Fórum Grita Baixada Lança ‘II Boletim Racismo e Violência na Baixada Fluminense’, com Foco em Denunciar Assassinatos de Crianças

Foto por BP Miller no Unsplash

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O Fórum Grita Baixada lançou, em novembro, o II Boletim Racismo e Violência na Baixada Fluminense que traz narrativas e informações a respeito dos impactos da violência de Estado na região. O conteúdo da publicação se concentra em denunciar o assassinato de crianças e adolescentes negros e periféricos, através de fontes produtoras de dados e depoimentos de jovens e de militantes dos territórios da Baixada Fluminense

De acordo com dados do Fogo Cruzado, coletados entre 2017 e 12 de outubro deste ano, a Baixada Fluminense concentrou 25% do total de crianças baleadas na Região Metropolitana do Rio, sendo a segunda região do Grande Rio com mais vítimas menores de 12 anos neste período. Duque de Caxias, onde as primas Emily e Rebecca foram mortas, é o município, de todo o Grande Rio, que, em 5 anos, teve o maior número de crianças vítimas da violência armada: foram 11 vítimas.

“Dentre as inúmeras sensações que nos despertam na Baixada Fluminense, talvez a mais contundente delas, na atualidade, seja a da violência. A gente costuma dizer que a Baixada é uma terra violentada e, nesse sentido, as narrativas contidas neste segundo boletim não nos deixam mentir: são crianças e jovens sendo assassinados por um Estado que deveria garantir segurança e vida. São crianças e jovens negros amedrontados com uma violência real de um Estado que mata cotidianamente e nem ao menos se responsabiliza”, explica Lorene Maia, mestre em desenvolvimento territorial e políticas públicas, professora tutora de inclusão social e articuladora de territórios no Fórum Grita Baixada.

A segunda edição do Boletim Racismo e Violência da Baixada Fluminense também traz depoimentos de militantes de direitos humanos da região, como Luciene Silva, da Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência na Baixada Fluminense.

“Recebemos uma variedade de demandas que se manifestam pela falta de políticas públicas, pela omissão desse Estado e pela conivência dele seja nas práticas criminosas, seja pela impunidade dos casos. O racismo em todas as suas formas, principalmente o estrutural é sem dúvida o responsável por todo esse contexto de execuções, exclusões, seletividades, preconceitos e criminalizações do povo negro e pobre”, diz Luciene.

“Não é por acaso e nem coincidência que a maioria das crianças e adolescentes mortos pela polícia é negra e periférica. De forma recorrente as políticas públicas de segurança não são voltadas para a periferia e favelas, onde a população é majoritariamente negra. Esse dado confirma uma política racista de Estado e da polícia. No caso do [Estado do] Rio temos uma política pública baseada no confronto, onde a polícia é a que mais mata e também a que mais morre”, afirma o coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo. 

Adriano fala ainda sobre os aspectos que mais chamaram atenção no Boletim. “Há um discurso generalizado por parte da sociedade de que os homens negros adultos, quando são mortos pela polícia: ‘É que boa coisa não estavam fazendo’. Sempre há uma justificativa para a morte de homens adultos. Mas, e a morte das crianças negras: elas estavam fazendo algo de errado? Obviamente elas não estavam em confronto com a polícia, mas também foram atingidas por essa política belicista e militarizada.”

De acordo com os dados coletados pelo II Boletim, somente na Baixada Fluminense, no ano passado, 17 crianças e adolescentes, entre 12 e 17 anos, foram mortas em ações da polícia. 

Para Lorene Maia, a insuficiência de produção de dados e como eles podem ser incorporados a políticas públicas realmente eficazes no combate ao racismo na segurança pública é uma constante preocupação. 

“Dados sobre diversidade, questões raciais, tanto no nosso país como do nosso território, que é a Baixada, vão nortear a busca por elementos no total de três boletins que o Fórum Grita Baixada vai produzir. Nossa preocupação é trazer a centralidade racial das análises para a Baixada Fluminense. As questões de raça e classe devem estruturar todas as abordagens envolvendo violência e segurança pública na perspectiva de direitos humanos no Brasil. No ano passado, por exemplo, de acordo com números oficiais do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), a polícia matou 404 pessoas na Baixada Fluminense. Nos primeiros 6 meses de 2021, foram 255 pessoas mortas por policiais só nessa região. Nós temos que nos perguntar de que tipo de segurança estamos falando, que é uma política que não protege vidas, simplesmente as tira”, analisa Lorene.

O Fórum Grita Baixada vem acompanhando com grande apreensão as informações fornecidas pela plataforma Fogo Cruzado e por outras plataformas de produção de dados, como a Rede de Observatórios da Segurança. Cidades como Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João de Meriti e Mesquita apresentam um aumento no número de tiroteios. Às vésperas das eleições, observa-se um retorno da violência político-eleitoral na região, a continuidade da violência policial e das chacinas, muitas delas sequer noticiadas pela grande mídia. A própria expansão das milícias que ora se agrupam com grupos paramilitares, civis, e ao comércio varejista de drogas, refletem uma complexidade de articulações e disputas internas que têm potencializado a produção de morte na Baixada. 

“No caso de crianças e adolescentes, o perfil racial infelizmente é sempre o mesmo. São pessoas negras, pessoas pobres, que moram em áreas muitas vezes destituídas de direitos e de justiça. Então, o Estado se faz presente através da ação policial e delega a esses cidadãos, considerados de segunda categoria, todas as mazelas desse Estado violento e racista”, diz Adriano. 

O terceiro boletim do Fórum Grita Baixada irá resgatar os dados atualizados de letalidade policial ao longo de 2021 e continuará discutindo, através de contranarrativas, a perspectiva da violência de Estado para população da Baixada Fluminense. Também haverá a produção de uma pesquisa sobre desaparecimentos forçados, em conjunto com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), cujo relatório deverá sair ano que vem. Além disso, ainda em parceria com a Rural, está em vias de elaboração um curso abordando a história da violência urbana e de Estado na Baixada, além de um documentário de curta-metragem sobre racismo estrutural e violência de Estado produzido pela Quiprocó Filmes, a mesma produtora do premiado Nossos Mortos Têm Voz.

Matéria escrita por Fabio Leon e produzida em parceria entre RioOnWatch e o Fórum Grita Baixada. Fabio é jornalista e ativista de direitos humanos e assessor de comunicação no Fórum Grita Baixada. O Fórum Grita Baixada é uma coalização de organizações e pessoas da sociedade civil articuladas em prol de iniciativas voltadas aos direitos humanos e à segurança pública, tendo na Baixada Fluminense seu olhar e seu território de ação.


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