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O direito à favela, posicionamento social, político e pedagógico em defesa do direito à vida, desenvolvimento e permanência nas favelas, é cotidianamente interrompido pelo “direito à segurança pública” no Estado do Rio de Janeiro. Para esta matéria ouvimos mobilizadores comunitários ao longo do processo eleitoral de 2022 refletindo sobre as políticas de segurança do Governador Cláudio Castro.
O conceito de ‘Direito à Favela’ foi construído a partir de uma articulação coletiva do Mandato de Marielle Franco—vereadora brutalmente assassinada em 14 de março de 2018—iniciando um processo de discussão e proposição de políticas públicas que respondessem às urgentes e reais necessidades das favelas e periferias cariocas, conforme documentado pelo Dicionário das Favelas.
O direito à favela diz respeito ao direito à vida que contempla todos os demais direitos como o acesso à educação, moradia digna, cultura e lazer, ao trabalho, à segurança alimentar, liberdade de ir e vir, ser reconhecido como parte íntegra da cidade e permanecer no território, e ao próprio direito à segurança pública dentro das favelas e dentro de casa, uma vez que, a invasão de casas sem mandado nas favelas é um modelo de atuação da polícia.
Nesta matéria, entrevistamos cinco mobilizadores comunitários e ouvimos suas perspectivas para o segundo mandato do Governador Cláudio Castro, enquanto este ainda era candidato à reeleição. Todos elegeram a reforma da política de segurança pública como preocupação central um para a efetivação do direito à favela.
De acordo com eles, a política de enfrentamento às drogas na lógica da guerra operada pelo Estado sob o argumento de “promoção da segurança pública”, na prática, inibe moradores de favelas de acessarem seus direitos constitucionais. Alan Brum, coordenador e fundador do Instituto Raízes em Movimento, do Complexo do Alemão, reivindica:
“A agenda número um [que o] governador do Rio de Janeiro deve pensar [é] no direito à vida nas favelas e não apenas em parte da cidade. Falo de pensar em uma mudança significativa na política de segurança pública… Uma mudança estrutural e não apenas policialesca. É pensar segurança pública a partir de outro paradigma… do paradigma de que segurança pública é [garantir] um ambiente seguro para todos, em todos os lugares, em qualquer lugar. A gente não tem direito à vida com essa segurança pública em curso…a gente não tem o direito à favela.” — Alan Brum
Para os mobilizadores comunitários, o direito à favela foi brutalmente violado nos últimos quatro anos de governo federal, pois retirou dos mais pobres e moradores de favela até o direito de “respirar” no período da pandemia do coronavírus. No Rio de Janeiro, a reeleição do Governador Cláudio Castro encurrala a democracia e torna a cidadania uma condição sem efeitos legais nas favelas.
“Você fala com uma pessoa da [área] da educação e ela acaba falando de segurança e assim sucessivamente [ninguém de nenhuma área consegue viabilizar algo]. Quando se tenta pautar ou trançar projetos na área da cultura, lazer, trabalho, isso acontece porque a segurança pública na favela é que dá, permite ou impede o acesso e uso de todos os demais direitos. Precisamos de uma segurança pública real, de uma prática de segurança pública pensada em outra perspectiva de entender a segurança, não desse projeto de segurança em curso que há décadas existe e agora foi piorado no governo Castro. Um projeto que coloca todos que aqui vivem [na favela] como reféns de um estado de sítio… Falo de compreender que ações policiais nas favelas da forma que hoje é feita [pelo governador do Rio] expõem a gente à morte e retiram tudo de nós: todo e qualquer direito.” — Alan Brum
Reeleito com 58% dos votos no primeiro turno das últimas eleições, Cláudio Castro tomou posse como governador do Rio de Janeiro no mesmo dia 1 de janeiro que o Presidente Lula, mas em cerimônia realizada no Palácio Tiradentes, antiga sede da Assembleia Legislativa do Rio, no Centro da cidade (leia o discurso de posse na íntegra aqui).
A Procuradoria Regional Eleitoral pediu a cassação da chapa de Castro e de seu vice, Thiago Pampolha, por abuso de poder econômico e político nas contratações da Fundação Ceperj e na UERJ para fins eleitorais, além de supostos gastos ilícitos na campanha, em dezembro. Mas a chapa nega qualquer irregularidade. “O que chama a atenção é o volume de saques em dinheiro na boca do caixa em agências onde foram feitos os pagamentos dos beneficiários com partidos políticos e candidatos da chapa de Castro”, informa a CNN Brasil.
Eleito com apoio eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, Castro é o político responsável pelo aumento não só do número de chacinas policiais no Rio de Janeiro—dentre elas, a Chacina do Jacarezinho—mas também é o governador responsável pela maior letalidade policial em favelas nos últimos 15 anos.
É fato que o Rio de Janeiro tem, ao longo de décadas, um histórico de chacinas policiais. Mas sob o governo de Castro, que assumiu o mandato após o impeachment de Wilson Witzel, de quem era vice, em apenas 15 meses, o estado viveu uma sequência de 39 chacinas com 178 mortes promovidas pelas polícias, de acordo com levantamento do Instituto Fogo Cruzado, que reúne dados sobre a violência armada, em conjunto com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).
Essa letalidade foi tão alta que fez a diretora executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, afirmar em entrevista à DW Brasil, que o “Governador Cláudio Castro… parece estar buscando implantar uma política de segurança pública, que ele nunca desenvolveu, [em] uma política de chacina”.
Werneck também destacou ao jornal alemão que o governador parece querer “confundir a população”, pois “ele tem a obrigação de garantir a segurança pública de todos, mas tem colocado no lugar [da segurança] um massacre”, que não “têm resultado em nada que não sejam pilhas de corpos—e de policiais mortos também”. Segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, são consideradas chacinas policiais as operações que têm como resultado três ou mais mortes de civis, e que têm a participação direta dos poderes públicos.
Claudio Castro: O ‘Governador das Chacinas’
Mobilizadores de favelas revelam os efeitos práticos de viverem sob a tutela de um terrorismo de Estado que retira dos moradores direitos constitucionais diante da rotina de operações policiais no funcionamento da democracia brasileira. A segurança pública é central no dia-a-dia de todos e exerce um alto grau de influência na realidade dos moradores de favelas.
“Acaba sendo prioridade [a segurança pública] porque a gente está morrendo de tiro do helicóptero com as operações. Nossa vida é paralisada a cada operação. A gente acaba colocando todos os nossos esforços ali. Porque não tem saída para sobreviver. Acabamos deixando diversos outros fatores e direitos de lado, porque a questão da segurança pública interrompe tudo! Porque quando se fala em segurança pública se fala em militarização e controle… de assassinato das populações faveladas. Volto a repetir: todos os nossos esforços e desgaste vão para esse debate porque a gente está morrendo de tiro. Mas, eu afirmo que não ter água matou tanto quanto tiro em 2020 [com a pandemia da Covid-19]. Não ter uma casa arejada matou tanto quanto os tiros. Então, quando a gente fala em genocídio, a gente fala dessa favela que é controlada, atingida e violada em todas as esferas de direitos humanos.” — Gizele Martins
A denúncia é de Gizele Martins, jornalista, comunicadora popular, mestre em Educação, Cultura e Periferias Urbanas, ativista de direitos humanos e moradora do Morro do Timbau, no Conjunto de Favelas da Maré. Escritora do livro Militarização e censura: a luta por liberdade de expressão na favela da Maré, fruto da sua dissertação de mestrado, a pesquisadora relata o funcionamento da cidadania inviabilizada e da política da morte do Estado, durante operações policiais nas favelas.
“A operação policial paralisa a vida na favela: de quem morre, de quem perde uma vida e até de quem não morre, porque eu não consigo sair para trabalhar, não consigo estudar… Em dias de operações policiais, a gente fica sem internet e sem acesso ao celular porque o sinal cai. Isso é controle. Todas as outras esferas de direitos são retiradas da gente durante a operação. [Na] operação que teve início na segunda-feira [25 de novembro] por exemplo…, a gente passou a semana inteira com a vida direcionada e pautada por aquela operação.” — Gizele Martins
E pergunta:
“Você já se perguntou o que acontece depois de uma ação da polícia? São famílias inteiras catando dinheiro para enterrar os seus mortos e a gente lutando para que tenha perícia que nunca tem. São pessoas que procuram os postos de saúde, clínicas da família com depressão, com crises de pânico, com ansiedade, AVC. É gente perdendo o trabalho, fica devendo horas, pois muitos trabalhos não entendem a situação. A gente perde o ano ou anos de estudos. São cirurgias marcadas que não são feitas após a gente ficar três, quatro, cinco, dez anos esperando uma vaga para fazer a cirurgia… É uma entrevista de emprego que se perde ou prova ou concurso… E ainda tem o terror psicológico: ouvir o barulho de um helicóptero quatro horas da manhã chegando na favela… olha, eu não tenho nem palavras para descrever como é que é isso. Aquele barulho infernal, o tiro… O barulho do caveirão terrestre, caveirão aéreo, pessoas gritando na favela. Pessoas morrendo e depois o silêncio que fica na favela, que é muito bizarro. Tudo paralisa. A gente perde a vida. Isso tem nome. É terrorismo de Estado.” — Gizele Martins
Para o coordenador da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Social (IDMJ), Fransérgio Goulart, as operações policiais podem ser classificadas como terrorismo de Estado porque a política de segurança pública do Rio elege “territórios específicos” para ações de guerra.
“Podemos afirmar que a política de segurança pública do Estado é terrorista pela criação de inimigos públicos [as favelas] a partir do racismo. O Estado promove ações terroristas apenas lá para promover o genocídio em territórios de maioria negra. Este terror passa desde as ações de não acesso à alimentação, à saúde, chegando à ponta do fuzil das polícias avalizadas pelo judiciário.” — Fransérgio Goulart
Fransérgio explica que terrorismo de Estado opera sempre em territórios de moradia da população majoritariamente negra “a partir de um projeto político pensado entre ausência de saúde, educação, alimentação, e a presença de polícias”.
Apesar do aumento da letalidade nas favelas e do número altíssimo de chacinas, Claudio Castro venceu seus concorrentes em 91 dos 92 municípios do estado. Inclusive, Gizele Martins recorda que Castro ganhou “a eleição fazendo uma chacina na Maré”, faltando apenas seis dias para o 1º turno das eleições de 2022.
A matança foi realizada com o uso de blindados e helicópteros e envolveu o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e a Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core), tropas de elite da Polícia Militar e Polícia Civil do Rio de Janeiro, em 27 de setembro de 2022.
Na ocasião, o jornal investigativo The Intercept estava na Maré e relatou: “moradores apavorados tentavam, em vão, convencer policiais que também havia[m] pessoas em uma casa que eram trabalhadores, e não criminosos. “’F*da-se,’ respondeu um dos agentes do estado”, descreveu o The Intercept.
Mesmo assim, Castro ganhou as eleições nas zonas eleitorais no entorno de favelas, tais como 21, 161 e 162, que cercam os complexos do Alemão e Penha, bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso e adjacências, que inclui o Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte. Venceu, também, na 179ª Zona Eleitoral, que incorpora as favelas Rio das Pedras, Cidade de Deus e Gardênia Azul, na Zona Oeste, além de locais de votação periféricos na Baixada Fluminense (você pode conferir a votação em cada zona eleitoral do Estado aqui).
Embora seja difícil precisar o motivo do apelo de Castro mesmo nas regiões mais sacrificadas pela sua política de morte, para Fransérgio Goulart eleitores de áreas de favelas e periféricas tendem a eleger políticos de extrema-direita devido ao fenômeno da fé e da teologia da prosperidade, sob influência de igrejas evangélicas do segmento neopentecostal.
“A partir da chegada dos neopentecostais nas favelas, [temos] a construção de uma ideologia mais individualizante e meritocrática, pautada no Antigo Testamento do olho por olho, dente por dente. Não é à toa que o ‘bandido bom é bandido morto’ ganhou força e as eleições [saíram com este resultado]. Este Estado terrorista articulado com os neopentecostais fortaleceu essa ideologia, falando que o nosso próprio povo é o responsável pela violência, e não o Estado.” — Fransérgio Goulart
Máquina de Violar Direitos
Em 25 de novembro de 2022, a operação conjunta da Polícia Militar e Polícia Civil no Conjunto de Favelas da Maré, levou os moradores ao desespero. Iniciada às 4h da manhã, a operação foi marcada por ações truculentas das forças de segurança, mortes e violência com moradores.
A ação descumpriu os dispositivos jurídicos da ADPF 635 sobre o seu horário de início e fim, conforme noticiado pelo jornal Maré de Notícias, além de não cumprir a determinação da presença de ambulâncias no entorno da realização da ação policial. O descumprimento desta norma, “custou a vida de moradores e um policial que também foi atingido na ação”, ressaltou o jornal comunitário. Denunciou o jornal Maré de Notícias:
“A Delegacia de Homicídios (DH) não realizou o processo legal de perícia no caso de Renan [um dos jovens assassinados na operação], assim como a Defesa Civil não foi fazer a retirada do corpo no local, o que obrigou a família a colocar o jovem em óbito em um carrinho de mão, carregá-lo até a Avenida Brasil, e aguardar por volta de três horas a retirada do corpo. Após muitas denúncias e articulações, com Ministério Público e outras instituições de defesa dos direitos humanos, o corpo de bombeiros atestou o óbito, a 22ª Delegacia de Polícia registrou a ocorrência e a Defesa Civil retirou o corpo. A DH não realizou a perícia do local nem do corpo, fato que atrapalha qualquer possibilidade de investigação sobre as mortes do dia de hoje na região.”
A ação afetou quase todas as 16 favelas da Maré, mas “teve concentração de episódios de muita violência na Nova Holanda e no Parque União“, que teve diversas denúncias e relatos de danos ao patrimônio, invasões de domicílios e carros violados. Em entrevista ao RioOnWatch, o mobilizador João Silva* já previa o retorno de Castro ao Palácio das Laranjeiras, sede do governo do Rio. Em entrevista, realizada dias antes da eleição do governador em 2 de outubro de 2022, opinou: “O cenário é meio desanimador porque olhando para esse contexto das favelas, minha opinião é que Cláudio Castro vai ser reeleito. Acho que ele vai conseguir validar esse projeto de confronto dentro e fora das favelas, porque as pessoas não sabiam quem era a figura do Cláudio Castro antes e ainda não sabem direito. A minha mãe não sabia quem era o governador do Rio de Janeiro. Com o impeachment de Witzel, tudo ficou meio nebuloso.”
Para o morador da favela do Jacarezinho, o Governador Cláudio Castro usou a segurança pública como plataforma eleitoral, já que a ação ocorreu em período eleitoral.
“Tem muita gente lá que não gosta do Castro, mas tenho certeza de que ele vai voltar. Ele reforça o discurso de que aquilo [a chacina no Jacarezinho] foi importante, de que a violência na favela de certa forma diminuiu ou pelo menos, mudou de um contexto. Que depois da chacina não tinha mais tantas pessoas transitando naquele espaço vendendo drogas. Apesar desse momento, e ela [a venda de drogas] já ter voltado, esse discurso fica. Cola! Eu torço muito para que isso não aconteça, mas acho que o candidato da oposição [Marcelo Freixo] não ganha.” — João Silva
A Chacina do Jacarezinho foi a mais letal da história do Rio de Janeiro. À luz do dia, com a operação sendo televisionada por canais de mídia, a Polícia Civil do Rio de Janeiro matou 27 pessoas na favela mais negra da capital, em 6 de maio de 2021. Um policial também foi assassinado na Operação Exceptis, totalizando 28 pessoas mortas. A violência da ação foi tão grande que alcançou dois passageiros que estavam no trem da linha 2 do metrô, sentido Zona Norte, que corta a favela do Jacarezinho entre as estações de Maria da Graça e Triagem.
João Silva recorda ainda que, quando o Governador Cláudio Castro foi à favela do Jacarezinho, após a chacina que deu início a ocupação policial do projeto Cidade Integrada, ele foi cobrado por moradores a ocupar a favela, mas com quadra de esportes e a melhoria de projetos sociais para que trouxesse uma geração maior de empregos e fomento ao esporte na comunidade. Até agora, nada disso aconteceu.
“O Jacarezinho tem uma demanda muito grande da população por espaços de cultura, lazer e esporte, além de moradia. O terreno da General Electric é gigantesco e está abandonado com diversos metais pesados dentro da comunidade, mas até hoje isso não foi solucionado. A demanda da comunidade era que aquilo fosse transformado numa vila olímpica. Só que a partir do projeto do Cidade Integrada está sendo encaminhado que o terreno vire um novo batalhão da Polícia Militar. Então, ao invés de você entrar com o esporte, com projetos para a população, você vai criar mais um batalhão da Polícia Militar, em uma comunidade que já é cercada pela Cidade da Polícia, que é uma coisa bizarra, pois é um quarteirão que literalmente fica mirando [com armas] na direção do Jacarezinho e Manguinhos.” — João Silva
João complementa:
“Dentro do Jacarezinho nós temos atletas que disputam campeonatos nacionais e internacionais, pessoas que foram pleiteadas para participar da Olimpíada. Através de um projeto social, vários jovens e crianças estão entrando em clubes, mas a demanda levada pelo estado é… polícia, chacina.”
Outra mobilizadora comunitária, Rosa do Carmo*, afirma que Cláudio Castro foi eleito justamente por vender uma ótica de confronto e apesar do pouco diálogo com a população das favelas.
“Quando ele esteve no Jacarezinho ele não tinha resposta para nada. Ele basicamente falou meia hora, impôs a opinião dele, e quando a gente tentou questionar ele sobre ‘o que ele sabia de fato de viver uma operação policial’, olhando para a gente quase em tom de deboche, o governador respondeu que ‘sim, ele sabia’. E sabe como e por quê? Porque um dia ele foi cantar no Jacarezinho e a polícia estava entrando lá e ele teve que se esconder do tiroteio. Você percebe o que ele fez? Ele estava ali falando que compreendia a minha dor, a complexidade da minha dor, tendo plena noção de que esse episódio não é a mesma coisa do dia-a-dia da vida de um morador, mas ele usou aquilo como exemplo para defender a política de morte dita de segurança pública. Ele usou isso para silenciar as pessoas que estavam mostrando uma problemática real. Então é isso. Não existe ainda diálogo no governo Castro. Teremos mais quatro anos duros e de desespero com [um novo mandato dele].” — Rosa do Carmo
Mas se falta esperança em alguns corações de moradores de favelas, em outros, restam sementes de dias melhores—ainda que não acredite em uma mudança completa.
Joaquim Lima*—nome fictício de ainda outro mobilizador comunitário que prefere não se identificar—que enfrentou a cara da fome em meio a pandemia do coronavírus, afirma que “guarda ainda um fio de esperança” de que seja possível mudar alguma coisa com processos eleitorais.
“A gente não pode é perder a esperança… Tenho esperança de alguma transformação. A ditadura acabou? Para quem? A gente tem um caveirão na nossa porta. Não espero mais nada [melhoria na política de segurança pública] porque sei que vão continuar com essa mesma política. Eu acabei de falar de esperança. Sei que é contraditório, mas eu acho que o processo eleitoral e, principalmente, a experiência política comunitária desperta isso. É assim mesmo… ao mesmo tempo que a gente tem esperança, a gente acha que nada vai mudar. É uma confusão de sentimentos.
Mas eu trabalho acreditando na ideia de redução de danos. A gente chegou num limite tão grande do estado das coisas que a gente precisa reduzir os danos até para a gente conseguir respirar. E se a gente respira, existe esperança. Eu vi muita dor. Acho que falo desse lugar de dor. A gente deveria ter [tido o direito de] ficar resguardado em casa, mas estávamos na rua no período da Covid-19 porque a fome é algo muito concreto. Você sente na carne que treme com fome. E a carne que treme e respira é a nossa: seja a minha ou do meu vizinho.” — Joaquim Lima
Secretaria de Estado da Polícia Civil e da Polícia Militar
Ao contrário de outros estados, o Rio de Janeiro, desde 2019, não tem uma Secretaria de Estado de Segurança Pública. A pasta foi extinta pelo então governador Wilson Witzel através do decreto nº 46.544, de 1 de janeiro de 2019. “Fica extinta a Secretaria de estado de Segurança Pública, que será sucedida para todos os fins de direito pela Secretaria Executiva do Conselho de Segurança Pública, responsável pela transição gradual das funções da secretaria extinta para a Secretaria de Estado da Polícia Civil e para a Secretaria de Estado da Polícia Militar”, diz o decreto.
O argumento principal de Witzel para acabar com a pasta foi de que ela era usada como plataforma política. Cláudio Castro, ao assumir o governo após o impeachment de Witzel, manteve essa estrutura que, agora, segue a mesma em seu segundo mandato como Governador do Estado.
*Alguns nomes no texto são fictícios, para preservar a identidade e segurança dos mobilizadores comunitários entrevistados.
Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista e comunicadora popular de coração. Feminista negra, integrante do Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão, atua como repórter especial no RioOnWatch. Cria de favela, negra de pele clara, mora no asfalto periférico do subúrbio do Rio e é doutoranda em comunicação pela UFF.