No dia 20 de julho, a Casa Fluminense–composta por centenas de representantes de organizações da sociedade civil em todo o Estado do Rio de Janeiro–realizou um seminário para os jornalistas que estarão cobrindo o Rio de Janeiro após os Jogos Olímpicos. Os palestrantes informaram aos jornalistas o que eles percebem como os maiores desafios enfrentados pela cidade (sempre se referindo à região metropolitana como um todo) e as questões mais importantes para as próximas eleições para prefeito em outubro. Os tópicos examinados na pesquisa da Casa Fluminense acerca da desigualdade urbana no Rio incluem transporte e mobilidade urbana, saneamento, poluição da Baía de Guanabara e segurança pública.
Os pesquisadores dividiram a grande região metropolitana do Rio em três áreas para as suas análises: o município do Rio, a Baixada Fluminense ao seu norte e oeste, e o Leste Metropolitano do outro lado da Baía de Guanabara.
O seminário foi aberto pelo economista Vitor Mihessen, que revelou que 74% da população do Estado vive na região metropolitana do Rio de Janeiro, tornando o Rio de Janeiro “o mais metropolitano de qualquer Estado do Brasil”.
A análise de Vitor Mihessen sobre a desigualdade social em todo o Estado do Rio de Janeiro utilizou dados do censo incluindo os índices de desenvolvimento humano, salário médio mensal, tempo de deslocamento, níveis de matrícula escolar, índices de mortalidade, acesso a água corrente e coleta de lixo, como introdução para entender como a qualidade de vida varia por todo o Estado. A soma de todos esses fatores, ele argumentou, é demonstrada na expectativa média de vida no Rio: a expectativa de vida em todo o estado é de 75 anos, mas os moradores que vivem em Queimados ou Seropédica na Baixada Fluminense vivem, em média, dois anos a menos do que aqueles que moram no município do Rio.
“Nós temos que fazer essa comparação para que possamos ver como [não ampliar nossa visão para] a região metropolitana é um problema”, disse Mihessen. “É interessante do ponto de vista das políticas públicas.”
Clarisse Linke, pesquisadora do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), falou sobre o transporte como um grande desafio para o Estado do Rio de Janeiro nos próximos anos. A média salarial mensal em todo o Estado contribui para a imagem de uma qualidade de vida variável dependendo da localização geográfica, com o salário médio mensal de R$2.216,00 dos habitantes do município do Rio, contrastando fortemente com o de R$624,00 daqueles em Japeri na Baixada Fluminense.
Mas de acordo com Linke, o tempo de deslocamento apresenta melhores indicadores de qualidade de vida: 26% daqueles que moram no município do Rio e em média 20% da população de todo o Estado gastam mais de uma hora no deslocamento entre suas casas e o trabalho. Clarisse Linke argumentou que a gestão do transporte deve ser a prioridade de megacidades como o Rio de Janeiro. Em todas as megacidades a população está propensa a dobrar até 2030 em relação aos níveis de 2000, ocupando três vezes mais espaço físico do que ocupavam no início do milênio e respondendo por 75% da produção econômica mundial.
“Quase metade da população de Japeri trabalha no Rio de Janeiro, mais da metade gasta mais de uma hora para ter acesso ao trabalho diariamente. Isso, primeiramente, é um problema de mobilidade, mas é causado pelos problemas de planejamento urbano. A gente tem que tentar pressionar os candidatos a resolver essa questão.”
A pesquisa de Clarisse Linke defendeu três estratégias principais: a criação de oportunidades de emprego em localidades distantes da capital e nas regiões vizinhas à metrópole, a melhoria do transporte público sustentável e sua infraestrutura, incluindo opções à pedestres e bicicletas nas cidades, e o “desincentivo” aos carros e transportes privados.
“É fundamental que a gente entende a desigualdade que a mobilidade acaba refletindo“, disse Linke. “Nós temos um problema sério, pois falta qualidade no transporte público que é, enfim, necessário, e por outro lado há um crescimento na frota de veículos e investimento na infraestrutura para os automóveis, que é um investimento que beneficia poucos.”
A engenheira Eloisa Elena Torres falou sobre saneamento e os desafios de poluição enfrentados pela cidade, com a notoriamente poluída Baía de Guanabara permanecendo como um dos maiores desafios ambientais do Rio de Janeiro. Os mapas de Eloisa Elena Torres mostraram como os resíduos do município do Rio, da Baixada e dos municípios ao Leste fluem diretamente para a Baía.
“Não tem nenhum problema, porque o nossa esgoto é o esgoto humano”, ela disse. “O problema é que a cidade fica complexa, e as substâncias que nós produzimos também ficam complexas, e você não sabe como isso vai impactar o ambiente.”
A pesquisa de Torres classificou os potenciais impactos socioambientais da poluição na Baía em seis categorias: condições insalubres; qualidade de vida e risco à saúde; ameaças às bacias hidrográficas; degradação e depreciação imobiliária e ambiental; implicações na pesca e em atividades na água; perdas de emprego e renda com declínio no turismo; e riscos à vida marinha.
O saneamento básico foi outro fator que afeta a qualidade de vida que variou muito entre os municípios: 99% dos moradores de Nilópolis, na Baixada Fluminense, têm acesso ao sistema de esgoto com tratamento, mas apenas 12% da população de Maricá, no leste metropolitano, têm acesso ao sistema de esgoto com tratamento. Para os 22.2% que vivem em favelas não urbanizadas no Rio–quase 10% mais do que a média estadual–o saneamento continua sendo um dos principais pontos de contendas.
A principal preocupação de Torres é a iminente privatização do saneamento devido ao monopólio virtual do Estado–a estatal CEDAE e suas parcerias público-privadas–e os potenciais planos do governo de vender a companhia, o que colocaria o controle do saneamento fora do alcance financeiro e político dos cidadãos cariocas.
A pesquisadora de segurança pública Silvia Ramos respondeu às crescentes preocupações acerca da violência urbana no Estado do Rio. A pesquisa de Vitor Mihessen mostrou como isto também variou entre os diferentes municípios: para cada 100.000 habitantes em Queimados, por exemplo, houve uma média de 72,4 homicídios, uma imagem substancialmente diferente do município do Rio, que teve 18,6 e da média estadual, que foi 25,4.
“Eu acho que nós temos que prestar muita atenção a essa desigualdade territorial. As desigualdades territoriais são muito mais profundas do que as que a gente já sabe: desigualdade territorial talvez seja mais importante hoje para entendermos tudo, inclusive a violência, assim como qualquer uma das desigualdades, como as de gênero, de idade, de classe, de renda, e de cor.”
A pesquisa de Silvia Ramos mostra como as taxas de crimes violentos no Rio de Janeiro têm diminuído de forma constante ao longo dos anos. A introdução das UPPs obteve, inicialmente, um impacto significante na redução de crimes violentos nas favelas da capital, embora venha aumentando lentamente nos últimos anos, deixando os formuladores de políticas perplexos.
“Têm várias explicações para isso, mas é um projeto de polícia”, ela disse. “Ingressaram 9.000 policiais, todos novos, e com pouca idade, e isso produziu uma onda. Isso trouxe uma mudança não só na favela, mas uma onda aqui no Rio de Janeiro”.
Silvia Ramos também abordou os problemas pouco relatados acerca da violência e do crime no Estado: o crime em geral, incluindo crimes violentos, foi muito maior na Baixada do que no município do Rio. Portanto, se o crime violento é maior, outros tipos de crime muitas vezes refletem este. Mas, para Silvia Ramos, o elemento mais preocupante é a capacidade da mídia de esquecer rapidamente a violência.
“Todo mundo viu o mapa de violência, e uma semana depois ou duas, não se falou mais sobre isso. Jornais como Folha e Estadão, cada vez mais seguem o modelo de silenciar notícias sobre a violência. Os jornais não cobrem mais. A gente fala cada vez menos.”
As eleições para prefeito acontecerão em outubro de 2016, após as Olimpíadas. Para além do recém declarado estado de calamidade, os déficits orçamentais existentes, o fracasso na solução dos problemas como a educação, a saúde, o saneamento, o transporte e o crime, a pesquisa da Casa Fluminense apresenta uma oportunidade aos candidatos de tratar questões que terão um maior impacto imediato na vida dos moradores do que os Jogos Olímpicos. No dia 26 de julho, houve o lançamento oficial da proposta da Agenda 2017 da Casa Fluminense, assinada por mais de 50 organizações da sociedade civil e centros de estudos e pesquisa por toda o Grande Rio. Candidatos a prefeito de toda a região foram convidados e três assinaram o compromisso com essa agenda: Alessandro Molon (REDE), Carlos Osório (PSDB), e Marcelo Freixo (PSOL).