Perfil de Mídia Comunitária: PPG Informativo

O PPG Informativo serve à comunidade do Complexo do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo (PPG), favelas que ficam no morro que separa os bairros de Ipanema e Copacabana. Foto: Arne Müseler / www.arne-mueseler.com, CC BY-SA 3.0 DE <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/de/deed.en>, via Wikimedia Commons
O PPG Informativo é canal de notícias online da comunidade do Complexo do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo (PPG), favelas que ficam no morro que separa os bairros de Ipanema e Copacabana. Foto: Arne Müseler / www.arne-mueseler.com, CC BY-SA 3.0 DE, via Wikimedia Commons

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Recentemente, o RioOnWatch teve o prazer de conversar com Ana Muza Cipriano, fundadora do PPG Informativo, para saber um pouco mais sobre o seu trabalho, sobre a história desse canal de mídia de favela, seus impactos e como ela entende a importância do ecossistema do jornalismo das favelas. Esta matéria faz parte de uma série sobre veículos de comunicação comunitária

Quando, há uma década, Ana Muza Cipriano criou a página do PPG Informativo no Facebook, as pessoas já vinham batendo à sua porta de madrugada para contar o que estava acontecendo em suas vidas. Assim, segundo Ana Muza—depois de ter sido também influenciada pela jornalista comunitária, Carla Siccos, fundadora do CDD Acontece da Cidade de Deus—foi natural, porém desafiador, a criação do PPG Informativo, um canal de notícias online que atende às comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho (PPG), na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Em 2024, o canal opera sob o lema “de cria pra cria” e é administrado por uma equipe de sete voluntárias moradoras das favelas que fazem parte do Complexo. Com mais de 13.000 seguidores no Instagram e 23.000 no Facebook, o PPG Informativo publica notícias relacionadas às preocupações mais imediatas dos moradores e aos seus maiores orgulhos.

Por que o Jornalismo de Cria é Necessário

Antes de começar o PPG Informativo, Ana Muza foi “Parceira do RJ”, realizando reportagens como correspondente comunitária para a TV Globo. Como tal, cobria o PPG, entre outras favelas da Zona Sul. Foi assim que ficou conhecida na favela como alguém capaz de ajudar os moradores a contar as histórias que importavam para eles.

Ana Muza percebeu que os moradores do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho pouco compartilhavam informações entre si, apesar de habitarem uma localização em comum, no topo do morro que separa os bairros de Ipanema e Copacabana. As pessoas do Pavão-Pavãozinho não sabiam, por exemplo, que havia cursos técnicos disponíveis no Cantagalo. Ana Muza, então, assumiu a missão de ajudá-las a acessarem esses espaços. Além de identificar lacunas de informação por conta própria, ela acolhe e divulga as notícias que chegam até ela. Os vizinhos a procuram com suas preocupações mais urgentes. Durante nossa entrevista, Ana Muza recebeu um vídeo de um morador mostrando os problemas que vem tendo com a energia elétrica, uma grande questão coberta pelo PPG Informativo.

Ana Muza conta sobre o modelo “de cria pra cria”.

“[O público-alvo] são os moradores do território, porque [o nosso] é um jornal feito para eles e por eles. Porque falamos de forma muito específica ali sobre locais que você, por exemplo, [que é de fora] não vai saber do que estamos falando. E os moradores são os verdadeiros repórteres, não tenho como falar sobre o território sem ter o morador me ajudando a relatar. Tem que ser cria para falar com propriedade e pertencimento.” — Ana Muza Cipriano

Para ilustrar o que diz, Ana Muza conta sobre um ataque que sofreu online. Em resposta a uma postagem do PPG Informativo notificando a comunidade sobre a queda de luz numa parte da favela chamada Vietnã, uma pessoa de fora do morro, embora morasse em Copacabana, respondeu com mensagens raivosas, tendo interpretado a postagem como se fosse sobre a Guerra do Vietnã, travada entre as décadas de 1950 e 1970 no país do Sudeste Asiático. “Minha resposta para esse ataque que eu sofri foi, mas eu não estou falando para você daí de baixo”, conta ela. “Eu estou falando para quem mora lá em cima, porque você tem luz.”

Ana Muza destaca ainda que há um certo valor em trabalhar com meios de comunicação externos à favela, embora haja um limite para o que os repórteres de fora conseguem fazer.

“[Os jornalistas] chegam do jornal… e vão embora. No final das contas, [os moradores] têm o número de quem?” — Ana Muza Cipriano

A confiança é maior naqueles que escutam e continuam a seguir a história e as questões levantadas pelos moradores: os jornalistas comunitários.

Ana Muza mostra uma postagem recente do PPG Informativo no Instagram compartilhando informações sobre a falta de luz. Foto: Hannah McKenzie
Ana Muza mostra uma postagem recente do PPG Informativo no Instagram compartilhando informações sobre a falta de luz. Foto: Hannah McKenzie

O Que a Equipe Cobre

“Por incrível que pareça, nesses dez anos, [as notícias] sempre focaram em três pontos: lixo, água e luz. Isso não muda dentro de uma favela,” diz Ana Muza. Em março de 2024, muitos moradores passaram mais de dez dias completamente sem luz. Alimentos refrigerados tiveram de ser descartados, e moradores que sobrevivem com o auxílio de aparelhos médicos correram risco de morte. As quedas de energia são, em parte, explicadas pela ausência de assistência governamental e tecnológica que apoie o crescimento da comunidade.

Os últimos dados censitários disponíveis para o PPG são de 2010, quando apenas 10.000 moradores foram registrados. “Se só [seguindo o] meu jornal são 23 mil, como [é] que vai ter 10 mil nessa comunidade?” questiona Ana Muza, retoricamente. Essa subcontagem e o constante subdimensionamento da rede elétrica levam à sobrecarga do uso de energia, causando a explosão de transformadores e o corte de energia.

O papel assumido pelo PPG Informativo com relação à eletricidade é, então, duplo: ajudar a disseminar informações rápidas sobre as quedas de luz nas favelas e oferecer dicas aos moradores sobre o trabalho coletivo para restabelecer o fornecimento. Já que alguns moradores pagam a luz e outros não, o PPG Informativo assume o papel de mediador, incentivando uma estratégia coordenada e solidária para ajudar o restabelecimento da energia. Mostrando exemplos em todas as plataformas do PPG Informativo, Ana Muza explica como a equipe também conduz comunicações e orientações semelhantes quando falta água, além de trabalhar com Educação Ambiental no gerenciamento eficaz de resíduos.

Equipe do PPG Informativo distribuiu cestas básicas, kits de higiene e absorventes durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19. Foto: Reproduzida do Instagram do PPG Informativo
Equipe do PPG Informativo distribuiu cestas básicas, kits de higiene e absorventes durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19. Foto: Alexandre Cerqueira

Embora o lixo, a água e a eletricidade sejam certamente as questões-chave, o veículo desempenha um papel mais amplo na promoção da saúde e da segurança em suas comunidades. Isso inclui a organização de campanhas de vacinação contra tuberculose, dengue e Covid-19. Também significa lançar informes durante operações policiais, aconselhando a comunidade a não usar certas ruas, e os pais a não deixarem os filhos irem sozinhos à escola.

Nessas comunicações, há a especificidade do conhecimento local. A campanha de tuberculose do PPG Informativo, por exemplo, foi direcionada para o Serafim, área do Pavão-Pavãozinho conhecida por ter a maior taxa da doença, possuindo uma alta densidade demográfica entre os domicílios.

O PPG Informativo também se diferencia de jornais de fora da favela por celebrar os sucessos e alegrias da comunidade. Ana Muza sente-se especialmente orgulhosa da recente cobertura sobre as jovens que conquistaram medalhas em Jiu-Jitsu, boxe e Muay Thai.

Para Além da Notícia

Além de uma forte presença no Instagram e no Facebook, o PPG Informativo mantém uma comunicação frequente com a comunidade por meio de grupos no WhatsApp, alguns contendo mil membros. Em um desses grupos, a equipe compartilha notícias, incluindo cópias eletrônicas de jornais tradicionais. Outro grupo é utilizado para compartilhar oportunidades de emprego e, outro ainda, funciona para os moradores coordenarem doações diretas.

O PPG Informativo comemora mais um ano entre os membros da equipe e a comunidade PPG. Foto: Ana Muza Cipriano/PPG Informativo
O PPG Informativo comemora mais um ano entre os membros da equipe e a comunidade PPG. Foto: Lidi Oliveira/PPG Informativo

O PPG Informativo também lidera eventos, como o “Hora do Recreio”, com o intuito de arrecadar material escolar para as crianças da comunidade. Durante a pandemia, a equipe percebeu que, enquanto havia iniciativas voltadas para a doação de alimentos, os moradores da comunidade também precisavam de outros itens, como absorventes e fraldas, e por isso uma campanha. Esses esforços cumulativos demonstram o poder do trabalho do jornalismo comunitário do PPG Informativo. É uma escuta atenta do que está acontecendo na favela, um esforço deliberado para expandir o acesso a esse conhecimento e uma ação direta para atender às necessidades das comunidades.

O Que o PPG Informativo Espera do Futuro

Pensando no futuro, Ana Muza espera que o PPG Informativo possa começar um podcast discutindo temas como saúde, vacinação e, de forma mais ampla, assuntos que despertem a consciência da comunidade, convidando especialistas.

Ana Muza Cipriano, fundadora e criadora do PPG Informativo. Foto: Ana Muza Cipriano/PPG Informativo
Ana Muza Cipriano, fundadora e criadora do PPG Informativo. Foto: Lidi Oliveira/PPG Informativo

Refletindo sobre o panorama geral, Ana Muza espera expandir a presença das mulheres no campo do jornalismo e aumentar a conscientização sobre seus desafios. “Eu chego nos lugares e vejo os mesmos caras… [Você vê] o mesmo rosto, aí você ouve a mesma história… [Está] na hora das pessoas conhecerem outras Anas Muzas, outras Carlas, outras Thaíses.”

Ela vai pensando essa missão a cada passo do caminho, enquanto constrói o PPG Informativo.

“Grandes empresas, hoje, sempre estão colocando a figura representativa sendo a masculina. Mas, por trás dela, tenho certeza que existe um papel feminino ali, que pensa, que executa, que direciona… Eu quero essas potencialidades perto de mim… nós, mulheres, que somos pensantes, que direcionamos, que orquestramos todo um trabalho que é executado.” — Ana Muza Cipriano

Este ano, o PPG Informativo comemora dez anos de trabalho. Conseguir avançar com a narração de histórias e com o acesso à informação na comunidade têm sido um desafio constante. Nas palavras de Ana Muza: “Toda vez que eu penso em desistir, vem um morador e, do nada, me dá bom dia… e fala o quanto o jornal é importante.” Dessa forma, Ana Muza e sua equipe dedicada continuam a honrar sua promessa aos vizinhos.

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