27º Encontro do Fórum Favela Universidade, em Manguinhos, Debate Promoção da Saúde e Produção de Conhecimento de Jovens Pesquisadores de Favelas

Participantes do 27º Encontro do Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro
Participantes do 27º Encontro do Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro

Click Here for English

Em 18 de março de 2023, o Espaço Casa Viva, em Manguinhos, recebeu o 27° Encontro do Fórum Favela Universidade (FFU), com a temática: “Promoção da Saúde e Produção de Conhecimento—Jovens Pesquisadores em Ação”. O encontro discutiu acesso e permanência de jovens negros de favela nas universidades.

O Fórum Favela Universidade surgiu em 2018, por iniciativa de ativistas de favelas, principalmente do Complexo da Maré e Manguinhos, inspirados pelo tema “Ciência para redução das desigualdades sociais” da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia da Fiocruz (SNCT) daquele ano.

O Fórum promove rodas de conversa sobre quais caminhos levam a universidade para a favela e a favela para a universidade, voltadas especialmente para moradores de favelas que estejam cursando o ensino superior ou pré-vestibulares comunitários ou que já tenham se formado na universidade. Até agora, foram sete edições do FFU, que ocorreram alternadamente nos espaços do Museu da Maré, Museu da Vida (Fiocruz), Faculdade de Letras (UFRJ) e Espaço Casa Viva.

O Espaço Casa Viva, em Manguinhos, recebeu o 27º Encontro do Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro
O Espaço Casa Viva, em Manguinhos, recebeu o 27º Encontro do Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro

Neste 27° Fórum, foram debatidos trabalhos de três jovens pesquisadores, moradores de favelas: Anderson Alves, que apresentou ‘O que me conta Mona? Relatos de experiências sobre as relações sexuais de bichas pretas durante a pandemia de COVID-19′; Dione Rodrigues e seu ‘Jovens Negras, Saúde e Políticas de Assistência Estudantil da UERJ’; e Letícia Pinheiro, com ‘Saúde, Psicoativos e Juventude Favelada em Acari’.

O evento também contou com uma apresentação cultural de membros do Coletivo Pac’Stão, que realiza roda de rap de mesmo nome em Manguinhos, e com recitação de poesia por Eduardo Costa, o “Doisd”, fundador do coletivo, e Guilherme Ribeiro, o “GUIW”.

De acordo com André Luiz Lima, doutor em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC), um dos fundadores do Fórum, seu objetivo é “aproximar o morador de favela, que tenha ou que quer ter a experiência da vida universitária, dos desafios da vida universitária para um morador periférico, que tem a dimensão, sem sombra de dúvidas, racial, a questão do patriarcado, a questão da LGBTQIAP+fobia, as questões econômicas, a questão da violência armada do Estado, que nos impede de frequentar a favela de forma plena… Eu sou uma dessas pessoas. Eu me formei no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, fiz mestrado e doutorado morando em Manguinhos. Então, sei qual é a dificuldade que enfrentamos.”

Produção de Conhecimento: Jovens Pesquisadores de Favela em Ação

Anderson Alves, pedagogo formado pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF) da UERJ, é mestrando em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares pela UFRRJ e faz parte da segunda edição do Programa Jovens Investigadores em Saúde e Juventude da Agenda Jovem Fiocruz (AJF). Cria de Realengo, na Zona Oeste, atualmente mora no Morro da Providência, no Centro. Foi na favela em que mora, na Providência, que Anderson realizou sua pesquisa ‘O que me conta Mona? Relatos de experiências sobre as relações sexuais de bichas pretas durante a pandemia de COVID-19′, com foco na juventude negra e LGBTQIAP+. 

“Meu sentimento foi de pertencimento ao poder compartilhar com os meus aquilo que a gente vivencia, mas que também está sendo institucionalizado no formato de uma pesquisa. É fundamental para a gente entender a importância, a relevância que a gente tem com as nossas formações, com a nossa produção de conhecimento. Então, ser um homem negro, gay, periférico me faz ter um desejo genuíno de transformar o mundo.” — Anderson Alves

Dione Rodrigues comenta sobre sua pesquisa, no 27º Encontro do Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro
Dione Rodrigues comenta sobre sua pesquisa, no 27º Encontro do Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro

Dione Rodrigues é uma mulher preta, periférica, cria da Zona Oeste, e atualmente moradora da Mangueira, assistente social formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestra em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela faz parte da segunda edição do Programa Jovens Investigadores em Saúde e Juventude da AJF. Sua pesquisa Jovens Negras, Saúde e Políticas de Assistência Estudantil da UERJ estudou as questões de jovens negras cotistas do curso de Psicologia da UERJ.

“Ter espaços como esse, que foi esse encontro do Fórum Favela Universidade, para debater sobre a minha pesquisa, que falam sobre a realidade de jovens pretas, que também é minha realidade, sobre sentidos e possibilidades de falar sobre nós, nós por nós mesmas, falando sobre o espaço que ocupamos e sobre as nossas percepções sobre esse espaço, sobre as nossas demandas e sobre os nossos anseios mesmo. Quando falamos de pesquisa, a gente fala de pesquisa qualitativa, principalmente. A gente tá falando de subjetividade, o que é que nós, mulheres pretas, estamos falando. O que é que nós, mulheres pretas, estamos produzindo enquanto pesquisadoras, enquanto professoras.” — Dione Rodrigues

Letícia Pinheiro ao lado de Anderson Alves, na roda de conversa do 27º Encontro Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro
Letícia Pinheiro ao lado de Anderson Alves, na roda de conversa do 27º Encontro Fórum Favela Universidade. Foto: Vinícius Ribeiro

Letícia Pinheiro é cria da favela de Acari e faz parte do coletivo Fala Akari. Ela é assistente social pela Universidade Federal Fluminense de Rio das Ostras (UFF-CURO), mestranda em Serviço Social pela UERJ, faz parte da segunda edição do Programa Jovens Investigadores da Agenda Jovem Fiocruz e é pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES). No evento, ela apresentou sua pesquisa Saúde, Psicoativos e Juventude Favelada em Acari e refletiu sobre a importância da pesquisa acadêmica feita por moradores favelas contra o histórico apagamento estatístico desses territórios de maioria negra. 

“A gente que pesquisa e que está em favela, também quer conversar com os nossos sobre isso, sobre as nossas indagações. A gente quer pensar resultados para a favela, a gente quer pensar impactos, a gente quer pensar respostas para as demandas da nossa favela. Um espaço como esse, de diálogo e de articulação, é muito importante… Na favela, existe uma defasagem muito grande de dados, de produção de estatísticas, porque o Estado aparece principalmente a partir de operações policiais. Então, quando a gente vai pensar as soluções para as demandas das favelas, são poucos os dados. A pesquisa tem uma tarefa muito importante na sociedade: levar retorno para as demandas existentes. O lugar da pesquisa se torna crucial para a gente se mobilizar pelas favelas.” — Letícia Pinheiro

Parceiros

Para a criação e o desenvolvimento do Fórum Favela Universidade, foi importante o apoio de instituições como a Pró-Reitoria de Extensão (PR5) da UFRJ, o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), representado pelo Museu da Maré, e Rede de Empreendimentos Sociais para o Desenvolvimento Socialmente Justo Democrático e Sustentável (REDECCAP), representada pelo Espaço Casa Viva. 

Alessandro Machado, do Museu da Vida da Fiocruz, comentou sobre a importância da parceira com o FFU. Ele ressaltou o papel de apoiar e fomentar a estruturação do Fórum por essas instituições. “A Fiocruz tem responsabilidade por ser uma instituição do Estado brasileiro em Manguinhos, de excelência, que desenvolve pesquisa e tecnologia dentro de um território marcado pelo estigma da favela. Ela tem a responsabilidade de colaborar com esses territórios no fortalecimento de ações públicas de saúde, educação, cultura e lazer, que promova bem-estar para esses territórios, para fortalecer a cidadania desses territórios, colaborar para que os direitos civis, os direitos humanos e os direitos sociais sejam garantidos nesses territórios. Eu acho que esse é o papel dessa instituição, que ela consiga promover saúde nesses territórios.”

Segundo Elizabeth Campos, coordenadora da Casa Viva e moradora da favela de Manguinhos, o Espaço Casa Viva se identifica muito com o Fórum, justamente por ser um espaço que trabalha com arte, educação, cultura e que promove o debate dentro da favela:

“Receber um evento como esse no Casa Viva é ratificar a importância dos grupos sociais, dos movimentos sociais, das organizações sociais, dos coletivos sociais nas discussões, qualificando e aproximando da academia as nossas questões, sempre numa relação dialógica, de troca de conhecimentos, respeitando os saberes, valorizando o lugar e sempre em busca de políticas públicas que possam melhorar a vida do estudante nesse período da universidade.”

Apresentação Cultural Coletivo Pac’Stão

O evento foi encerrado com uma apresentação cultural do Coletivo Pac’Stão, composto por rappers moradores de Manguinhos. Há dez anos, o grupo promove rodas culturais no território. Eduardo Costa, o “Doisd”, e Guilherme Ribeiro, o “GUIW”, conversaram e se apresentaram com poesia, que, como disseram, é a forma como sabem se apresentar. 

Membros do Coletivo Pac'Stão: do lado esquerdo Guilherme Ribeiro, o rapper GUIW, e, do lado direito, Eduardo Costa, o rapper Doisd. Foto: Vinicius Ribeiro
Membros do Coletivo Pac’Stão: do lado esquerdo Guilherme Ribeiro, o rapper GUIW, e, do lado direito, Eduardo Costa, o rapper Doisd. Foto: Vinicius Ribeiro

“Ver o encontro do Fórum dá a motivação de saber que a favela pode chegar na universidade. Realmente tem uma limitação muito grande, é muito difícil. Aqui ou você trabalha ou você estuda. Eu não terminei meus estudos, infelizmente. Devagarzinho a gente vai conseguindo se formar cada vez mais. O Xande (membro do coletivo) está cursando Pedagogia… Nossa vontade é colocar o hip hop dentro das escolas.” — Eduardo Costa, Rapper Doisd

Sobre o autor: Vinícius Ribeiro é nascido e criado na Zona Oeste, entre a Estrada da Posse, em Santíssimo, e o Barata, em Realengo. Atualmente mora na Mangueira. Jornalista, cineasta e fotógrafo, é membro do Coletivo Fotoguerrilha. Assina direção e roteiro dos curtas SobreviverDame CandoleSob o Mesmo Teto e Entregadores. Atualmente, está em um projeto sobre uberização e precarização do trabalho.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.