Escolas da Cidade de Deus Utilizam Exposição ‘Memória Climática das Favelas’ Como Peça-Chave na Educação Climática Local

Na CDD, Acervo da Exposição Vira Material Pedagógico

Jovens estudantes participam do lançamento da exposição Memória Climática das Favelas na Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias
Jovens estudantes participam do lançamento da exposição Memória Climática das Favelas na Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias

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Após circular na Maré, em Acari e em Rio das Pedras, favelas onde teve intensa agenda de atividades e receptividade do público, a exposição Memória Climática das Favelas chega à Cidade de Deus, na Zona Oeste. Organizada pela Rede Favela Sustentável*, a exposição está atualmente aberta ao público na Escola Municipal Dorcelina Gomes da Costa desde 17 de setembro, através do Grupo Alfazendo, integrante-fundador da RFS que foi anfitrião local do projeto na CDD. Em seguida, circulará por outras escolas da comunidade até 3 de outubro. A expectativa é que a exposição chegará à maioria dos alunos dos corpos docentes das quatro escolas. Além disso, seu acervo se tornará material pedagógico para o Eco Rede, projeto de educação socioambiental do Grupo Alfazendo.

No dia de lançamento, na Escola Municipal Dorcelina Gomes da Costa, jovens educadores do Eco Rede utilizaram os banners, a linha do tempo e a bacia das memórias para abrir um diálogo com os alunos sobre a história da Cidade de Deus. Gabrielle da Conceição da Silva, coordenadora pedagógica do Eco Rede, explica a proposta.

“[Eco Rede é] um projeto que acontece no território há 14 anos. Todo ano a gente traz uma proposta diferente: jogos da memória, jogos de quebra-cabeça, jogos de tabuleiro gigante… E aí, nesse ano, a nossa proposta é um pouco diferente, é uma exposição.” — Gabrielle da Conceição da Silva

Em atividade pedagógica facilitada pelos educadores do projeto Eco Rede, alunos interagem com mapa da Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias.
Em atividade pedagógica facilitada pelos educadores do projeto Eco Rede, alunos interagem com mapa da Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias

Na atividade de educação socioambiental conduzida pelo Eco Rede, três jovens educadores dividiram os alunos visitantes entre três grupos, explicando o contexto histórico que levou à criação da Cidade de Deus em 1966 e compartilhando memórias climáticas que a comunidade vivenciou desde sua fundação. Evelyn Cristina Neves, uma das jovens educadoras que apresentou a exposição aos alunos, fala sobre a origem da favela.

“A Cidade de Deus, antigamente, era uma fazenda. Em 1966, antes das obras terminarem [inicialmente para alojar trabalhadores], moradores removidos de favelas [vítimas de enchentes] vieram habitar aqui. [É importante] falar sobre isso, sobre as enchentes e os desabrigados que vieram para a Cidade de Deus, que não foi criada para nós moradores. Foi criada para os trabalhadores, para o crescimento da Zona Sul, mas aí [surgiu a questão dos] desabrigados das enchentes e das remoções, [e os impactados] vieram habitar aqui.” — Evelyn Cristina Neves

Na manhã de atividades, no dia 17 de setembro, Luciano Vicente, professor de língua portuguesa da escola, acompanhou sua turma na abertura da exposição. Ele reflete sobre a forma como as pessoas foram assentadas na Cidade de Deus. 

“A maneira como foi feita a alocação foi equivocada, porque as pessoas vieram a partir das remoções, e eles [as autoridades responsáveis] fizeram isso de maneira atabalhoada. Além disso, uma outra questão que [uma estudante] colocou, que só tinha barro, mato, ou seja, botaram as pessoas aqui, distantes dos seus trabalhos, a maioria. E [as autoridades responsáveis] não deram… [as] outras assistencialidades que deveriam acontecer, como escolas, postos de saúde e transportes… o que culminou em um processo de crescimento demográfico da Cidade de Deus, sem nenhuma estrutura, sem nenhuma base de organização.” — Luciano Vicente

Evelyn, Kayky, Gabrielle e Rian, educadores socioambientais do projeto Eco Rede, refletem junto aos alunos sobre as memórias climáticas da Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias
Evelyn, Kayky, Gabrielle e Rian, educadores socioambientais do projeto Eco Rede, refletem junto aos alunos sobre as memórias climáticas da Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias

Participaram da inauguração seis turmas, com aproximadamente 30 alunos cada, do Ensino Fundamental 2 e Médiojovens com idades entre 12 e 16 anos. Kayky Cristiano Soares Silva, estudante do primeiro ano do Ensino Médio, conta sua experiência de aprendizagem através da exposição. 

“Eu gosto muito de aprender coisas novas… eu comecei a conhecer mais sobre toda a linha do tempo, desde a fundação da Cidade de Deus até os dias de agora. Foi muito legal. A gente estudou e a gente fez perguntas que gente da idade deles… conseguisse responder,… sobre as mudanças climáticas na favela.” — Kayky Cristiano Soares Silva

Ao longo da atividade, os estudantes debateram outros assuntos ligados à memória climática local, refletindo coletivamente sobre como era o Rio Grande, rio principal da Cidade de Deus, e como ele está agora; se costumam ver pouca ou muita árvore no caminho para a escola; quais impactos que as mudanças climáticas causam na favela; se a Cidade de Deus de antigamente é igual a de hoje; o que fariam se sua casa fosse alagada; e se conhecem alguém que já teve a casa alagada. O objetivo da conversa foi estimular os estudantes a participar com suas vivências e com histórias que ouviram de seus mais velhos. 

Perguntas norteadoras da atividade de educação socioambiental ocorrida durante a Exposição Memória Climática das Favelas na Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias
Perguntas norteadoras da atividade de educação socioambiental ocorrida durante a exposição Memória Climática das Favelas na Cidade de Deus. Foto: Bárbara Dias

Iara Oliveira, fundadora e coordenadora do Alfazendo, aproveitou o momento para falar sobre a enchente de 1996, um evento marcante para a comunidade.

“Teve uma enchente grande na Cidade de Deus, em que morreram 62 pessoas. Houve pessoas que nem foram achadas, porque a água levou… Então, por isso, é importante a gente ter memória. Eu, hoje, tenho 58 anos, eu tenho a idade de Cidade de Deus, [e] eu passei por duas enchentes. A ideia não é que vocês revivam uma enchente, mas que vocês percebam que a Cidade de Deus é cortada por três rios, e a importância de cuidar do rio, e olhar a questão das enchentes. Pode ser que esse lado aqui não encha, mas a Rocinha 2, toda aquela área lá de trás, quando chove, as pessoas têm pânico. A mudança climática traz uma questão muito forte de pânico para as pessoas. Porque quando você não está em casa, você saiu para trabalhar, você pode voltar e a sua casa estar alagada. Por isso é importante a gente reviver e lembrar que o racismo ambiental está ligado justamente a isso.” — Iara Oliveira

Verônica Cintra, diretora da escola, trabalha frequentemente em parceria com o projeto Eco Rede. Ela fala da experiência de receber a exposição na instituição de ensino onde trabalha. 

“É muito bacana, muito importante, o retorno dessa exposição aqui dentro da escola, e aqui na Cidade de Deus, e saber que a Cidade de Deus é protagonista dessas ações socioambientais. Principalmente para mostrar que essas questões das mudanças climáticas afetam de maneira desigual os territórios populares, o que a gente chama de racismo ambiental. E aqui, pra nossa escola, que tem um projeto pedagógico antirracista, é uma reflexão fundamental fazer isso pra dentro da [comunidade escolar].” — Verônica Cintra

Veja o Álbum da Abertura da Exposição ‘Memória Climática das Favelas’ na Cidade de Deus:

Exposição 'Memória Climática das Favelas' na Cidade de Deus, 17 de setembro de 2025

*A Rede Favela Sustentável e o RioOnWatch são ambas iniciativas gerenciadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras. A exposição de Memória Climática das Favelas reúne 1.145 depoimentos de 382 moradores de dez favelas da capital fluminense, coletados e sistematizados ao longo de três anos de construção coletiva. A exposição foi desenvolvida por onze museus e coletivos de memória de favelas integrantes da RFS: Museu da MaréMuseu SankofaNúcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa CruzMuseu de FavelaNúcleo de Memórias do VidigalAlfazendo (Cidade de Deus), Centro de Integração da Serra da MisericórdiaMuseu do HortoFala AkariConexões Periféricas (Rio das Pedras) e Museu das Remoções.

Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


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