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Esta foi a primeira matéria da nossa série anual analisando as Melhores e Piores Reportagens Internacionais sobre Favelas do Rio, que faz parte do debate promovido pelo RioOnWatch sobre a narrativa e as representações midiáticas acerca das favelas cariocas.
Ao longo do ano, o RioOnWatch monitora a cobertura sobre as favelas do Rio na imprensa internacional, compartilhando artigos por meio da página do RioOnWatch no Facebook e em nosso boletim mensal de notícias. Estamos sempre à disposição para apoiar os jornalistas em sua cobertura das favelas do Rio, fornecendo informações e contatos e ficamos entusiasmados quando as reportagens internacionais representam e comunicam com sucesso as opiniões e preocupações das comunidades de maneira sutil, o que reflete a complexidade da situação no Rio hoje. Embora vejamos uma melhora nas reportagens sobre as favelas, em geral, ainda há muitos artigos que não são apenas imprecisos, mas perigosos ao reforçar uma visão estigmatizada e unidimensional das favelas do Rio e de seus moradores. Em um contexto onde direitos e serviços têm sido historicamente negados com base no preconceito, tais matérias podem ter consequências negativas de longo alcance.
Então, para fechar 2013, analisamos algumas das piores reportagens sobre as favelas do Rio, na tentativa de mostrar que as histórias que os jornalistas escolhem contar e as pessoas a quem eles dão plataforma importam. As imagens utilizadas são aquelas que acompanhavam os artigos originais.
Forbes – Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, revela para onde está indo o dinheiro no Brasil: às favelas
Pela manchete, você pode pensar que este artigo da Forbes de janeiro de 2013 é baseado em uma revelação do prefeito do Rio, Eduardo Paes, de que fundos públicos de grande escala seriam investidos nas favelas do Brasil. Não exatamente. A matéria na verdade é um editorial que faz propaganda do mercado das favelas e como entrar. Primeiro, o que são favelas? O conselho da Forbes é: “Para ter uma visão clara das favelas do Rio, assista a um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos, Cidade de Deus”. Um grande filme, sem dúvida, mas por se tratar de um conto fictício baseado em um conjunto habitacional entre as décadas de 1960 e 1980, dificilmente é um curso intensivo recomendado sobre favelasde hoje.
Mas voltando ao Paes. “Uma das principais pessoas por trás da instalação bem-sucedida das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foi o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes”. Esta é uma declaração controversa, já que a pacificação é um programa estadual e, como representante a nível municipal, Paes não tem envolvimento administrativo. Ainda assim, descobrimos que ele foi reeleito e deu uma palestra TED talk “informativa” no início de 2012. Uma palestra em que ele afirmou que a integração das favelas é parte da solução para os problemas do Rio, enquanto, naquele mesmo mês, remoções lideradas por seu governo estavam em andamento.
Seguindo em frente: “As favelas onde as UPPs foram instaladas com sucesso começaram a ser vistas como mercados inexplorados. Os moradores das favelas não precisam mais sair das comunidades para comprar bens e serviços, pois as empresas começaram a abrir filiais”. O mercado “inexplorado”, no entanto, já é amplamente explorado por empresas locais e prestadores de serviços. O espírito empreendedor que, de muitas maneiras, define o que são as favelas está ausente, pois os moradores são considerados apenas como consumidores ou trabalhadores. A Forbes explica: “Grandes empresas querem uma fatia desse mercado”.
O artigo, então, gasta sete parágrafos mostrando como fazer isso, desde bolsas de estudo e cursos, até o patrocínio de eventos comunitários. Recomenda-se a construção específica de campos de futebol para criar melhorias e transformações duradouras. O Sr. Hutchmacher, da Tensport Marketing, declarou: “As empresas privadas serão o principal ator responsável por esta revolução.” Mas, não. Como toda revolução, ela vai acontecer de baixo para cima e é aí que reside a grande irresponsabilidade do artigo: a falta de reconhecimento de que já existe uma economia–e agência–nas favelas, e que as regras de engajamento positivo vão além do patrocínio a uma partida de futebol.
Sunday World – Torcedores da Copa do Mundo arriscam suas vidas se entrarem em favelas duvidosas
O fato de um tabloide britânico ter publicado uma história cheia de imprecisões e falsidades escancaradas não deveria ser uma surpresa. Esta reportagem de novembro do Sunday World, no entanto, se supera em termos de sensacionalismo nas favelas. Longe de ser o único na imprensa britânica, o jornal criou uma história a partir da ameaça em potencial da insegurança durante a Copa do Mundo e da proximidade do hotel da seleção inglesa com a Rocinha. “Os fãs que planejam ficar na cidade foram fortemente advertidos a não se aventurar na favela da Rocinha–onde mais de 100.000 dos habitantes mais pobres do Rio vivem em uma miséria quase inacreditável”. Grave deturpação aqui: os moradores da Rocinha não são nem de longe os mais pobres do Rio e não vivem em uma miséria quase inacreditável. O Sunday World teria feito bem em verificar os fatos até mesmo na Wikipedia. A Rocinha tem corretoras de imóveis próprias, McDonald’s e algumas casas grandes e bonitas, além de milhares de comércios locais que atraem compradores de bairros de fora. Mas o Sunday World prossegue, agora com um especialista em gangues latino-americanas, Rick Garcia, que adverte: “As pessoas, especialmente os ocidentais, que entram em qualquer uma das favelas estão literalmente arriscando suas vidas”. Isso apesar do The Guardian recomendar visitas às favelas do Rio e do The New York Times descrever como os visitantes estrangeiros estão cada vez mais optando por se hospedar nas favelas do Rio, ambos mencionando explicitamente a Rocinha.
Em nossa pesquisa, não conseguimos encontrar nenhuma informação sobre o trabalho ou credenciais do Sr. Rick Garcia. Há, no entanto, milhões que podem testemunhar o contrário. Favelas são bairros populares onde as pessoas vivem, trabalham, relaxam, festejam, dormem, comem e cuidam de seus negócios. Sob certas circunstâncias e condições, favelas específicas, em momentos específicos, são lugares perigosos, principalmente para seus próprios moradores. É totalmente irresponsável sugerir que pisar em qualquer favela, seja na guerra do narcotráfico ou não, seja ocupada pela polícia ou não, corre sério perigo. Isso reforça os estigmas profundamente arraigados em torno das favelas, mina os grandes avanços feitos para desenvolver e aumentar a segurança nessas comunidades e repele pessoas que a visitariam, apoiariam e descobririam essas comunidades por conta própria.
New York Review of Books – Nas Favelas Violentas do Brasil
O escritor Suketu Mehti, nascido na Índia e morador de Nova York, é o autor de Maximum City, indicado ao Prêmio Pulitzer, tratando sobre o lado oculto da vida em Mumbai. Neste ensaio de agosto para a New York Review of Books, ele tenta fazer uma descrição explicativa das favelas “violentas” do Rio. Na verdade, o título é a primeira pista para o erro que Mehti comete ao considerar as favelas lugares inerentemente violentos. E o ensaio segue para bater na narrativa desgastada de que as favelas são lugares de drogas, violência e pobreza, e que as UPPs são uma salvação. Isso é feito principalmente por meio de passagens descritivas e observações superficiais que expõem a falta de sensibilidade do escritor e a compreensão diferenciada de uma situação complexa. Ele abre com uma anedota de quase ter sido assaltado à mão armada nas ruas de São Paulo–o que serve como uma estranha introdução ao assunto das favelas do Rio de Janeiro. Ele, então, enfatiza as taxas de homicídio e criminalidade antes de realizar um panorama abrangente da situação, contando com imprecisões e generalizações para sustentar a história de violência incessante.
A peça levou o pesquisador Tucker Landesman a publicar uma desconstrução completa em resposta no FAVELissues, escrevendo: “A deturpação de Mehta sobre o Rio de Janeiro, a cultura brasileira e a integração das favelas por meio da pacificação é problemática, além de questões de integridade jornalística e devida diligência. Primeiro, no ensaio de Mehta, o Brasil é um lugar violento. Os brasileiros se matam a torta e a direita, matam o meio ambiente e estupram suas mulheres com uma frequência cada vez maior. Favelas são lugares violentos movidos a drogas. Esse tipo de narrativa dissocia a violência das muitas forças sociais históricas que levaram aos níveis atuais de crimes violentos. Isso resulta na mentalidade de ‘tempos de desespero pedem medidas desesperadas’, o que justifica uma forma de repressão estatal que seria impensável fora das favelas.”
Landesman articula a principal crítica a esta–e a todas as outras reportagens ruins sobre as favelas cariocas–de forma brilhante: “Os interessados em refazer o Rio, mesmo os ensaístas que escrevem para revistas intelectuais estrangeiras, devem pensar criticamente e se esforçar para apresentar os fatos a partir das experiências das pessoas comuns”. A ausência das vozes das pessoas comuns, de empresários locais, organizadores comunitários, artistas, ativistas, líderes e outros é a principal característica que define as más reportagens sobre as favelas do Rio. Ao não representar, de forma alguma, os pontos de vista, esperanças e críticas daqueles que vivem nas favelas do Rio, a reportagem mal feita perpetua a história das favelas como lugares negativos, violentos, empobrecidos, temporários, passivos, onde os principais atores são a polícia estadual, gangues de drogas e grandes negócios. A realidade, porém, é bem mais interessante e complexa, se ao menos os jornalistas ouvissem os moradores.