorque, Sharon De La Cruz respondeu à mesma pergunta destacando que “um dos principais desafios agravados pela pandemia é o processo de mobilização comunitária. Todos nós podemos ter a melhor das intenções, mas como está o seu processo? [Devemos] pensar em como o processo pode ser o mais inclusivo possível, levando em consideração nos processos de planejamento, que se houver um ponto de discordância, devemos abordá-lo sem que as coisas se tornem pessoais”.

Quais são as táticas e estratégias de mobilização que costuma usar?

A segunda questão colocada foi sobre as táticas e estratégias que cada liderança usa para organizar e mobilizar sua comunidade. Iara Oliveira compartilhou que, no Alfazendo, aprenderam que ouvir e respeitar a todos é a melhor estratégia para lidar com as pessoas e lutar por direitos em um ambiente participativo. Prince Nosa e Grace Timi disseram que primeiro tentam entender o que a comunidade precisa e só então começam a planejar. Na comunidade, eles “usam um mapa e nós nos colocamos nele para dizer de onde viemos. E isso [faz com que todos os participantes do processo] tendam a nos contar histórias. E a partir dessas histórias começamos a planejar”, disse Prince.

Jane Anyango afirmou que, em sua organização, procuram sempre alinhar o trabalho que realizam com os marcos existentes, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Nova Agenda Urbana. “Também fazemos muita incidência política a nível comunitário e frequentemente colaboramos com pessoas que simpatizam com a causa. Usamos muitos agentes locais e tentamos fazer as pessoas falarem muito, para que possamos ecoar suas vozes. Fazemos muitas palestras no rádio, mostramos filmes e também fotos”, disse Jane.

Como você acha que seu trabalho se relaciona com temas de justiça?

Como o trabalho de cada um se relaciona com as questões de justiça (ambiental, climática, social, racial, gênero, juventude) foi a terceira pergunta feita. Ana Santos, do Centro de Integração Multicultural (CEM) na Serra da Misericórdia, listou os problemas gêmeos da insegurança alimentar e justiça climática, aos quais ela e seus colegas respondem buscando soberania alimentar, água, moradia adequada e agroecologia. “Se não formos nós por nós, estaremos muito mais enfraquecidos nessa sociedade. Esse evento me deixa muito mais fortalecida, me sinto numa rede muito maior. O trabalho é local, mas a articulação é mundial”, disse Ana. Rose Molokoane da SDI também respondeu que eles lutam muito pela terra e por serviços na África do Sul, enfrentando remoções e violações sociais pelo governo.

Ela acrescentou: “Se conseguirmos que as pessoas tenham seus direitos, suporte moral e financeiro, podemos trabalhar juntos e solucionar os problemas. Precisamos fazer barulho de uma forma positiva. Precisamos planejar a longo prazo, não apenas para as comunidades de hoje. As mulheres não estão absolutamente seguras. Seus filhos não estão seguros. O desemprego é enorme. Estamos lutando para que as coisas sejam feitas corretamente. Se não fizermos agora, nos arrependeremos mais tarde”.

Como o desafio da pandemia afetou a sua comunidade e quais respostas você realizou?

A pergunta final tratou dos desafios enfrentados por suas comunidades para responder à pandemia. Sharon De La Cruz foi a primeira a responder, dizendo que notou, no Bronx, que a falta de acesso à internet em muitos lares resultou na violação do direito das crianças à educação. Ana Santos relatou que sua comunidade sofreu com questões de moradia e com a falta de recursos financeiros devido à resposta tardia do governo à crise, que resultou na falta de dinheiro para pagar o aluguel e na entrada de mais pessoas no tráfico de drogas para ganhar dinheiro.

Iara Oliveira também contribuiu dizendo que, atualmente, a segurança alimentar é um grande problema: “Sem o trabalho das organizações de base, um número muito maior de pessoas teria morrido. Fomos deixados sozinhos, com um presidente negacionista. Com a pandemia, passamos a distribuir cestas básicas, o que não é nosso objetivo habitual. Pudemos atender sete mil pessoas”. Rose Molokoane encerrou a segunda sessão contando que a pandemia bloqueou a maioria de seus projetos e que não poder viajar para o exterior prejudicou seu movimento.

Assista à Segunda Sessão da Roda de Conversa no 1º Intercâmbio Internacional:


Roda Cultural Afetiva Encerra o 1º Intercâmbio Internacional da RFS

Após um rápido intervalo, a terceira e última sessão de intercâmbio começou. Cada organização e o público foram incentivados a compartilhar elementos culturais ou filosóficos para inspirar resiliência uns aos outros. Músicas, poemas, leituras e depoimentos foram trocados em uma dinâmica mais casual, facilitada por Bruno Almeida, professor, historiador e coordenador geral do Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz (NOPH), primeiro ecomuseu comunitário do Brasil, e membro do Grupo de Trabalho de Memória e Cultura da Rede Favela Sustentável.

Os diversos intercâmbios emocionaram o público, trazendo discursos emocionantes e arte inspiradora. Nill Santos, fundadora e coordenadora da Associação Mulheres de Atitude e Compromisso Social (AMAC), em Duque de Caxias, na Grande Rio, chamou a atenção para o poder coletivo levantado naquele dia: “A gente fica cansado e nos sentimos sozinhos, mas é incrível ver que estamos aqui juntos, com as mesmas lutas. Não estamos sozinhos. Sabe porquê? Nós somos a energia que alimenta e sustenta este país. Eu só sou, porque nós somos. É isso que nos alimenta”.

Na sequência,  Zoraide Gomes, conhecida como Cris dos Prazeres, manifestou sua paixão pela natureza e ecologia com um discurso esperançoso, seguida por Prince Nosa e Grace Timi que compartilharam o vídeo “Somebody’s Brother”—produzido pela Rádio Chicoco—que aborda a violência policial:

Sharon De La Cruz mostrou um vídeo das crianças de sua comunidade cantando All I Want for Christmas is You. Ana Santos, Maria Consuelo Pereira dos Santos, Julio Fessô, Thállita Sanches e Lidiane Santos leram textos e poemas originais, os quais, juntamente com os de outros membros do público, foram compartilhados no Padlet:

 

Uma “Nuvem de Força” foi produzida durante o evento e compartilhada via Zoom, respondendo à pergunta: O que te dá força na luta pela justiça socioambiental?

O evento terminou com vozes combinadas cantando o Rap da Felicidade, celebrando as favelas, seu sentimento de pertencimento e um desejo comum de um futuro melhor entre todas as favelas e comunidades desinvestidas do mundo:

Assista à Última Sessão e Troca Cultural do 1º Intercâmbio Internacional:

Esta é a segunda de duas matérias cobrindo os eventos do 1º Intercâmbio Internacional da Rede Favela Sustentável, realizado no dia 28 de agosto de 2021. Leia a primeira parte aqui.

*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras. A RFS tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil.


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