O Assassinato Brutal do Jovem Moïse Mugenyi Kabagambe na Praia da Barra da Tijuca: #JustiçaParaMoïse é #OQueDizemAsRedes

"Era uma pessoa muito querida por toda a equipe... que o viu crescer e se integrar"

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Seja anônimo, ativista, jogador de futebol ou artista, nas ruas e nas plataformas digitais, o sentimento reverberado é um só: #JustiçaParaMoïse. O assassinato do jovem refugiado congolês no seu local de trabalho, o Quiosque Tropicália, na Praia da Barra da Tijuca, trouxe grande indignação e comoção. A hashtag foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais nos últimos dias.

Faixa 'Fogo nos Racistas' em ato em memória de Moïse Kabagambe, organizado pelo Levante Popular da Juventude, na madrugada desta quinta, dia 3 de fevereiro. Foto de Rede Brasil Atual
Faixa ‘Fogo nos Racistas’ em ato em memória de Moïse Kabagambe, organizado pelo Levante Popular da Juventude, na madrugada desta quinta, dia 3 de fevereiro. Foto: Rede Brasil Atual

No dia 24 de janeiro, Moïse Mugenyi Kabagambe, 24 anos, foi imobilizado e espancado até a morte no quiosque em que trabalhava, o Tropicália, no Posto 8 da Barra da Tijuca. Os assassinos de Moïse são Alesson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove; Brendon Alexander Luz da Silva, o Totta; e Fábio Pirineus da Silva, o Belo. Os três homens também trabalhavam nas redondezas: dois em barracas da praia da Barra e outro, o Totta, um lutador de Jiu-jitsu, como cozinheiro do quiosque ao lado do Tropicália, o Quiosque do Biruta.

Os três suspeitos foram transferidos da Delegacia de Homicídios da Capital para o Presídio José Frederico Marques. Primeiro Alesson Cristiano de Oliveira Fonseca, com Fábio Pirineus da Silva e o último o Brendom Alecssander Luz da Silva. Foto de Gabriel de Paiva Agência O Globo Foto Gabriel de Paiva/Agência O Globo
Os três suspeitos foram transferidos da Delegacia de Homicídios da Capital para o Presídio José Frederico Marques. Primeiro Alesson Cristiano de Oliveira Fonseca, com Fábio Pirineus da Silva e o último o Brendom Alecssander Luz da Silva. Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

Conforme relatou sua família, Moïse foi assassinado após ter ido cobrar o pagamento de seu salário, que estava atrasado. A cobrança era referente a duas diárias trabalhadas no Quiosque Tropicália, o equivalente a R$200. O proprietário do quiosque, Carlos Fábio da Silva, prestou depoimento à Polícia Civil em primeiro de fevereiro, onde negou dever dinheiro a Moïse, mas confirmou que o jovem às vezes trabalhava como diarista no Tropicália.

Comissões de Direitos Humanos da OAB, da ALERJ e da Câmara dos Deputados recebem família Kabagambe. Foto de Dani Monteiro
Comissões de Direitos Humanos da OAB, da ALERJ e da Câmara dos Deputados recebem família Kabagambe. Foto: Dani Monteiro

O caso é mais um que escancara o pacote de violências sobre o qual o Brasil foi construído e consolidado: racismo, xenofobia, exploração e precarização do trabalho, além de violência contra o trabalhador. Os socos e pauladas que assassinaram Moïse eram a interseção disso tudo. Uma usuária anônima do Twitter expressou sua revolta:

O jornalista Jairo Gonçalves questionou o papel da raça no assassinato de Moïse. Será que o mesmo aconteceria a um homem branco?

Moïse, um Refugiado

Jovem congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, 24 anos, foi torturado e assassinado em seu local de trabalho, o Quiosque Tropicália, na Praia da Barra da Tijuca, por cobrar salário atrasado, equivalente a R$200.
Jovem congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, 24 anos, foi torturado e assassinado em seu local de trabalho, o Quiosque Tropicália, na Praia da Barra da Tijuca, por cobrar salário atrasado, equivalente a R$200.

A República Democrática do Congo, ou RDC, é o quarto maior país do continente africano em termos demográficos e possui inúmeras riquezas naturais, sendo o minério uma das mais conhecidas. A diversidade de metais como ouro, ferro, urânio e cobalto atrai interesses de potências mundiais, desde a colonização pelos belgas (1885-1960). Estes interesses geraram, ao longo da história do país, uma série de conflitos armados que marcaram o mundo.

O país foi palco dos maiores conflitos do continente, a Primeira Guerra do Congo (1996-1997) e a Segunda Guerra do Congo (1998-2003). Esta última matou cerca de 3,8 milhões de pessoas e foi a maior guerra na história moderna da África, o conflito armado com o maior número de mortos desde a Segunda Guerra Mundial. Por isso, é também chamada de Guerra Mundial Africana. Apesar de ter oficialmente acabado em 2003, a República Democrática do Congo segue tendo conflitos armados em determinadas províncias ao leste. Em 2020, segundo a ONU, ocorreram mais de 600 violações por mês, com pelo menos 200 execuções. Isso obriga milhões de famílias a buscarem refúgio em outras nações, como forma de escapar dos horrores da guerra.

Mapa da República Democrática do CongoSegundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), existem mais de 918.000 refugiados e solicitantes de asilo oriundos da RDC nos demais países africanos. Em conjunto, o ACNUR, a Organização Internacional para Migrações (OIM) e a Pares Cáritas-RJ divulgaram uma nota lamentando o assassinato de Moïse. No texto, as entidades afirmam que “receberam, com enorme consternação, a notícia da morte do refugiado congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, brutalmente espancado na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro”. Em outro trecho, as organizações declaram que o congolês “era uma pessoa muito querida por toda a equipe do Pares Cáritas RJ, que o viu crescer e se integrar”.

Moïse, cidadão congolês, tentou fugir da dura realidade de seu país se refugiando no Brasil. O que ele e sua família não esperavam é que aqui a realidade também seria muito dura para eles. Não imaginavam que ele poderia se tornar vítima da violência colonial racista em solo brasileiro.

A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras atua na República Democrática do Congo desde 1981. No dia em que o caso de Moïse veio à tona, a entidade fez uma sequência de posts no Instagram sobre a realidade do país e dos refugiados congoleses, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre as condições que geraram o refúgio de Moïse e de milhões de congoleses pelo mundo.

No contexto do assassinato de Moïse, um relato que viralizou foi o do jornalista Caio Barreto, onde ele compartilhou que conheceu Moïse quando fez uma matéria sobre a vida dos congoleses no Rio. Isso fez ele se aproximar de um dos amigos de Moïse, Chadrac, e posteriormente dos outros que faziam parte do grupo de amigos. Caio revelou que, apesar de possuírem excelente formação, eles só conseguiam subempregos.

Em outro tweet desse fio, Caio aponta falhas dos últimos governos de centro-esquerda e extrema-direita em editar políticas públicas que auxiliem esses imigrantes e refugiados negros e não-brancos. Ele aponta o racismo estrutural como responsável por essa situação.

Lamentando o assassinato de Moïse, o historiador Luiz Antônio Simas constatou a significativa relação histórica que o Rio de Janeiro e o Congo compartilham. Lembrou que um dos maiores patrimônios culturais do Rio e do Brasil é uma herança do Congo: o samba.

Ativistas e Artistas Se Manifestam

A reação de ativistas e movimentos antirracistas também ecoou nas redes. Raull Santiago, articulador do Perifa Connection, em suas redes sociais, pediu perdão ao povo congolês.

A Coalizão Negra por Direitos apresentou, no dia 2 de fevereiro, denúncia sobre o crime contra Moïse para o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas (ONU), um documento que aponta os crimes de racismo e xenofobia contra Moïse.

A classe artística também reagiu ao crime nas redes sociais. Cantores, atores, atletas e famosos se mostraram consternados com o ocorrido. A cantora Ludmilla se manifestou citando Elza Soares em seu tweet sobre Moïse.

A sambista Teresa Cristina questionou as autoridades sobre o que está sendo feito para solucionar o caso e perguntou “Quem matou Moïse Kabagambe?”.

Caetano Veloso, um dos ícones do movimento musical da Tropicália, na década de 1960, usou suas redes para lamentar o assassinato. O cantor disse ter chorado pensando na violência feita contra o jovem refugiado e no fato do quiosque onde o crime ocorreu carregar o nome de seu histórico movimento.

Moïse amava futebol e era conhecido por ser torcedor do Flamengo. Através de suas redes sociais, o clube prestou solidariedade à família e expressou consternação.

Um dos principais jogadores do elenco rubro-negro, o atleta Gabigol falou que o Brasil não pode encarar fatos como esses de maneira normal e exigiu justiça.

A comoção dos jogadores ultrapassou fronteiras e o atacante brasileiro Antony, jogador do Ajax, clube da Holanda, e da Seleção Brasileira, também se manifestou em suas redes sociais em memória de Moïse. Após a partida Brasil x Paraguai, em primeiro de fevereiro, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, o jogador postou sua homenagem ao congolês.

Últimos Desdobramentos

Em resposta ao caso ocorrido no Quiosque Tropicália, os vereadores Tarcísio Motta e Tainá de Paula anunciaram algumas medidas em suas redes. Tarcísio enviou um ofício à prefeitura do Rio e à concessionária Orla Rio, abrindo um processo administrativo para cassar a concessão do quiosque.

A vereadora Tainá também enviou um ofício à prefeitura, mas neste caso requisitando que a prefeitura solicite à polícia a quebra de sigilo da investigação e que garanta assistência à família.

Familiares de Moïse reunidos com a Comissão de Direitos Humanos da OAB. Foto por Bruno Mirandella Divulgação
Familiares de Moïse reunidos com a Comissão de Direitos Humanos da OAB. Foto: Bruno Mirandella Divulgação

O que mais tem mobilizado as redes sociais são os atos que já aconteceram ou que acontecerão pedindo justiça por Moïse, por todo o país. O assassinato de Moïse foi tão brutal que, fora do Rio, outras cidades também confirmaram atos em solidariedade.

Em São Paulo, a concentração está marcada para sábado, dia 5 de fevereiro, às 10h, no Vão Livre do MASP, bem como em cidades do interior paulista como Araraquara, São José do Rio Preto e Pindamonhangaba, onde manifestações também estão agendadas para o mesmo dia e horário. No Rio Grande do Sul, o ato marcado é na cidade de Santa Maria. Já em Belo Horizonte, Minas Gerais, o ponto de encontro será a Praça Sete, tradicional reduto de protestos da capital mineira.

No Rio de Janeiro, cidade onde Moïse Mugenyi Kabagambe foi assassinado, o Ato Justiça por Moïse acontecerá neste sábado, 5 de fevereiro, às 10h da manhã, em frente ao Quiosque Tropicália, no Posto 8 da Praia da Barra da Tijuca, onde o jovem perdeu sua vida. A ação foi convocada pela família de Kabagambe e por movimentos negros.

Convocação para o ato Justiça por Moïse no Rio de Janeiro, Posto 8 da Barra da Tijuda, sábado, 5 de fevereiro, às 10h.

Sobre o autor: Euro Mascarenhas Filho, jornalista, é colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação, comunicador popular, e autor do programa de podcast Antena Aberta.


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