Na sexta-feira, 20 de março, a Prefeitura do Rio de Janeiro marcou 58 famílias para remoção de suas casas na Vila Autódromo, a comunidade que tem sido dilacerada devido à sua localizacão adjacente ao Parque Olímpico de 2016. O uso pela Prefeitura da desapropriação é um afastamento da política anterior que prometia realocar apenas aqueles que concordassem e de urbanizar a comunidade para aqueles que ficassem, oferecendo indenização a preço de mercado ou moradia alternativa no Parque Carioca (a menos de um quilômetro de distância) para aqueles que decidiram sair voluntariamente. Há temores cada vez maiores, entre as 150 famílias remanescentes de que agora eles serão forçados a sair sem uma compensação adequada.
A mudança aparente de política, no que foi reportado como uma “desapropriação via decreto“, ocorre em seguida ao relatório do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que questionou o programa da Prefeitura, elogiado internacionalmente, por oferecer aos moradores uma indenização à preço de mercado. O relatório destaca que 12.275 pessoas em 24 comunidades no Rio de Janeiro foram removidas por conta da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, sem receberem compensações a preço de mercado.
Por 20 anos, a população de 3.000 pessoas da Vila Autódromo resistiu à remoção. Em 1994, foram concedidos títulos de posse por 99 anos aos moradores, podendo ser prorrogados por mais 99 anos, e em 2005 a comunidade foi declarada Zona Especial de Interesse Social e, em 2013, o Prefeito Eduardo Paes declarou publicamente que nenhum morador seria obrigado a sair. Apesar disso, a população da pequena comunidade da Zona Oeste está hoje reduzida a 150 famílias, número em rápida queda à medida em que a situação se torna insustentável e ofertas de indenização altas são aceitas.
Na quarta-feira 11 de março, Jane Nascimento, moradora de longa data da comunidade que resiste à remoção e participa da Diretoria da Associação de Moradores, assistia os funcionários da Prefeitura demolindo as casas ao redor da sua. Seus vizinhos aceitaram a compensação oferecida pela Prefeitura, reportada como sendo acima de R$1 milhão, em alguns casos quase R$2 milhões, deixando a casa de Jane como a próxima da linha. Pouco ouvida pelo som das máquinas que destruíam as casas, Jane explicou que essa é “uma outra espécie de violência. Eu posso, eu posso, eu posso, eu posso. Eu sou o poder econômico, eu posso fazer isso e eu compro. Já que vocês não querem sair eu compro”.
Enquanto alguns aplaudiram a nova estratégia da Prefeitura em oferecer compensação a preço de mercado, alguns, como Altair Guimarães, presidente da Associação de Moradores, continuam críticos. Ele disse: “Quando eles começaram a oferecer o dinheiro e o povo começou a aceitar, aí acabou a luta. Como eu vou pedir para as pessoas lutarem comigo, se a proposta que eles estão recebendo é milionária?”. A falta de esperança de Altair cresceu quando 43 famílias que ainda estavam morando na comunidade declararam seu comprometimento com a permanência à Defensoria Pública, mas uma semana depois, alguns já haviam começado a negociar.
Alguns alegam que a Prefeitura apenas negocia com os moradores individualmente, para criar confusão e especulação sobre as ofertas, resultando em tensões e temores dentro da comunidade.
Em um relatório de 2013, os acadêmicos de MIT, Lawrence Vale e Anne Marie Gray, argumentaram que o deslocamento e a destruição de uma comunidade inteira, com suas histórias e estórias, é uma perda não-monetária que não pode ser substituída. Maria da Penha, moradora da Vila Autódromo, expressou o sentimento em sua recusa de “desistir de sua história de 22 anos por 15 dias de Jogos Olímpicos” na televisão nacional sueca na semana passada.
Em numerosos casos, sediar os Jogos Olímpicos elevaram os preços das propriedades na cidade-sede. Em Barcelona, os preços dos imóveis elevaram em 250%, desde o anúncio que a cidade sediaria os jogos em 1986 até o evento em 1992. Essa tendência se mantém no Rio, com os alugueis aumentando em toda a cidade, com uma média de 6,8% em favelas nos últimos dois anos. O relatório de Vale e Gray argumenta que dada essa elevação recorde, dos preços de imóveis inflacionados nas cidades-sede das Olimpíadas, a taxa atual oferecida pode vir a ficar aquém do valor de mercado. A Vila Autódromo é localizada na Barra da Tijuca, um dos bairros mais caros do Rio. O relatório afirma que a Prefeitura “parece estar oferecendo uma compensação razoável. No entanto, considerando que a terra está prevista para se converter em um condomínio de luxo próximo a um novo centro de transporte, após os Jogos Olímpicos, a indenização ainda pode estar abaixo do que se consideraria valor de mercado.”
Segundo o relatório de MIT, a compensação de mercado do governo está em R$275.000,00 por um apartamento de dois quartos de 40m2. No entanto, o jornal O Globo reportou, em agosto de 2014, que a taxa de mercado por metro quadrado na Barra da Tijuca estava avaliada em R$10.037. Isso sugere que um apartamento de 40m2 deve valer até R$400.000,00, quase o dobro do que está sendo oferecido aos moradores da Vila Autódromo.
Altair aponta que a política da Prefeitura de comprar as casas dos moradores para então destruí-las é uma tática extremamente cara, paga com “dinheiro dos cofres públicos”. Ele argumenta que seria mais barato para a Prefeitura manter e urbanizar a comunidade, como o plano original das Olimpíadas propunha e como Bill Hanway, da AECOM, designer do Parque Olímpico disse ser “a coisa certa a ser feita“.
Então por que essa não é a política da Prefeitura? Vale e Gray afirmam: “Quase sempre tais remoções agressivas revelam as poderosas correntes subterrâneas que no fundo estavam influenciado as políticas da cidade-sede por décadas”.
As políticas atuais do Rio vão apenas aumentar a lista de mais de 2 milhões de pessoas já removidas pelos Jogos Olímpicos entre 1998 e 2008.